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Protagonista de "O Grande Gatsby", DiCaprio é ambicioso como o personagem

Cindy Pearlman*

Do Hollywood Watch

14/05/2013 20h36

"Acho que qualquer um se identifica com o sonhador que há em Gatsby. Todo mundo se entusiasma com alguém ambicioso como ele. Acho que é uma coisa natural, é impossível se manter indiferente", diz Leonardo DiCaprio.

O ator sabe muito bem o que é isso; afinal, além de beleza, charme e talento indiscutível, é preciso mais que um pouquinho de ambição para chegar onde ele está hoje -- três vezes indicado ao Oscar, além de ser um dos atores mais populares do mundo e ter lugar cativo na lista dos maiores talentos de Hollywood.

Sentado para a entrevista que acontece bem cedinho no lendário Plaza Hotel de Nova York, DiCaprio impressiona com um terno marinho impecável e a camisa azul clara aberta no colarinho. Tem o cabelo penteado para trás, os olhos muito sérios e, aos 38 anos, se veem apenas algumas linhas entre as sobrancelhas.

"Quando eu comecei, não tinha roupas boas", continua DiCaprio, que iniciou a carreira como ator mirim. "Meu cabelo não era legal. Eu me sentia um peixe fora d'água em Hollywood, onde todo mundo é perfeito. E foi isso que me motivou, que me fez dar mais duro."

Quando eu comecei, não tinha roupas boas. Meu cabelo não era legal. Eu me sentia um peixe fora d'água em Hollywood, onde todo mundo é perfeito. E foi isso que me motivou, que me fez dar mais duro.

Leonardo DiCaprio, sobre seu início de carreira

DiCaprio está no Plaza para falar sobre outro batalhador: Jay Gatsby, personagem inesquecível criado pelo escritor F. Scott Fitzgerald, interpretado por Robert Redford em "O Grande Gatsby" (1974) e DiCaprio no remake extravagante de Baz Luhrmann, que já estreou nos EUA e abre o Festival de Cannes nesta quarta (14).

"Para mim, é o que mais se aproxima da versão norte-americana de Shakespeare. É um dos romances mais marcantes de todos os tempos. Empolga e assusta ao mesmo tempo", analisa.

Na versão de Luhrmann, Tobey Maguire é Nick Carraway, o aspirante a escritor que sai do Meio Oeste com destino a Nova York, em 1922. Na esperança de se tornar o próximo sucesso literário dos EUA, ele se envolve no clima da época em que imperavam uma moral permissiva, o contrabando de bebidas, festas nababescas e um mercado financeiro instável, num período de riqueza impensável para alguns e pobreza abjeta para outros.

Nick acaba vivendo em Long Island, onde passa as noites admirando a vista de sua janela: as luzes brilhantes das festas extravagantes do outro lado da baía, organizadas por Jay Gatsby (DiCaprio), um milionário misterioso apaixonado por sua prima, Daisy (Carey Mulligan), mesmo ela sendo casada com o aristocrata fanfarrão Tom Buchanan (Joel Edgerton). Não demora muito e ele acaba conhecendo Gatsby e, impotente, o vê praticamente atrair o desastre para si, Daisy, Tom e ele mesmo.

Em entrevista separada, Luhrmann diz que DiCaprio, que interpretou Romeu na versão do australiano para "Romeu e Julieta" (1996), de William Shakespeare, foi o primeiro nome que lhe veio à cabeça para encarnar uma das figuras mais misteriosas de toda a literatura norte-americana.

O diretor relembra: "Duas da manhã no nosso set na Austrália, Tobey, Leo e eu sentados numa sala, rodando, rodando. Parecíamos três tubarões farejando sangue na água, procurando detalhes para enriquecer o nosso Gatsby. É o tipo de coisa que eu adoro. O Leo não sossega enquanto não acha um resquício, uma dica".

Já DiCaprio se confessa irremediavelmente atraído por Gatsby.

