| | 01/11/2006 - 23h59 Tata Amaral fala de "Antonia", série baseada no filme estréia dia 17 na Globo Da Redação Divulgação Cena do filme Antonia de Tata Amaral | Diretora do longa "Antonia", que faz parte da 30ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a cineasta paulista Tata Amaral conversou sobre o filme no bate-papo UOL no dia 31 de ourtubro.
"Antonia" mostra a trajetória de um grupo de rap formado apenas por mulheres. No elenco, Negra Li, Quelynah, Leilah Moreno e Cindy, além de Sandra de Sá, Thaíde, Ezequiel e Macário. Uma continuação da história vai virar minissérie e estréia da TV Globo em 17 de novembro. Participaram do bate-papo 224 pessoas.
Veja trechos da entrevista História do filme
"Antônia" é a história de um grupo de meninas que mora na Vila Brasilândia (Zona Norte de São Paulo), e que tem um sonho, que é viver de rap, viver de música, de arte. E o filme conta a história desse grupo. É um filme que eu fiz com rappers --não convoquei atores, eu convoquei os rappers mesmo pra eles se colocarem ali nos personagens. A Negra Li é uma das meninas que compõe o grupo, junto com a Leila Moreno, a Quelynah e a MC Cindy, que é uma grande descoberta, uma menina novinha, rainha do free-style, maravilhosa, que "diz na rima". É um chip à parte, esse de falar rimando, né? O Thaíde está no elenco também, num papel sensacional. Acho que o Thaíde se revelou pro cinema. É impressionante como não descobriram o Thaíde antes, porque ele é um ator nato. Tem também a Sandra de Sá, que faz o papel da Preta (Negra Li), e o Thobias da Vai-Vai, que fazel o papel do pai.
A verdade
"Antonia" é um filme que fala de jovens negros da periferia e músicos. Eu sou uma pessoa de meia-idade, classe média, branca e cineasta. Então, é um universo que eu desconheço, e eu busquei trazer a verdade dele, através das histórias que eu pesquisei durante um tempo. Escrevi o roteiro com o Roberto Moreira, depois passamos por um processo de improvisação com aquele roteiro, de tal maneira que os atores, os rappers, se apropriaram dele, fizeram sugestões, mudaram e fizeram todos os diálogos. Eu queria muito a verdade. Eu não queria que fosse uma coisa "empacotada", um filme empacotado por alguém de fora do movimento... Então, apesar de eu ser de fora, acho que a gente conseguiu essa verdade, essa urgência no filme.
Violência na periferia
Quando eu comecei a fazer essa pesquisa, através de um documentário que eu fiz com o Francisco César Filho, o "VinteDez" (2001), eu entrei em contato com a moçada do hip hop da periferia, eu descobri que eles estavam fartos de serem identificados com pobreza e violência. Porque a periferia, em especial o negro, ele é indentificado com a pobreza, tráfico, violência. Tempos atrás, eu tomei contato com um cartaz da campanha de vacinação do Oswaldo Cruz (de 1904), que era um desenho de um negro pobre e doente. E a frase da campanha associava a doença àquele negro pobre. Isso só pra você ver como é antiga essa identificação --e que não é "privilégio" do Brasil, mas que todo o Ocidente faz: negro com pobreza, miséria, banditismo, tráfico. E eu percebi que a coisa mais importante que eu poderia dizer, que representaria aquele universo, era uma imagem afirmativa. Porque na periferia há pessoas "normais", como em qualquer lugar, lá tem classe média baixa, as pessoas estão lá, estão vivendo... "Antonia" é um filme que se passa na periferia, feito com pessoas que vivem na periferia, e é um filme menos violento do que os outros que eu fiz. Não é que não haja violência (na periferia). É claro que existe. Mas eu percebo que existe um desejo de nós, da classe média, de falar da violência e circunscrevê-la à periferia. E isso é muito perverso.
O rap como alquimia
O rap é uma manifestação da periferia, uma manifestação artística que existe no mundo todo. Todo lugar onde existe uma grande cidade, há rap. E (nele) as experiências que as pessoas passam são cantadas. Então é uma espécie de alquimia de vivência, de transformação. É mais fácil produzir cinema hoje?
