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Como personagem de "Ferrugem e Osso", Cotillard diz que é preciso adaptar-se

Juliana Resende

Da BR Press, em Londres*

01/05/2013 00h01

O que você faria se acordasse num hospital após um acidente e estivesse com as duas pernas amputadas do joelho para baixo? Marion Cotillard tem uma resposta: "Adaptar-se". Foi que o que a atriz fez para viver a treinadora de baleias Stéphanie, em "Ferrugem e Osso", drama francês de Jacques Audiard, que estreia no Brasil na sexta (3) e também será exibido no Festival Varilux de Cinema Francês, que começa nesta quarta.

Esse poder de adaptação tem sido o maior trunfo de Cotillard, a primeira francesa a ganhar o Oscar de melhor atriz por encarnar Edit Piaf com perfeição – "o papel mais incrível que qualquer atriz pode querer" –, em "Um Hino ao Amor" (2007), e também para contracenar com Daniel Day-Lewis, em "Nine" (2009): "Quem não iria querer se adaptar para trabalhar com ele?", questiona ela, falando de sua experiência com o protagonista de "Lincoln" numa Screen Talk, disputado evento do London Film Festival, onde "Ferrugem e Osso" foi eleito o melhor filme de 2012.

Assisti a vídeos sobre como as pessoas com algum tipo de deficiência se movem, mas ela – e eu – tivemos de aprender a mover-nos de maneira diferente, é uma nova condição.

Marion Cotillard sobre a treinadora de baleias de "Ferrugem e Osso", que perde as duas pernas em um acidente

Embora tenha dado à Marion Cotillard o Hollywood Film Award 2012 de atriz do ano (também por "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge"), "Ferrugem e Osso" é um filme modesto para uma atriz oscarizada. Mas sua simplicidade é sua maior qualidade. Tem drama sem ser piegas; tem romance mas nada muito previsível e careta; tem humor, timing, tem vida e uma linda trilha sonora (incluindo músicas originais de Alexandre Desplat, além de B52's, Bon Iver, Lykke Li, entre outros).

Se, como diz Cotillard, "'Um Hino ao Amor' mudou tudo: minha carreira, minha vida", "Ferrugem e Osso" mostra um divisor de águas na vida de outra mulher: insatisfeita com o parceiro, entediada com a futilidade do dia a dia, em pleno estado de desamor próprio. Ao conhecer o desencanado segurança de boate Alain van Versh (Matthias Schoenaerts), ou simplesmente Ali, algo desperta nela. Depois da tragédia, é Ali que vai fazer Stéphanie abraçar o destino – seja qual for. Ela se apaixona pelo belga e a relação evolui para o modo "operacional" (leia-se sexo).

Adaptação
"Em relação à minha preparação para a personagem, tive de aprender tudo sobre as baleias orcas e tive de aprender a nadar porque eu era uma péssima nadadora e alguém como Stéphanie tinha de ser uma excelente nadadora", diz Marion. "Em relação à questão física, assisti a vídeos sobre como as pessoas com algum tipo de deficiência se movem, mas ela – e eu – tivemos de aprender a mover-nos de maneira diferente, é uma nova condição".

"Ferrugem e Osso" mostra o reaprendizado do movimento por um amputado – da cama do hospital à cadeira de rodas, passando pelo andar com próteses ao sexo – de maneira natural e, mesmo sendo um fato de grande impacto, está longe de ser o mote do filme. O longa é sobre como a vida pode ser perversa, dura, cruel e também bela, redentora, livre. É sobre, acima de tudo, perseverança. A própria Marion teve de se agarrar a essa qualidade quando pensou em desistir de ser atriz.

Trailer legendado do filme "Ferrugem e Osso"

Greenpeace
"No início da minha carreira, eu estava frustrada por não ter bons papéis e roteiros interessantes. Então, decidi fazer algo totalmente diferente: não esperar mais!", conta Marion. "Telefonei ao meu agente e disse-lhe que ia desistir, não queria dizer que seria para sempre, mas eu tinha de sair daquele momento de frustração. Assim, minha paixão não seria afetada". Marion já era atriz profissional por quase dez anos na França, onde estudou drama no Conservatório de Artes Dramáticas de Orléans e estreou no cinema aos 19 anos, com "L'Histoire du Garçon qui Voulait qu'on l'Embrasse" (1994). Atuava em produções locais.

No momento em que ela acertava para trabalhar como voluntária para o Greenpeace, o destino interferiu. "Eis que meu agente falou-me do filme de Tim Burton, 'Peixe Grande - E Suas Histórias Maravilhosas' [2003]", lembra. "Ele sabia que eu era uma fã incondicional do diretor e não resisti: candidatei-me e, se conseguisse o papel, seria uma prova de que deveria continuar. Conheci Burton, enviei-lhe um vídeo e, um mês depois, quando já ia para o Greenpeace quase todos os dias, ele me telefonou com a notícia de que o papel era meu".

No início da minha carreira, eu estava frustrada por não ter bons papéis e roteiros interessantes. Então, decidi fazer algo totalmente diferente: não esperar mais!", conta Marion. Telefonei ao meu agente e disse-lhe que ia desistir.

Marion Cotillard sobre seu início como atriz

Hollywood-França
Desde então, a atriz entendeu que é preciso correr riscos – "até mesmo de começar um filme sem ter a certeza se vou conseguir fazê-lo ou não" – e passou a gostar disso. "Sei que posso fazer certas coisas, drama especialmente, mas o que nunca consegui fazer foi comédia, mesmo que, no começo de minha carreira, não me levavam muito a sério como atriz", diverte-se. Ao longo desta conversa com o público e um seleto número de jornalistas, trechos de alguns filmes pouco conhecidos de Marion foram exibidos no Screen Talk, como "Jeux d’Enfants"  (2003), em que contracenou com o então amigo e atual companheiro Gillaume Canet, e "Eterno Amo"r (2004), de Jean-Pierre Jeunet (de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain"), pelo qual ganhou um César, o Oscar francês, de melhor atriz coadjuvante.

Madura, Marion vem alternando Hollywood e filmes independentes franceses – e campanhas de moda, como a recém-realizada para Dior. Depois de cair nas graças de Ridley Scott, sendo escalada como par romântico de Russell Crowe, em "Um Bom Ano" (2006), a atriz conquistou Christopher Nolan ("A Origem", 2010), Woody Allen ("Meia Noite Em Paris", 2011) e Steve Soderbergh ("Contágio", 2011).

"Cresci fascinada pela vida dos meus pais (o ator, escritor e diretor Jean-Claude Cotillard e a atriz e professora de teatro Niseema Theillaud). Sempre quis trabalhar com as pessoas que me inspiraram a ser atriz e sempre achei muito especial a ligação emocional que o ator cria com o público, com pessoas desconhecidas. Gosto de compartilhar emoções por meio desta ligação especial: momentos de alegria, tristeza, diversão, intensidade…"

*Colaborou Helena Alves