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Saiba o que é verdade e o que é ficção no premiado filme "Argo"

Ben Affleck em cena de "Argo", filme que aborda a Revolução Islâmica no Irã - Divulgação
Ben Affleck em cena de "Argo", filme que aborda a Revolução Islâmica no Irã Imagem: Divulgação

14/01/2013 11h25

O filme "Argo", de Ben Affleck, conta a bizarra história de como, em 1980, a CIA - com ajuda do Canadá - retirou um grupo de americanos do Irã depois de a Embaixada dos EUA ter sido invadida por manifestantes.

Produzido pelos atores George Clooney e Grant Heslov, indicado ao Oscar, incluindo o de melhor filme, e também premiado com dois Globo de Ouro no domingo - de melhor drama e melhor direção - o filme é baseado em fatos reais. Mas quanto do que se vê na tela grande corresponde aos fatos - e quanto é ficção?

Quando Mark Lijek foi enviado a Teerã em sua primeira missão no serviço diplomático dos EUA, ele sabia que não estava optando por uma vida fácil.

"Fui voluntário em outubro de 1978 e as coisas no Irã já estavam muito ruins", contou ele à BBC.

"Houve manifestações violentas nas ruas e não era de todo certo se o xá poderia resistir. Então, em janeiro, ele abdicou e deixou o país."

Mark, interpretado no filme por Christopher Denham, fez um curso de seis meses de persa antes de chegar no Irã, no verão de 1979, acompanhado por sua esposa. Cora Lijek não era funcionária do Departamento de Estado, mas acabou ganhando um contrato porque a embaixada precisava urgentemente de pessoas que falassem persa.

O casal não poderia ter imaginado a rapidez com que se encontraria em circunstâncias extraordinárias.

A Embaixada dos EUA em Teerã ocupava uma área de 10,5 hectares cercados por mais de um quilômetro de muro, com apenas 13 fuzileiros navais para protegê-la. Não muito tempo antes da chegada de Mark, o local já havia sido invadido por manifestantes antiamericanos, que haviam saído algumas horas depois.

Então, quando manifestantes novamente entraram, em 4 de novembro de 1979, Mark inicialmente imaginou que a mesma coisa fosse acontecer - que os invasores fossem se retirar depois de algumas horas.

'Difícil de assistir'
"O protesto ocorreu principalmente porque a América tinha admitido o xá para tratamento médico. O edifício consular, onde Cora e eu trabalhávamos, estava a pelo menos cinco minutos do edifício principal da embaixada e tinha sua própria porta para a rua.

"As pessoas que invadiram (o local) inicialmente esqueceram da gente ou não se importaram muito."

Mark Lijek, agora aposentado, diz ter ficado impressionado com a forma com que Ben Affleck encena a tomada da embaixada dos EUA em Argo, uma sequência filmada parcialmente em Istambul e parte em locações na Califórnia.

"Foi praticamente a primeira vez que eu pensei profundamente sobre o que deve ter sido aquilo para os cerca de 50 norte-americanos no edifício principal", disse ele à BBC. "Essas cenas foram muito difíceis de assistir."

Mas é após a fuga de seis americanos da embaixada que Argo torna-se uma aula sobre como converter a realidade em um sucesso de Hollywood.

No roteiro, os fugitivos - Mark e Cora Lijek, Bob Anders, Lee Schatz e Joe e Kathy Stafford - se veem obrigados a se instalar na residência do então embaixador do Canadá, Ken Taylor.

Na realidade, depois de várias noites - incluindo uma passada no complexo residencial da Embaixada do Reino Unido - o grupo foi dividido entre a casa de Taylor e a de outro funcionário da Embaixada canadense, John Sheardown.

Mark Lijek diz entender por que o filme faz a troca. "Essa dinâmica de grupo ajuda a construir a tensão, eu acho, faz parecer mais dramático quando há discordância."


'Livros e palavras cruzadas'
"No entanto, não é verdade que nunca podíamos sair. A casa de John Sheardown tinha um pátio interior com jardim no qual podíamos caminhar livremente."

