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01/11/2006 - 23h41
Kirill Mikhanovsky e José Maria Alves batem papo sobre "Sonho de Peixe"
Da Redação

Divulgação

Cena do filme Sonho de Peixe do diretor russo Mikhanovsky

Cena do filme Sonho de Peixe do diretor russo Mikhanovsky

O cineasta russo Kirill Mikhanovsky e o ator José Maria Alves conversaram com o público do UOL no dia 31 de outubro sobre "Sonhos de Peixe", filmado no litoral do Rio Grande do Norte e que faz parte da programação da 30 ª Mostra internacional de Cinema de São Paulo. Participaram do Bate-papo 227 pessoas.

Veja trechos da entrevista:

Ligação com o Brasil

Mikhanovsky: Nasci e cresci na Rússia, faz dois anos que não moro nos EUA, passei uns anos na Rússia, passei anos na Colômbia e voltei
a morar no Brasil. Não tenho certeza de onde moro.
Minha história com o Brasil é bem típica, bem gringa. Assisti o filme "La flor de mi segredo" e no fim do filme tinha uma música que não sabia de quem era, mas sabia que era cantada em espanhol. Por acaso descobri que quem cantava era o Caetano Veloso. Assisti ao filme duas ou três vezes mais. Caetano me ajudou a descobrir o Brasil, a criar um Brasil dentro de mim. Me surpreendi bastante, conheci muita coisa, muitos músicos. Ouvi isso tudo e demorou uns 6 anos para eu vir ao Brasil.

Filme "Terra Terra"

Mikhanovsky: Eu estava escrevendo um roteiro e escutava a música de Caetano Veloso, "Terra", por vários dias sem parar. Não sabia do que ele estava cantando. No final daqueles três dias, li a letra traduzida. E descobri que a letra dizia muito sobre o meu filme, que acabou se chamando "Terra Terra". O filme é sobre um estrangeiro morando nem Deus sabe onde, o pai dele mora no Brasil, mas ele está perdido no mundo. Hoje ficaria com muita vergonha de assistir e de mostrar para alguém.
Com esse filme eu entrei na NY University para estudar cinema. Foi o meu primeiro filme, um curta-metragem. Agora estou exibindo meu primeiro longa no Brasil.

A escolha do lugar para "Sonho de Peixe"

Mikhanovsky: A Baía Formosa foi uma inspiração. Descobri o lugar, gostei do lugar e passei um mês estudando, fazendo nada, só olhando a forma da vida deles. Passei um mês lá, depois voltei para os EUA. Já sabia que uma história iria acontecer por lá.
Foi devido à minha própria fascinação com os pescadores da Baía Formosa. Na Rússia os pescadores são amadores, não vivem disso. Não é o mesmo que no Brasil, o jeito de pescar é bem diferente. Tem barco, jangada, mergulho.

O encontro do diretor com o ator

José Maria: Eu estava chegando do mar e encontrei os produtores. Me juntei e perguntei o que eles estavam fazendo lá. Conversei com o Sérgio
Penna, e ele olhou a Fernanda de Capua e disse que eu era o cara. Fiz uns testes, no meio dos testes apareceu uma viagem. A Fernanda ficou louca, não queria que eu viajasse. Tinha que ir, porque se perdesse aquele barco poderia não entrar mais. Depois disso ela me disse que eu seria o ator principal.

Mikhanovsky: Quando eu o vi, sabia que seria ele. Fizemos um encontro com pescadores, e na hora que vi o José Maria, sabia que ele tinha cara,
tinha poder, tinha carisma. A música das palavras dele, o poder da história dele já bastava.

A história do filme

Mikhanovsky: O Juscelino se apaixona por uma menina, que já tem uma filha, mas não tem pai. Ela é apaixonada por novela, toda noite tem que ver. Depois de muito tempo chega Rogério, que é um bugueiro. Ele dá uma carona para a casa de Ana e lá acontece o encontro de Rogério e Ana, e o status dele atrai a Ana. É uma história muito simples, muito pequena. A maior história é a história do lugar, dos pescadores, que tinha sido um lugar maravilhoso que talvez, com a invasão dos turistas, vai acabar desaparecendo. A baía está morrendo, o próprio povo do lugar não sabe ligar com a beleza daquele lugar, com a invasão dos turistas.

