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Novo "Batman" é um produto bonito, com soluções desajeitadas e resultado satisfatório

Batman anda de "batpod" em cena de "Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge" - Divulgação
Batman anda de "batpod" em cena de "Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge" Imagem: Divulgação

Roberto Sadovski

Do UOL, em São Paulo

27/07/2012 14h18Atualizada em 27/07/2012 14h18

Christopher Nolan tem pressa. E não está se falando aqui de uma urgência elegante, de um senso de perigo, da atmosfera que permeou suas duas primeiras incursões a Gotham City. "Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge", conclusão da trilogia iniciada em 2005 com "Batman Begins" e aperfeiçoada com toques de gênio três anos depois em "Batman – O Cavaleiro das Trevas", que começou a ser exibido em 903 salas de cinema (897 salas convencionais e seis IMAX) no Brasil nesta sexta-feira (27), surge aos atropelos, com uma dúzia de linhas narrativas e soluções desajeitadas que ameaçam tirar o brilho da derradeira aventura do Homem-Morcego nas mãos do diretor. Graças a uma produção tecnicamente brilhante e de bolsões de criatividade espalhados pela trama, "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" deve satisfazer as expectativas de uma legião de bat-fãs em todo o mundo. Mas, para o padrão que o próprio Nolan criou, “satisfatório” é pouco. Muito pouco.

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A premissa traz um questionamento interessante, que os fãs dos gibis vão ecoar em obras como "Batman: O Cavaleiro das Trevas" (de Frank
Miller) e a famigerada "Queda do Morcego", além do clima de abandono e desolação de Gotham percebido na saga "Terra de Ninguém". Oito anos se passaram desde que Harvey Dent (Aaron Eckhart), o Duas Caras, perdeu a sanidade com a morte brutal de Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal) – também o único amor de Bruce Wayne (Christian Bale). Desde que o Batman fez um pacto com o Comissário Gordon (Gary Oldman) para assumir os crimes de Dent, o vigilante desapareceu da cidade, que endureceu as leis contra os criminosos e vive uma aparente prosperidade. Num exílio auto imposto na mansão Wayne, Bruce é uma sombra do homem que já foi. E a vida continua.

Mas o mal espreita Gotham na figura do terrorista Bane (Tom Hardy), que a princípio se une a um bilionário disposto a quebrar as Indústrias Wayne e tomar o controle da metrópole, mas logo se mostra arquiteto de um plano mais ameaçador e brutal: tirar Wayne de seu exílio e quebrar o Homem-Morcego fisicamente, depois psicologicamente, antes de destruir completamente Gotham City. Nesse meio tempo, Bane surge como um “homem do povo”, isolando a cidade do resto do mundo, instalando anarquia e, num eco nada sutil do movimento Ocupe Wall Street, prometendo “tirar dos ricos e dar aos necessitados”. É preciso que o Batman ressurja, salve sua cidade e enconte a redenção.

A trama, se fosse enxuta, sugeriria uma conclusão digna à trilogia, passando por temas como medo no primeiro filme e caos no segundo, chegando à guerra e ao mais puro mal no terceiro. Mas Nolan, ao lado dos roteiristas Jonathan Nolan e David Goyer, tenta espremer tanto subtexto em "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" que o momento-chave perde peso, personagens surgem e nunca mostram seu propósito e a própria essência do Batman, tão valiosa e preservada em dois filmes, perde-se em decisões equivocadas.

Como a relação entre Bruce e Alfred (Michael Caine), estremecida com a imprudência do bilionário como herói que é interrompida de maneira abrupta ancorada em um diálogo constrangedor e mal filmado. Selina Kyle (Anne Hathaway), a Mulher-Gato –-que nunca é chamada assim no filme-– é colocada como um suposto interesse romântico que nunca dispara nenhuma química, e a personagem termina entrando e saindo do filme sem a menor utilidade. Pior ainda: ela contribui para uma conclusão completamente sem sentido do filme. O próprio Bane, que surge como um vilão fisicamente superior ao Batman e uma ameaça considerável, tem seu peso diluído ao longo das quase três horas de projeção, e sua natureza, guardadas as devidas proporções, termina semelhante à de outra encarnação do vilão –-o brutamontes mostrado em Batman & Robin, de 1997. A aventura ainda traz um roteiro truncado e que só faz sentido por causa do barulho que o cerca, mas que não resiste a uma inspeção mais atenta –-basta dizer que, entre outras coisas, geografia e anatomia são conceitos inexistentes no filme.

TRAILER DE "BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE"

O grande triunfo de "O Cavaleiro das Trevas Ressurge", portanto, surge na atmosfera realista da qual Nolan nunca abriu mão. Depois que "Os Vingadores" provou ser possível um filme de super-heróis ser ao mesmo tempo elegante e divertido, o temor era que o realismo excessivo da trilogia do "Cavaleiro das Trevas" soasse como uma paródia. A mão firme do diretor segurou a onda, e criações dos gibis como o "Poço de Lázaro" ganham uma tradução bacana. O veículo voador usado pelo herói, o Morcego, também surge como o gadget perfeito, e em nenhum momento quebra o véu realista proposto pelo filme, nunca ele cai na fantasia pura.

O elenco continua sendo o ponto alto da série, com Bale e Caine e seu afiado relacionamento paternal (isso nenhum diálogo canhestro estraga), Oldman conferindo a alma ao filme e Morgan Freeman perfeito como Lucius Fox, o “Q” do Batman. A melhor surpresa, no entanto, é Joseph Gordon Levitt como o policial John Blake. Um farol de caráter na ainda corrupta e perdida Gotham, é ele quem tem um arco mais completo, que experimenta a transformação mais convincente, quem nos dá um espelho de humanidade dentro do filme.

Nolan só deixa a peteca cair de verdade na conclusão de sua ópera super-heroística. Misturando os twists de M. Night Shyamalan com o encerramento infinito de "O Retorno do Rei", "Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge" não consegue atingir um ápice emocional com as soluções para todas as linhas narrativas apresentadas não só neste filme, como também em "Batman Begins" e em "O Cavaleiro das Trevas". É muita coisa para ser resolvida em um filme só, e embora o adeus aqui seja definitivo, a impressão é que Nolan deixou sua paixão nas duas primeiras partes da trilogia, concluindo a história com eficiência mas nenhuma paixão –-como se cumprisse tabela com o estúdio que lhe deu "A Origem", e com o qual ele pretende manter um longo e satisfatório casamento. Como se quisesse tirar logo o herói das mãos. Em um ano de tantas decepções no cinemão hollywoodiano ("Prometheus", "Sombras da Noite", "Valente"), "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" entrega um produto bonito, bem acabado e, não poucas vezes, empolgante. Mas é pouco para o que se espera de um cineasta da estatura de Christopher Nolan.