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"Brasil deve ter cuidado com fundamentalismo", diz bisneto de Darwin e diretor de "A Tentação"

O diretor de "A Tentação", Matthew Chapman, após sessão do filme em Nova York em 2011 - Divulgação
O diretor de "A Tentação", Matthew Chapman, após sessão do filme em Nova York em 2011 Imagem: Divulgação

Guilherme Solari

Do UOL, em São Paulo

08/08/2012 11h59

Bisneto de Charles Darwin, pai da teoria da evolução, o cineasta Matthew Chapman é diretor do suspense "A Tentação", que entra em cartaz nesta sexta (10) nos cinemas brasileiros.

Chapman também assina livros sobre a batalha entre fé e a razão, o que explica a trama do filme:  um triângulo amoroso de consequencias trágicas entre o ateu Gavin (Charlie Hunnan), Shana (Liv Tyler) e seu marido religioso Joe (Patrick Wilson).

Construído em diferentes camadas, “A Tentação” entretém como filme de gênero ao mesmo tempo que coloca em discussão a religiosidade. Chapman conversou com o UOL por telefone sobre seu filme, os perigos do fundamentalismo religioso e o Brasil.

UOL – “A Tentação” consegue se sustentar como entretenimento, mas ao mesmo tempo aborda temas mais profundos de religiosidade...

Matthew Chapman – Obrigado, você não poderia ter feito um elogio melhor. Era isso mesmo que eu queria.

UOL – Como você fez para combinar entretenimento com uma discussão entre razão e fé?

Eu escrevi alguns thrillers para Hollywood, portanto eu conheço a forma. E se você pensar havia uma época em que os thrillers tinham mais substância. Como “Todos os Homens do Presidente”, sobre o caso Watergate. E eu achei que estava na hora de fazer um thriller sobre os dois lados opostos da fé americana. Um que é secular, sofisticado e educado e outro que é bíblico, homofóbico, subjuga as mulheres e acredita que o universo só tem 10 mil anos de idade. E tem muita gente que acredita nisso nos EUA.

UOL – Parece que mais de 100 anos após as teorias sobre evolução de Charles Darwin serem apresentadas elas enfrentam as mesmas resistências em alguns grupos.

Chapman – Sim. Eu escrevi um livro chamado “Trials of the Monkey” sobre uma viagem que eu fiz até uma cidade no sul dos EUA onde houve um julgamento famoso chamado o julgamento de Scopes. Foi um julgamento em que um distrito escolar no Tennessee em 1925 tentou banir o ensino de evolução. Escrevi um livro sobre isso e houve outro julgamento na Pensilvânia há 6 anos sobre exatamente a mesma coisa.

UOL – “A Tentação” enfrenta o tema de Dostoiévski de que se Deus não existe, tudo é permitido. No filme você mostra um protagonista que apesar de ser ateu faz escolhas morais e sacrifícios pelo que acredita.

Chapman – Se a única coisa que está impedindo você de matar uma criança é porque Deus mandou você não fazer isso, você é maluco. É óbvio que você não deve matar uma criança, você não precisa de que alguém te diga isso. Você pode ver sofrimento e reagir a ele. Se você analisar sociedades com menos envolvimento religioso, como Suécia e Escandinávia, os países tratam seus cidadãos melhor do que países como Irã, Iraque, Paquistão e Afeganistão. Que fazem coisas atrozes às pessoas, a mulheres, crianças, artistas e homossexuais.

UOL – Mas você acredita que o problema é a religião em si ou o fundamentalismo religioso?

Chapman – Eu admito que no fundo eu acho que é a religião em si. Mas obviamente há tipos diferentes de religião que tem efeitos melhores ou piores nas pessoas. Há um autor chamado Sam Harris, que escreveu um livro chamado “O Fim da Fé”. Ele é ateu e diz que o ateísmo é apenas esclarecer as coisas para que você possa ter conversas melhores. Em outras palavras, há problemas reais como pobreza, maldade humana, crueldade, além de problemas planetários, como aquecimento global. Existem problemas reais. E você não pode achar soluções para eles se você ainda está falando sobre visões que começaram há 2 mil anos. Que a Terra é plana, homossexualidade é um pecado, mulheres adúlteras devem ser apedrejadas, isso é tudo tão primitivo que impede nosso avanço.

E o motivo que me dá muita vontade de falar sobre “A Tentação” para Brasil, afinal eu conheço o país muito bem, é que vocês tem um crescimento muito grande de fundamentalistas cristãos e evangélicos e eu acho que isso é algo que é preciso tomar cuidado, para que eles não ganhem muito poder.

UOL – Você acha que o Brasil pode ter problemas semelhantes aos dos EUA com fundamentalismo?

Chapman – Eu tenho certeza que vocês terão esses problemas. Vocês já tiveram no Rio de Janeiro, quando a governadora evangélica [Rosinha Matheus] quis ensinar criacionismo. Eu tenho muitas conexões com o Brasil e me parece um país que promete tanto neste momento. E está à frente dos EUA em muitas maneiras diferentes, na forma de pensar. Seria uma pena permitir que o fundamentalismo cause um retrocesso. Seria muito triste.

UOL – O protagonista Gavin é ateu, mas diz a uma funcionária que um parente dela que acabou de morrer vai ao céu. Isso não é contraditório?

Chapman - Eu escrevi esse personagem para se comportar como eu me comportaria se estivesse no lugar dele. E eu acho que você deve ser bom com as pessoas. É algo fundamental. E se alguém acredita em algo em um momento de crise, você não tira vantagem de seu sofrimento para provar algo. Pessoas religiosas muitas vezes tiram essa vantagem, de tentar te converter em um momento de tristeza. Eu lembro quando minha mãe morreu o padre local veio e perguntou se eu estava rezando se eu acreditava que ela tinha ido ao paraíso. Foi uma exploração muito explícita de um momento triste. E eu não acho que isso é algo que deve ser feito.

UOL – O filme tem excelentes atuações, em particular Patrick Wilson no papel de Joe. O que você fez como diretor para ajudar nas atuações de “A Tentação”?

Chapman - Eu pedi para o Patrick ler muito a Bíblia. Eu falei para ele de pessoas que eu conheci, o personagem dele é baseado principalmente em uma pessoa que eu conheci no Tennessee. Eu quis que ele chegasse em um nível que ele olhasse para alguém e dissesse ‘ao menos que você faça o que eu faço você vai queimar no inferno para sempre’. E para chegar a esse ponto e sentir isso de forma tão forte é muito difícil. Eu ajudei, mas ele é um ator brilhante.

UOL – Qual você espera que seja o impacto do filme nas plateias brasileiras?

Chapman - Antes de tudo, eu gostaria que as pessoas o vissem como um thriller e o apreciassem nesse nível, como entretenimento. E depois elas podem pensar ‘nossa, que discussão interessante’. Que as pessoas discutam essas questões. Nos EUA muitas pessoas vieram até mim depois de assistirem e disseram que conheciam alguém como o Joe. Muitas mulheres falaram que se encorajaram muito com o personagem da Liv Tyler porque viveram com um homem como o Joe e disseram que era muito difícil escapar. Eu espero que cause discussão sobre esses temas e que as pessoas se divirtam também.