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Festival de Cannes 2010

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27/05/2008 - 19h15

Cannes se preocupa com o mundo e está de olho na América Latina

THIAGO STIVALETTI

Colaboração para o UOL
A premiação do Festival de Cannes neste domingo não deixou dúvida. Encabeçado pelo sempre politizado Sean Penn, o júri mostrou uma grande preocupação com os problemas políticos e sociais que assolam o mundo hoje - dos problemas gerados pela imigração na Europa à militarização dos Estados Unidos, da corrupção entre os políticos à eterna desigualdade social no Terceiro Mundo.

Vendo apenas os filmes premiados, a impressão é a de que Cannes exibiu uma seleção de predominância política. Não é verdade: dos 22 filmes, menos da metade (dez) tratavam de questões políticas de forma evidente ou no seu subtexto. Filmes sobre guerras ou guerrilhas ("Che", "Valsa com Bashir"), o problema da imigração ("Entre les Murs", "O Silêncio de Lorna"), os efeitos da globalização ("24 City"), a corrupção na polícia ("The Exchange") e os eternos problemas sociais dos países periféricos ("Linha de Passe", "Leonera").

Os filmes ditos "estéticos", mais preocupados com a construção da mise-en-scène, abordaram temas como a crise da família ("Os Três Macacos") ou uma crise existencial ("A Mulher Sem Cabeça"), mas alguns decepcionaram com um estilo vazio e ultrapassado ("The Palermo Shooting", "A Fronteira da Aurora").

A Palma de Ouro não foi para o filme mais original ou ousado da seleção, mas para aquele que sintetizou melhor os problemas do mundo hoje. O francês "Entre les Murs" (Entre 4 Paredes) condensa em uma sala de aula de escola pública os problemas da França e da Europa hoje. O convívio entre franceses brancos, imigrantes africanos, árabes e até asiáticos é problemático. Há uma crise de autoridade que não se resolve - o professor nunca consegue o respeito total dos alunos. E a disputa de poder começa na própria linguagem - em um momento de irritação, o professor chama duas das alunas de "folgadas", elas entendem da pior maneira possível (algo como "vagabundas") e decidem "processar" o professor dentro das leis da escola.

"Entre les Murs" não deixa de falar de todas as nações, de toda a crise da cultura hoje: o mundo civilizado começa na educação dos jovens, mas eles têm cada vez mais problemas em conviver entre si e com a autoridade acima deles.

No ano passado, o júri presidido pelo chinês Wong Kar-Wai premiou o romeno "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias": um filme de direção mais firme e contundente que "Entre Les Murs". "4 Meses" era um filme político, sem dúvida, ao retratar o cotidiano de Bucareste sob a ditadura comunista de Ceausescu, mas falava mais do passado que do presente. "Entre les Murs", embora menos original, mostra-se mais atual nos seus questionamentos. A política levou a melhor sobre a arte.

Afora a Palma, os dois filmes italianos em competição levaram prêmios importantes para casa. Ambos demonstram grande preocupação com a situação política e social da Itália hoje, com o novo mandato de Berlusconi, um político conservador ligado à cultura de massa. "Il Divo" mereceu mais o seu prêmio, traçando com estética original em tom de comédia o perfil do ex-primeiro-ministro Giulio Andreotti, e como o seu autoritarismo conservador conduziu à era de ignorância liderada hoje por Berlusconi.

"Gomorra" toca em uma ferida social antiga, o crescimento da Camorra em Nápoles (e das outras máfias nas outras regiões) sob o nariz dos governantes - e mesmo com o apoio deles. O filme não tinha qualidade cinematográfica para competir em Cannes (é mal dirigido e mal produzido), mas a importância do tema prevaleceu. O filme "Gomorra" amplifica o grito de alerta do livro, cujo autor vive hoje escondido, sob ameaça de morte dos mafiosos. Com os prêmios, Cannes chama a atenção para um país em grande decadência política, social e cultural, vivendo hoje talvez o seu pior momento.

Depois de França e Itália, o júri só teve olhos para a América Latina. O prêmio de atriz para o brasileiro "Linha de Passe" destacou um filme de grande sutileza no tratamento da desigualdade social no Brasil, e por conseqüência no Terceiro Mundo. É o filme mais crítico e refinado de Walter Salles até hoje, em parceria com Daniela Thomas, e comporta até mesmo um leve mas importante comentário sobre a interação difícil e problemática entre os mais pobres e a elite em nosso país.

Com a política em primeiro lugar na Competição oficial, foi papel das outras seções buscar os novos talentos, principalmente aqueles mais preocupados em fazer evoluir a linguagem do cinema: na mostra Um Certo Olhar, destacaram-se o britânico "Hunger", de Steve McQueen (homônimo do grande ator), premiado com o troféu Câmera de Ouro; "Tulpan", do Cazaquistão, com uma câmera inquieta atrás de seus personagens, os membros de uma família de pastores nômades; e mesmo "A Festa da Menina Morta", do brasileiro Matheus Nachtergaele, uma estréia ousada de um diretor que ainda pode fazer grandes filmes no futuro.

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