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Filme mostra grito de Elis nos palcos contra a influência dos homens

Do UOL, em São Paulo

30/11/2016 07h00

Dar conta de um furacão como Elis não é tarefa fácil para os livros, e não seria diferente em sua cinebiografia. “Elis” chegou aos cinemas na última quinta-feira (24) causando reações diversas, muito pelas escolhas do roteiro para dar conta de 20 anos da vida da cantora em 1 hora e 50 minutos de filme.

Entre tantas histórias, o roteiro, escrito a seis mãos pelo diretor Hugo Prata com Luiz Bolognesi e Vera Egito, sugere que por trás de tanto talento Elis era constantemente talhada por uma figura masculina -- seja seu pai (ZéCarlos Machado), com quem bate de frente para ficar no Rio de Janeiro, ou o primeiro marido, o compositor e produtor Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado), com quem entra em conflito logo no início do filme.

Bôscoli destrata Elis e não se furta em criticá-la no jeito de cantar ou na falta de sedução no palco. Com muita lábia, ele ainda sugere que a cantora corte o cabelo como a atriz americana Mia Farrow para ficar mais moderna. Dias depois, Elis aparece nos ensaios com o cabelo curto e com a intenção de seduzi-lo.

A partir daí, suas opiniões também são direcionadas. Sob a influência dos puristas, ela declara guerra à guitarra elétrica. Mais tarde, adota o instrumento e regrava Beatles e Roberto Carlos. Novamente, quem dá o toque é um homem. A versão ficcional do jornalista e produtor Nelson Motta (Rodrigo Pandolfo) sugere à personagem, sem rodeios: “Você canta como uma velha”.

O cantor e apresentador Luís Carlos Miele e o dançarino Lennie Dale parecem ser os únicos a não sufocar Elis, embora cada um "ensine" algo para a cantora no início da carreira.

Em uma cena chave no longa, beneficiada pela interpretação de alma da atriz Andreia Horta (basicamente a única mulher em cena), Elis explode em choro e grito no meio da rua: “Não quero mais ser controlada. Eu quero ser livre. A única coisa que eu quero fazer da minha vida é cantar”.

O desabafo surge após ela enfrentar o cartunista Henfil, que a desenhou em uma tumba cantando para o Hitler, logo após saber que a cantora participara de um evento militar em plena Ditadura. Elis se defende e diz que foi acuada por um oficial.

Uma semana depois da morte de Elis, o cartunista entenderia melhor a cantora ao escrever: “Nós homens te matamos, mulher”. Mas a frase não dá as caras no filme.

Elis só surge sozinha em cena quando sobe ao palco -- o que ganha destaque especial com o olhar de Prata, um dos mais profícuos diretores de videoclipes da era MTV.

Seja na interpretação emocionada de “Atrás da Porta”, ou ao cantar a potente “Cabaré”, sob vaias da plateia (ainda por conta da suposta simpatia ao Regime), é que o espectador pode entender mais da artista de forma mais legítima: uma força da natureza que se recusa a ser domada.
 

5 apresentações marcantes em "Elis"

  • Divulgação

    "Arrastão"

    Com a ginga ensinada por Lenin Dale, Elis se torna uma intérprete reconhecida e leva o prêmio do I Festival de MPB da TV Excelsior em 1965 ao cantar "Arrastão", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Nascia o termo MPB.

  • Divulgação

    "Madalena"

    A música de Ivan Lins é cantada à força por Elis nas Olimpíadas do Exército, em 1972, após ser acuada por um oficial do Regime. Na vida real, Elis cantou o Hino Nacional. Mas a reação do público e dos artistas no filme após o episódio é verídica.

  • Divulgação

    "Cabaré"

    Após o episódio do Exército, Elis foi recebida com vaias no Festival Phono, em 1973, em São Paulo. De rosto fechado, ela não arredou o pé e fez uma apresentação vigorosa da canção de João Bosco e Aldir Blanc. Caetano Veloso teria levantado para repreender a plateia: "Respeitem a maior cantora do Brasil".

  • Divulgação

    "Atrás da Porta"

    A interpretação emocionada de Elis na gravação do programa "Ensaio", da TV Cultura, é reencenada. Na versão da ficção, a cantora vai às lágrimas dentro de um estúdio, ao lado de Cesar Camargo Mariano.

  • Reprodução

    "Fascinação"

    A clássica canção de 1904 ganhou versão em português e uma interpretação arrebatadora de Elis na turnê "Transversal do Tempo". O número é recriado na íntegra para o filme.