"Estou sempre desistindo", diz Selton Mello ao se comparar com personagem em crise do filme "O Palhaço"
Depois de estrear no Festival de Paulínia em julho, com sessões esgotadas, e levar quatro prêmios (direção, ator coadjuvante para Moacyr Franco, roteiro e figurino), “O Palhaço”, segundo longa de Selton Mello como diretor, chega a São Paulo nesta segunda-feira (24), com pré-estreia na Mostra Internacional de Cinema.
Selton também assina o roteiro do filme, junto com Marcelo Vindicatto, repetindo a parceria de “Feliz Natal” (2008), primeira experiência do ator na direção de longas-metragens.
Em “O Palhaço”, além de dirigir, Selton também interpreta o papel do protagonista, Benjamim, um palhaço de circo que se sente deprimido e começa a questionar se aquela é sua verdadeira vocação.
“Costumam me perguntar se eu passei por uma crise. Na verdade, eu trabalho desde os oito anos de idade –tenho 38, são 30 anos fazendo isso – e eu digo que essa crise eu tenho há 30 anos. Há 30 anos eu acho que eu deveria desistir e há 30 anos eu descubro algo lindo, que me põe pra frente. Eu estou sempre desistindo, não tem a ver com momento em que veio esse filme”, disse Selton durante a coletiva de imprensa do filme.
O ator Paulo José participa da coletiva de imprensa do filme "O Palhaço", de Selton Mello
Uma parte do encanto de “O Palhaço” está na química entre Selton e Paulo José, que interpreta o pai de seu personagem, também palhaço e dono do circo. Os dois são vizinhos no Alto da Gávea, no Rio, e se conhecem desde 1991, quando Selton participou de uma montagem de “Romeu e Julieta” no Tablado, ao lado da filha de Paulo, Ana Kutner, mas nunca tinham trabalhado juntos.
“Tenho muita admiração pelo Selton. Acho o mais talentoso da geração dele. Opera em todas as pontas. Escreve, tem argumento, tem roteiro, tem produção, direção, atua e ainda monta o filme”, elogiou Paulo.
“O Selton finge ser bonzinho, mas tem por dentro um bicho. Ele não é obsessivo, mas é teimoso, determinado. Diretor não tem que ser bonzinho. Diretor bonzinho é uma porcaria. Tem o dever, a obrigação, de ser duro. O Selton é intransigente. Tem que ser”, contou o ator, ao ser questionado sobre como é ser dirigido por Selton.
Selton volta ao ar em novembro com a série “A Mulher Invisível”, da Globo, em que também assina a direção de alguns episódios, mas ainda não tem novos projetos para o cinema. “Como diretor, tem que ser algo que eu queira muito dizer, porque vai demorar três anos – ou mais – entre a ideia e a realização. Foi assim no ‘Feliz Natal’ e foi assim nesse. Então, eu estou esperando esse insight”, diz.
Em entrevista ao UOL Cinema após a coletiva, Selton falou sobre o processo de realização de “O Palhaço” e comentou o que o move como cineasta. “O Palhaço” estreia no circuito comercial nesta sexta-feira (28).
UOL - Como surgiu a ideia para “O Palhaço”?
Selton Mello - Vontade de falar da nossa vocação, do que a gente escolhe para fazer na vida. E o tempo todo a gente está colocando em xeque essa escolha. Vontade de falar disso, de destino, da nossa estrada. Veio daí o desejo de construir esse filme.
UOL - Era um desejo de mostrar esse questionamento a partir do ponto de vista do artista?
Selton - Do artista, como princípio, porque é mais genuíno – quando eu falo de um artista, eu falo de uma maneira mais genuína, porque eu sou um – mas o dilema é universal. Poderia ser um filme passado numa redação de um jornal, que conta a história de um jornalista jovem, filho de um grande editor chefe, e ele está achando que não está fazendo aquilo bem. Seria o mesmo filme, em outro ambiente. A figura do palhaço me pareceu a mais lírica. Achei que era a possibilidade do filme ficar mais rico cinematograficamente.
UOL - O filme tem muitas referências pessoais – tem seu irmão, Danton, que faz uma participação, tem a sua cidade, Passos. É uma história pessoal?
Selton - É um dilema muito pessoal. Não é um filme autobiográfico, mas é um dilema que me toca. E é exatamente por isso que toca as pessoas também. Porque quando você faz algo com verdade, essa verdade chega às pessoas. Eu sei do que eu estou falando ali. Acho que é por isso que chega tão claramente assim nas pessoas.