Relação do diretor com novelas

Mikhanovsky: Aprendi com a televisão. É bom para entretenimento pessoal e para aprender a cultura brasileira. Dá para viver sem, mas a televisão faz parte da cultura brasileira. Antigamente se media tempo através de tempos astrais, agora, no Brasil passei 4 novelas: Celebridade, Senhora do Destino, América e uma parte de Belíssima.

Diferença entre os sitcoms e as novelas

Mikhanovsky: Em sitcoms são várias histórias e não existe a linha a ser seguida, como as novelas. As soap operas são para pessoas que
passam o dia em casa. No Brasil, as novelas passam durante o horário nobre. No Brasil, independente de nível social ou financeiro, todo mundo sabe o que está passando na novela. Faz parte da vida cotidiana do brasileiro. Tecnicamente é péssimo, desde o roteiro até a forma de filmar. A novela tem que ser ruim, novela brasileira é assim e deve continuar sendo como é. A técnica de roteiro e filmagem deve ficar assim. As novelas podem fazer um papel importante e político numa cultura. Não estou aqui para criticar, mas para observar. Não tenho o poder de fazer uma crítica, há algo além da minha observação.

Semelhanças entre Brasil e Rússia

Mikhanovsky: Não só durante o processo do filme, mas durante a minha primeira viagem, em 2001, percebi várias igualdades. Olho as pessoas e velho meu próprio povo, a diferença está nas músicas. No jeito de cantar, nós cantamos sobre mesmas coisas, amor perdido, saudade eterna, dor de coração. Aqui todo mundo sorri e dança. Na Rússia, lá bebemos e choramos.

Modo de pescar

José Alves: Tem várias maneiras de pescar, de rede, linha e depende do peixe que se quer pescar. O atum a gente pesca com linha, com o barco
correndo na distancia de um quilômetro, indo e vindo. Na pesca do atum, na média, são 150 a 200kg de peixe por uma ou duas noites no mar, ou até por um dia mesmo.

Cinema

Mikhanovsky: Godard dizia que cinema é filmar trabalhadores trabalhando. O nobre ato de filmar surgiu do nobre trabalho deles.
José Alves: Não sei dizer, minha cidade não tem cinema. Tem que ir para Natal para assistir, e lá também tem poucos. Na Mostra, vi um
com Murilo Benício, que é ótimo. Nesse filme, "Paid", tem cenas muito emocionantes. O Murilo Benicio mata vários traficantes e mata o pai
de uma criança e leva essa criança para ser criada, cuidada. Isso me emociona. A primeira vez que eu vi "Sonhos de Peixe" foi em Cannes, foi emocionante. Foi muito bom estar me vendo naquela tela enorme, sentir as emoções que eu senti enquanto estava filmando.

Volta para à baía Formosa

Joé Alves: Penso um dia em mudar, não quero continuar só pescando. Estou terminando meus estudos, estou no colegial. Trabalhar com turismo não é uma má idéia. Eu quero continuar a fazer filmes, quero estudar cinema. Eu gostei, fiz pela primeira vez e quero continuar.

Mikhanovsky: Temos a idéia de levar o filme para a baía Formosa, mas o dinheiro cedido pelo governo do RN sumiu e quando descobrimos
onde estava, a pessoa queria nos cobrar 40%. O governo nos tirou esse dinheiro dado. Queremos ajuda para levar esse filme até a baía Formosa.
Seria um prazer para aquelas pessoas. 90% deles nunca viu cinema na vida.

Cineastas brasileiros

Mikhanovsky: Gosto de Glauber Rocha: "Terra em Transe", "Deus e o Diabo na Terra do Sol", "O informante". "Vidas Secas", "Assalto do Trem Pagador" (Nelson Pereira dos Santos).
Gosto do Eduardo Coutinho, acho ele o cineasta contemporâneo mais interessante, assisti "Edifício Master", não aceitava a não estética dele de início, mas acabei aceitando.
Gostei de "O Céu de Suely", de Karim Ainouz, tem cenas fortes e imagens bem de cinema. O importante é fazer através do cinema o que não é possível fazer em outras linguagens.
Não sei o que é, não há uma formula. Faz parte do mistério do cinema. "Sonhos de Peixe" tem vários desses momentos.

Distribuição

Mikhanovsky: Ainda não temos distribuidora no Brasil, não há previsão de estréia em circuito nacional. Estamos fazendo contatos. Talvez teremos mais outras exibições na semana que vem, se for escolhido como os melhores da Mostra. Senão temos que devolver a cópia para Bavaria e esperar estrear no Brasil.


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