Topo

Documentário de Pedro Bial revela mil faces do tropicalista Jorge Mautner

Jorge Mautner em cena do longa "Jorge Mautner - O Filho do Holocausto" - Juliana Torres/Divulgação
Jorge Mautner em cena do longa "Jorge Mautner - O Filho do Holocausto" Imagem: Juliana Torres/Divulgação

Daniel Solyszko

Do UOL, em São Paulo

30/01/2013 05h00Atualizada em 31/01/2013 23h01

Um dos movimentos musicais mais marcantes da história do Brasil, talvez rivalizado apenas pela bossa nova, o tropicalismo vêm sendo retratado em uma série de documentários recentes, que incluem “Fabricando Tom Zé”, “Uma Noite em 67”, “Tropicália”, “Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now” e diversos outros. Enquanto o filão não se esgota totalmente, parece que ainda há alguns personagens interessantes a serem explorados. Poeta, cineasta e músico, Jorge Mautner teve uma vida singular que é cinematográfica por essência.

“Jorge Mautner – O Filho do Holocausto”, o documentário de Pedro Bial e Heitor D'Alincourt que estreia nos cinemas brasileiros em 1º de fevereiro, recupera a história desse herói quase esquecido da cultura popular brasileira. Não é preciso de muitos recursos para transformar a vida de Mautner em algo interessante: filho de pais que fugiram do nazismo na Europa, consagrado como poeta aos 21 anos, membro do Partido Comunista Brasileiro, refugiado político primeiro nos EUA e depois na Inglaterra, onde se tornou amigo dos tropicalistas Caetano e Gil, e por fim artista popular (ou quase isso) cultuado por diversas gerações. 

O filme alterna cenas de Mautner se apresentando ao vivo em estúdio (com uma banda que inclui seu parceiro musical de longa data, o guitarrista Nelson Jacobina, morto no ano passado) com depoimentos de amigos e familiares, além de imagens do próprio músico lendo trechos de sua autobiografia. Alguns recursos visuais são interessantes, como as imagens alternadas dos integrantes da banda vestidos como militares, mas outros acabam parecendo sem propósito, como o close em dois marionetes de Mautner e Gilberto Gil enquanto os mesmos tocam juntos ao fundo.

A presença de Bial surge ocasionalmente de forma um tanto desnecessária, como se fosse preciso lembrar a plateia quem é o autor do filme. Isso pode ser percebido quando sua voz surge em off fazendo uma pergunta do nada, o que causa estranhamento num filme onde os entrevistadores nunca aparecem, mas principalmente na presença destoante de sua mãe, outra refugiada do nazismo, conversando com Mautner no começo do filme. O filme poderia se assumir com um retrato pessoal de Mautner, mas esse é um caminho que nunca chega a ser desenvolvido.

VEJA CENA DO DOCUMENTÁRIO
DIRIGIDO POR PEDRO BIAL

No meio de todos esses pequenos defeitos, Mautner surge como o grande foco de interesse, tanto nas ótimas performances como nos depoimentos.  De colegas de infância até os companheiros de exílio Gil e Caetano, o filme é carregado de histórias divertidas e improváveis. Apesar dos seus delírios filosóficos não terem freio, Mautner surge como um personagem leve, otimista e acima de tudo bem humorado, sem nenhum receio de rir de si mesmo.  

A conversa com a filha Amora Mautner é um dos poucos momentos que acaba assumindo um tom de ironia um pouco exagerado, ainda que a revelação de que ver o pai andando nu em casa a deixou traumatizada gere boas risadas. As imagens de arquivo, que infelizmente não são muitas, são uma diversão a parte, incluindo trechos do longa “O Demiurgo”, que Mautner dirigiu no exílio com Caetano e Gil no elenco, sua participação em um filme de Rogério Sganzerla e uma performance “glam” impagável de “Guzzy Muzzy” num programa de TV dos anos 70, que mais parece um cruzamento entre Carmem Miranda e David Bowie. 

Fica no final a impressão de um filme com algumas pontas soltas e esteticamente irregular, mas que se assiste com grande prazer. Se a ideia era recuperar o interesse das novas gerações por Mautner, o longa pode ser considerado bem sucedido. O lado hippie “cabeça” está lá, mas Mautner é mostrado como um artista de muitas facetas, que transcende qualquer caracterização, e que merece ser constantemente redescoberto.  

VEJA TRAILER DE "JORGE MAUTNER - O FILHO DO HOLOCAUSTO"