Eu acho que não é não. Todo filme eu recomeço do zero. Eu estava produzindo um documentário em 2001 e eu já estava escrevendo "Antonia" e só agora eu consegui finalizar o filme. Não é mais fácil não. "Antonia" fala sobre isso, porque as meninas querem viver de rap e eu vivo de cinema. Eu faço outras coisas sempre relacionada a minha área de cinema. Trabalhei por muito tempo em agência de publicidade, mas hoje em dia não trabalho mais. Me dedico mais ao cinema. O nome
O filme se chama "Antônia" porque é o nome do grupo de rap que há no filme. Mas antes mesmo de ter a história, eu já queria fazer um filme sobre adolescentes com esse nome porque em homenagem ao meu bisavô que se chamava Antônio. Ele era um contador de histórias, que tinha dificuldade de viver das suas histórias, aliás ele não viva disso, e é um tributo meu a ele. No filme, a explicação (para o nome do grupo) é que as quatro meninas, que se conhecem desde pequenas, elas tinham avós que se chamavam Antônio. Todo mundo tem um avô chamado Antônio, ou um tio, ou conhece alguém. Idéia da série
A idéia surgiu depois do primeiro corte quando a gente procurou a produtora O2, porque a gente achava que merecia levar aquele mundo para uma série de TV. Eles todos se encantaram e ofereceram ao grupo de Guel Arraes que se apaixonaram pelo projeto. Serão cinco semanas de apresentações da minissérie. É importante assistir o filme porque o seriado é como uma continuação do filme. Brasilândia Cheguei à Vila Brasilândia por causa do cinema. Por incrível que pareça, é um das regiões mais filmadas do cinema paulista. "Eles Não Usam Black Tie" foi filmado lá, "A Família Bras" do João Moreira Sales foi filmado lá, "O Invasor" do Beto Brant foi filmado lá. Uma das razões que eu imagino, que pra mim foi a mais importante, é que é um bairro muito cinematográfico. A Brasilândia é quase um estádio de futebol, uma cratera de vulcão, que fica a noroeste da cidade, depois do Tietê. De lá, que é muito alto, na beirada da Cantareira, dá pra ver a cidade ao longe. De lá, a gente tem uma visão muito privilegiada de São Paulo. Eu filmava na laje, cenas cotidianas, e dá pra ver ao longe a torre da Paulista. É muito cinematográfico.
Algumas pessoas que participaram do filme vieram para a Mostra. Eu acho que é um filme deles. Fomos muito bem recebidos pela comunidade e os figurantes eram todos de lá. Vamos levar uma estrutura para eles assistirem ao filme lá no bairro. O projeto Cine Tela Brasil irá levar para a Vila Brasilândia o filme "Antônia" e outros filmes feitos no bairro, que serão exibidos numa tenda. Processo de filmagem
"Antonia" é um filme que a gente trabalhou muito com a improvisação: que quer dizer que nós criávamos cenas e eu acabava reescrevendo todas as cenas. Eu gravei tudo em vídeo e depois a gente editou e analisou tudo. Um trabalho de reescritura constante. As cenas eram maiores do que as habituais. A Montagem do "Antonia" foi muito especial. Elenco
Chamei a Patrícia Faria, que tinha trabalhado no filme Carandiru,ela foi atrás de 600 meninas. Eu já tinha um perfil de todas as pessoas que eu precisava. Ela gravava com todas essas pessoas e aí eu ia selecionando junto com o Sérgio Senna. Depois fiz um workshoop com todos e no total foram 6 meses para finalizar o elenco."Antônia" é um grupo formado para o filme. Uma coisa eu tinha certeza que o rap possui a idéia de transformação. Já tinha esse recorte. Era isso que eu queira mostrar. Foi um elenco perfeito. Negra Li
Conheci a Negra Li na verdade muito por causa da minha pesquisa. Na verdade, a história da Negra Li, tem muito haver com a história de "Antonia". Mostra de Cinema
É a primeira vez que eu participo da Mostra e acho que é muito importante pra mim. A recepção foi incrível. As pessoas aplaudiram de pé. O elenco estava lá e foi incrível. Vi principalmente os filmes brasileiros: "Cheiro do Ralo", "Céu de Suely", "O Dia em que Meus Pais saíram de Férias" entre outros. Orçamento O orçamento não chega a R$ 3 milhões. Foi muito legal trabalhar com a O2.. Tive condições de trabalho muito boas. Acabei o filme e comecei a trabalhar na série que foi muito bom. "Antonia" é um filme de baixo orçamento. O cinema é muito caro e dura muito o processo. Tem muitos processos de gravação,tecnologia e muitas coisas importandas que são caras. Filmografia própria
"Antônia" é o meu terceiro longa, fiz quatro curtas metragens em película e muitos vídeos. Os meus filmes de que eu mais gosto são: "Poema da Cidade", "Viver a Vida", "Um Céu de Estrelas" e "Antônia". Meus favoritos de outros diretores são: "Acossado", dirigido por Jean-Luc Godard, "O Gosto da Cereja" do Kiarostami, "Caçadores da Arca Perdida 1", "Rio 40 Graus", "O Invasor", do Beto Brant, "Dois Córregos"... nossa são tantos filmes brasileiros maravilhosos! | |