SÃO PAULO (Reuters) - A 29a. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo começa na sexta-feira, em 20 salas espalhadas pela cidade. São mais de 300 filmes, incluindo os longas premiados nos mais importantes festivais do mundo, diretores consagrados, atores badalados e, para o desespero dos cinéfilos, apenas duas semanas para dar conta de tudo.
Mas, com um pouco de organização e calma, é possível ver muitos filmes, ao menos mais de 100. É o que garante a aposentada Anette Fuks, 60 anos, uma veterana no festival, que acompanha a Mostra desde sua primeira edição, em 1977, quando os filmes eram exibidos apenas em uma sala do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Dois longas eram apresentados à tarde e reprisados à noite.
Entre as diversas histórias que Anette colecionou durante esses quase 30 anos de festival, ela lembra que antes das legendas eletrônicas, o público tinha que se virar com as legendas da própria cópia do filme. "'Gosto de Sangue', por exemplo, passou com legenda em japonês. Nunca vou me esquecer disso", disse.
Anette afirma que saber um idioma estrangeiro é fundamental para quem se diz cinéfilo e quer acompanhar a Mostra. "As pessoas me perguntam o que eu carrego na minha bolsa. Eu até conto, mas sempre falo que a bagagem cultural é muito mais importante", afirmou.
E o que ela carrega na bolsa? Além do básico, como bolachas, água e a indispensável programação da Mostra, também leva uma lanterna.
Mas, diferente do que muitos possam pensar, o objeto não serve para jogar luz em quem conversa durante a sessão. "Se o filme estiver chato, acendo minha lanterninha, abro a programação e vejo o que está passando na sala mais próxima. Se valer a pena, vou para lá", explica.
A cinéfila também tem uma forma muito peculiar de escolher os filmes. Ao contrário dos que procuram os mais badalados ou se guiam pelos diretores mais famosos, ela segue o caminho do desconhecido, quer descobrir novidades.
"A primeira coisa que faço é saber se o filme vai estrear. Se for, eu deixo para ver depois. Dou prioridade àqueles que não devem passar por aqui", contou.
Ela também evita esses filmes porque sabe que são as sessões mais lotadas e lembra que já presenciou diversos tumultos com superlotação de cinema, como em 1986, na exibição de "Sid & Nancy -- Amor Mata", quando a gerente do cinema teve até que chamar a polícia.
O filho de Anette, o jornalista Érico Fuks, 37 anos, também acabou contagiado pela paixão da mãe, que o levava nas sessões do festival desde pequeno. Ele acompanha a Mostra com regularidade desde 1996, quando comprou sua primeira assinatura integral, que dá acesso a todos os filmes.
Ele e a mãe, aliás, concordam que vale a pena gastar com esse tipo de ingresso, que custa 310 reais, desde que se tenha tempo para acompanhar o evento, assistindo a vários filmes por dia.
DICAS DOS CINÉFILOS
O crítico de cinema Cléber Eduardo, 37 anos, que acompanha a Mostra desde 1984, acredita que muitos filmes bons acabam passando batido por não terem ganhado nenhum prêmio de expressão nem serem feitos por diretores famosos -- como é o caso de "Manderlay", de Lars Von Trier, "A Criança", ganhador da Palma de Ouro em Cannes, e "2046", de Wong Kar Wai. Cléber é adepto da tática de Anette e sua sugestão é "arriscar para descobrir". Mesmo assim, desenvolveu seu método próprio. "Me informo minimamente sobre os filmes e ouço de conhecidos suas sugestões, a partir do que eles vão vendo na Mostra", explicou.
"Não é garantia de aposta certa, mas ao menos alguém viu qualidade no filme e, se viu, é preciso levar isso em conta."
Como boa parte da imprensa especializada, o crítico tem acompanhado as sessões prévias para os jornalistas e aponta alguns filmes que valem a pena prestar atenção: "Cidade Baixa", de Sergio Machado, "Cinema, Aspirinas e Urubus", de Marcelo Gomes, "O Fim e O Princípio", de Eduardo Coutinho, "O Mundo", de Jia Zhang-ke, e "Batalha no Céu", de Carlos Reygadas. Já as dicas de Anette, que viu alguns filmes da Mostra no Festival do Rio, são "A Dignidade dos Ninguéns", do argentino Fernando Solanas, e "Dumplings", do chinês Fruit Chan.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)