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"O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho, busca o ruído nosso de cada dia

Cena do filme "O Som Ao Redor", de Kleber Mendonça Filho - Divulgação/Cinemascópio
Cena do filme "O Som Ao Redor", de Kleber Mendonça Filho Imagem: Divulgação/Cinemascópio

Chico Fireman

Do UOL, em São Paulo

22/10/2012 07h00

Há filmes que são sobre as coisas. Há outros filmes que são sobre as pessoas. E existem ainda aqueles filmes, mais raros, que se dedicam ao intervalo entre as duas. Este é o caso de “O Som ao Redor”, primeiro longa-metragem de ficção do pernambucano Kleber Mendonça Filho, um trabalho interessado no ruído nosso de cada dia, nas sobras e nas arestas, nos silêncios e nos detalhes que geralmente desaparecem nas ilhas de edição em favor de um cinema mais “limpo”.

A produção, um dos principais longas brasileiros que participam da Mostra de Cinema de São Paulo e vencedor do prêmio de melhor filme no festival do Rio e do júri popular em Gramado, se passa no Recife, cidade natal do diretor, numa rua dominada por uma família, numa espécie de alegoria do coronelismo histórico nordestino, com direito a senhores de terras e capatazes. Neste cenário, o diretor instala sua câmera, disposto a registrar não exatamente as vidas de quem mora ali, mas as minúcias e pormenores que compõem seu dia a dia.

O cineasta sugere que sigamos um personagem, depois outro, depois outro, para que, em determinado momento, percebamos que, como na vida, cada protagonista é coadjuvante na vida alheia.

Em sua investigação do cotidiano, Kleber dedica tempo a diálogos de “bom dia, o que você tem feito?” e cenas corriqueiras como a brincadeira de duas meninas à beira da piscina. Detalhes que parecem insignificantes para a trama do filme --se é que “O Som ao Redor” tem propriamente uma trama--, mas que ajudam a ilustrar o registro das interferências externas a que estamos sujeitos a qualquer momento. Mais do que isso, interferências que constroem nossa rotina.

Com um elenco formado por atores locais, alguns sem experiência prévia, o cineasta potencializa a identificação do espectador com o que se passa na tela. As performances naturalistas, o jeito de falar e as entonações pernambucanas fazem do que seria um filme “com sotaque”, um filme universal, já que, no meio de gírias e acentos, a complexidade do longa traça uma conversa com a simplicidade da vida real.      

Não é raro imaginar que algumas das histórias contadas pelos personagens poderiam ser histórias de vida dos próprios atores. Da mesma maneira que não seria demérito descobrir que essa sugestão de ficcionalização da realidade talvez nem exista, já que um filme como este permite múltiplas interpretações. E que esses ruídos, de certa forma, também fazem parte do projeto de “O Som ao Redor”.

É nesse contexto, com a mesma naturalidade impressa aos momentos mais documentais do filme, que uma espécie de saci urbano pula sobre os prédios quase invisível. É nesse mesmo registro que Kleber invade a seara dos filmes de terror, criando, com base num trabalho sonoro apurado e numa montagem marcada, cenas apavorantes, com contornos de pesadelo. Pesadelos que estão sempre presentes, sejam como  mais um capítulo da rotina dos personagens, sejam na possibilidade de uma vingança adormecida.

TRAILER DO FILME "O SOM AO REDOR"

 


Serviço

"O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho (Brasil)

Quando: Segunda (22), às 16h
Onde: Cinesesc - rua Augusta, 2.075 - Cerqueira César (sessão 345)

Quando: Quarta (24), às 15h
Onde: Sala Cinemateca - Sala BNDES - largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino (sessão 503)