UOL - Você ofereceu o papel do Bejamim ao Wagner Moura e ao Rodrigo Santoro antes de decidir assumi-lo. Por que não quis fazê-lo logo de saída?
Selton - Por um momento eu achei que eu deveria passar essa bola para a frente, que eu deveria cuidar só da direção. Mas quando eles recusaram, não puderam fazer, eu falei “Então eu vou fazer. Eu escrevi esse roteiro junto com o Marcelo Vindicatto, eu sei o que eu quero desse personagem, eu sei como eu quero que ele se comporte. Vai ser até mais fácil eu fazer”. E foi realmente. Eu sabia qual era o tom desse personagem. Então, eu botava a roupa e fazia. Eu estava ligado mesmo na direção. Fazer o Benjamim era fácil. Claro que a parte do palhaço, do Pangaré, exigiu ensaio para descobrir aquelas gags físicas. Aquilo foi uma pesquisa com o palhaço Cochicho [do circo Beto Carreiro], que foi quem nos treinou, quem nos ensinou. Mas o Benjamim, que é a maior parte do filme, eu sabia exatamente como eu queria que ele se comportasse. Foi simples.
UOL - Você e o Paulo José se conhecem há muito tempo. Já tinham trabalhado juntos antes? Como foi trabalhar com ele?
Selton - Não. É a primeira vez que trabalhamos juntos. Foi lindo. Ele é um dos maiores atores brasileiros, um cara adorável de se lidar. Trabalhar com o Paulo foi ótimo. Ele foi muito generoso com os outros atores, sem ser professoral.
UOL - Pesou para você o fato de dirigir um ator tão experiente?
Selton - No começo sim. Eu me senti um pouco intimidado de dirigir o Paulo. Depois, essa barreira vai se quebrando e tudo vai ficando bacana.
TRAILER DE "O PALHAÇO"
UOL - Como ator, você já fez filmes mais populares, como “A Mulher Invisível” (2009) e também mais difíceis, como “O Cheiro do Ralo” (2007). O que te interessa fazer como diretor?
Selton - Eu vou dizer o que eu queria fazer com “O Palhaço”. Eu tinha um interesse muito grande em fazer uma coisa que eu não vejo as pessoas fazendo – um caminho do meio. Eu acho que ele é um filme popular, de claro entendimento, que todo mundo ri, se emociona, mas cheio de camadas sensíveis de entendimento. E é refinado cinematograficamente e na carpintaria do roteiro também. É um filme que não é explicativo, você não fica explicando o tempo todo o que está acontecendo. Nada é explicativo, mas tudo é entendido. Então, é um filme claro, mas refinado também. Meu sonho era um caminho do meio, um filme que fosse visto por muita gente, mas sem perder esse refinamento estético.
UOL - É esse o tipo de filme que você pretende continuar fazendo?
Selton - Eu acho que sim. Vamos ver como ele se comporta. Já está indo muito bem. O público adora, as reações são lindíssimas, tenho recebido um retorno muito bonito. Mas vamos ver que próximo assunto é esse de que eu vou falar e como ele vai se configurar.
UOL - Quais diretores inspiram e influenciam seu trabalho?
Selton - Eu adoro Kubrick, mas acho que não tem nada de Kubrick nesse filme. Adoro Chaplin, Scorsese. E diretores com quem eu trabalhei e que foram muito importantes na minha formação são o Guel Arraes e o Luiz Fernando Carvalho. São dois diretores que me dirigiram, com quem eu aprendi muito. Eles fazem parte de uma forma muito importante da minha formação como diretor.
UOL - Você sentiu alguma diferença entre dirigir “Feliz Natal” e “O Palhaço”?
Selton - Eu me senti mais livre, mais seguro, mais tranquilo para fazer. Porque o primeiro tem essa coisa “preciso fazer um filme”. O segundo já vem mais tranquilo.
UOL - Você divide a direção da série “A Mulher Invisível”. É muito diferente o trabalho de direção no cinema e na TV?
Selton - É. A grande diferença é o tempo. É mais rápido na TV. Exige um exercício mental maior para resolver as coisas de uma maneira mais rápida.
O PALHAÇO
Seg. (24), às 19h50, no Cine Livraria Cultura 1 (Conjunto Nacional - av. Paulista, 2073, Cerqueira César, tel. 0/xx/11/3285-3696)
Qua. (26), às 18h40, no Frei Caneca Unibanco Arteplex 1 (shopping Frei Caneca - r. Frei Caneca, 569, 3ºpiso, tel. 0/xx/11/3472-2362)
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