"Mas é verdade que tínhamos pouco a fazer a não ser ler livros e jogar palavras cruzadas. Bebemos bastante também."

O roteiro produz uma escalada de tensão quando uma empregada doméstica iraniana começa a desconfiar da verdadeira identidade dos hóspedes do embaixador canadense. "Kathy Stafford, que estava na casa do embaixador, chama a empregada (no filme) de 'personagem composto' (quando dois ou mais personagens reais são recombinados e formam apenas um, no roteiro adaptado)", continua Lijek.

"Eu acho que alguns funcionários iranianos provavelmente imaginaram quem os Staffords eram, mas era uma suposição altamente teórica."

O elemento central da trama, apesar de parecer implausível, é de fato verdadeiro. A CIA preparava um plano espetacular para retirar os seis americanos do país em um voo comercial partindo do aeroporto Mehrabad, em Teerã, para o qual o grupo chegaria disfarçado como equipe de um filme.

Mark Lijek recorda que, do grupo, ele era o mais entusiasmado inicialmente. "Eu achei que o plano tinha a quantidade certa de exagero. Quem, além de cineastas, seria louco o suficiente para estar em Teerã em meio a uma revolução? Eu não tive nenhum problema em fingir ser da indústria do cinema."

A verdade - que Argo consegue borrar de forma bastante artística - é que o disfarce jamais foi testado e se provou, em alguns aspectos, irrelevante para a fuga.

Há uma sequência do filme em que os seis vão a uma locação em Teerã para criar a impressão de que eles são pessoas de cinema. De acordo com Mark, a cena é total ficção.

"Nós nunca poderíamos ter feito isso. A verdade é que o embaixador canadense havia desencorajado fortemente qualquer ida a potenciais locações (de um filme) por causa de instabilidade nas ruas."

"Se fosse solicitado, deveríamos dizer que estávamos deixando o Irã para voltar quando fosse mais seguro. Mas ninguém nunca perguntou!"

Em retrospecto, Mark Lijek acha que a CIA criou a identidade de "grupo de cinema" como forma de dar aos fugitivos a confiança para superar
eventuais interrogatórios no aeroporto.

As cenas finais de Argo são incrivelmente tensas, com o seis chegando ao avião depois de um périplo. A CIA tinha dado a eles documentos falsos para os quais, obviamente, não havia registros cabíveis de entrada no país.

O grande clímax é uma perseguição na pista por membros da Guarda Revolucionária com arma em punho para tentar impedi-los de decolar.

'Maior vulnerabilidade'
"Absolutamente nada disso aconteceu", diz Mark.

"É verdade que poderia ter havido problemas com a documentação - que era a nossa maior vulnerabilidade."

"Mas a CIA tinha feito seu dever de casa e sabia que as autoridades iranianas de fronteira habitualmente não fazem qualquer tentativa de checar documentos (verificando a entrada e a saída).

"Felizmente para nós, havia poucos homens da Guarda Revolucionária. É por isso que marcaram um voo às 05h30 da manhã, porque eles não eram zelosos o suficiente para estar lá tão cedo."

"A verdade é que os oficiais de imigração mal olharam para a gente. Tomamos um voo para Zurique e, em seguida, fomos levados para a residência do embaixador dos EUA em Berna. Foi simples assim."

Os seis deveriam viver na Flórida com nomes falsos até o resgate do pessoal da embaixada e outros reféns em Teerã, o que ocorreu em janeiro de 1981. Mas o plano foi abandonado quando apareceram, nos jornais, relatos sobre a fuga.

Em 1981, um filme para a TV chamado Escape from Iran: The Canadian Caper (A fuga do Irã: A manobra canadense em tradução livre) contou a história deixando de fora o envolvimento da CIA. A agência não admitiu o seu papel nos eventos até 1997.

Mark diz que foi um alívio quando ele finalmente pôde falar abertamente sobre os eventos no Irã. Ele é um fã de Argo e tem uma visão irônica de como se divertiu com o verniz dado à verdade em nome do efeito dramático.

Claro, Mark está acostumado aos efeitos da criatividade dos cineastas. Na década de 1980, ele mesmo chegou a aparecer em alguns filmes.