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Uruguaio "La Vida Útil" debate papel do cinema e oferece dicas para leigos e iniciados

Cena do filme uruguaio "La Vida Útil", de Federico Veiroj, que estreia somente em São Paulo - Divulgação / Vitrine Filmes
Cena do filme uruguaio "La Vida Útil", de Federico Veiroj, que estreia somente em São Paulo Imagem: Divulgação / Vitrine Filmes

Mário Barra

Do UOL, em São Paulo

28/09/2012 03h18

Poucas pessoas se arriscam a dizer qual o papel real do cinema, mas o filme uruguaio "La VIda Útil", que estreia somente em uma sala de São Paulo nesta sexta-feira (28), oferece pistas a leigos e algo a mais para pensar aos iniciados.

ETERNO APAIXONADO POR CINEMA

  • Divulgação

    O personagem Jorge se vê perdido durante "La Vida Útil" com o triste destino da cinemateca onde trabalha há 25 anos em Montevidéu, no Uruguai

Seja para notar com olho atento as técnicas empregadas no casamento entre som e imagem, simplesmente contar uma história ou servir de pretexto para convidar uma garota para sair, o cinema é celebrado nesta película de 35 milímetros e 67 minutos, dirigida por Federico Veiroj.

Quem testemunhar o filme "metalinguístico" irá encontrar o cotidiano de Jorge, um funcionário dedicado há 25 anos a uma cinemateca em Montevidéu. O espaço ameaça ser fechado por conta de oito meses de atraso no aluguel, despesas com direitos de exibição de filmes e a diminuição do patrocínio cedido por uma fundação.

Jorge ainda tenta lutar pela sobrevivência do único universo que realmente conhece na vida. Apesar da apatia do chefe Martínez, diretor da cinemateca e um cinéfilo desapegado da crítica realidade financeira do local, Jorge tenta convidar diretores e até mesmo iniciar uma campanha de donativos para salvar o lugar.

Toda a ação se situa em 2003, cem anos após o nascimento do cineasta português Manoel de Oliveira, um sinônimo de diretor independente na descrição de Jorge, e uma das figuras cultuadas no longa.

Mas a atmosfera é a de um filme antigo, sem cores e com trilha sonora empregada em momentos especiais do filme. Já a atuação muitas vezes lembra um documentário, como no caso da cena de uma reunião da diretoria da cinemateca, que traz os atores fazendo poucas caras e bocas (veja trailer abaixo). Mas para quem achar que "La Vida Útil" imita a realidade, há um aviso logo no início: a película não é sobre a Cinemateca de Montevidéu.

Como curtir cinema?
O russo Sergei Eisenstein também é lembrado durante uma explicação do diretor Martínez sobre o que é importante no cinema, transmitida aos ouvintes do programa de rádio apresentado por Jorge. Ao comentar como som e imagem se combinam no clássico "Alexandre Nevski" (1938), o diretor da cinemateca oferece uma pequena palestra sobre detalhes que passam despercebidos quando se assiste apenas uma vez a um filme.

Martínez critica a "erudição" daqueles que apenas sabem citar nomes de diretores e filmes -- como os "chatos" que preferem falar o nome da película na língua original, mesmo que ela seja da Tailândia e a pronúncia esteja toda errada. Mesmo avesso aos decoradores de plantão, o diretor encarna o clássico defensor da apreciação do "bom cinema", repetindo a velha frase sobre como é preciso assistir diversas vezes a "Cidadão Kane" (1941), de Orson Welles, para entender a estrutura inteira do filme.

VEJA TRAILER LEGENDADO DE "LA VIDA ÚTIL"

Jorge parece não prestar atenção durante alguns momentos da extensa fala do chefe, ainda que também defenda filmes e espectadores de qualidade. O funcionário apenas parece ser menos rígido quanto às exigências para receber a medalhinha de apreciador nato -- na verdade, sua mente está mais preocupada com as contas a pagar.

A parte boa de "La Vida Útil" é não sugerir que exista uma opção correta entre as duas posturas: o cinéfilo estusiasta da grande arte e o homem sem paciência para ver o mesmo longa de novo. Mesmo que seja difícil imaginar um admirador de "Os Mercenários 2" (2012) e "Ensaio de Orquestra" (1978), do italiano Federico Fellini, talvez não exista argumento que impeça essa pessoa de existir.

O próprio Jorge parece chegar a mesma conclusão, após se ver perdido pelo destino da cinemateca que tanto ama. Mergulhado entre a tristeza e a raiva, o protagonista desvenda aos poucos mais de uma utilidade para o cinema e a arte de interpretar.

Se o objetivo de Veiroj foi o de incentivar o debate, cinéfilos ou somente curiosos poderão visitar o Reserva Cultural, em São Paulo, para ver qual a conclusão de Jorge. É a oportunidade para desvendar como o cinema salvou o uruguaio. E pensar -- talvez mais uma vez na vida -- sobre o motivo de estar sentado na poltrona, com ou sem pipoca.