TRAILER DO FILME "O GRANDE GATSBY"

"Ele é um personagem incrível de se interpretar. É a personificação do sonho americano, é o reflexo de quem você quer ser quando crescer."

"O Gatsby que me lembro de ter lido aos quinze anos, no colégio, era bem diferente daquele que reli já adulto, mas ficou um lance do romântico incurável, apaixonado por uma moça, que criou a toda aquela fortuna só para poder pegar na mão dela."

Porém, não é esse o Gatsby que o público vai ver no cinema.

"Reler o livro já adulto foi ainda mais fascinante. É um romance cheio de nuances. Agora eu o vejo como um homem incrivelmente fútil que busca algum sentido para a vida --e se prende a essa ilusão que é a Daisy."

"Sim, porque ela não passa de uma miragem", conclui ele.

A tristeza que há nele me afetou muito. É um homem que se apega a uma imagem e é isso que leva à sua derrocada.

Leonardo DiCaprio, sobre Jay Gatsby

A visão de Fitzgerald de criar um homem que, apesar de tão rico, se sente completamente vazio, fascina o ator.

"A tristeza que há nele me afetou muito. É um homem que se apega a uma imagem e é isso que leva à sua derrocada", explica.

Já faz 88 anos que o livro de Fitzgerald foi publicado, mas para DiCaprio, a trama continua relevante.

"Acho que qualquer pessoa se identifica com esse personagem. Ele criou uma imagem de si mesmo segundo sua imaginação e seus sonhos. Era um jovem pobre do Meio Oeste que projetou essa ideia de 'Grande Gatsby'. É uma história que tem tudo a ver com o sonho americano."

"É claro que ele fez fortuna num submundo, durante um período muito interessante da história dos EUA."

Hoje em dia, DiCaprio também vê a relação de Gatsby e Daisy com outros olhos.

Com DiCaprio, "O Grande Gatsby" cria moda em Londres

"Será que ele está mesmo apaixonado por essa mulher ou pelo que ela representa? Será que ela também não é só um sonho?", questiona.

"Ele monta um verdadeiro castelo só para atraí-la. Uma das minhas cenas favoritas é quando ele abraça Daisy. Ele tem a mulher que ama nos braços, mas olha pela janela --ou seja, continua procurando aquilo que pode completá-lo. Esse é o Gatsby que eu sempre quis interpretar como ator."

"O mais incrível a respeito desse livro é que cada um tem sua própria interpretação dos personagens; por isso é tão difícil fazer um filme sobre ele. É complicado retratá-lo quando cada pessoa acha que os conhece num nível íntimo e pessoal."

Amizade

O fato de DiCaprio e Maguire serem amigos de longa data foi essencial para a realização do filme, admite Luhrmann.

"No primeiro dia de filmagem, estava todo mundo nervoso. Todo mundo sentia que estava encarando um desafio imenso, uma responsabilidade insana. Durante a primeira cena que fizemos, Gatsby está com o Nick esperando a Daisy chegar. Eu estava fazendo uma tomada ampla, gritei: 'Ação!' e pedi aos atores para improvisar."

Trabalhar com uma pessoa que conheço há vinte anos, como Tobey Maguire, me deu uma segurança incrível. Sempre fomos muito honestos um com o outro. Não sei se esse projeto teria rolado se não fôssemos tão amigos.

Leonardo DiCaprio, sobre Tobey Maguire

"Leonardo soltou: 'Você acha as flores bonitas? Não acha que são exageradas?' Tobey faz uma pausa e respondeu: 'Acho que era exatamente isso que você queria.'"

"Foi um dos momentos mais puros e profundos do filme porque veio de um relacionamento que existe além da história", arremata o cineasta.

Para DiCaprio o filme gira em torno da relação entre Nick e Gatsby.

"Trabalhar com uma pessoa que conheço há vinte anos, como Tobey Maguire, me deu uma segurança incrível. Sempre fomos muito honestos um com o outro. Não sei se esse projeto teria rolado se não fôssemos tão amigos. Era preciso que fosse assim."

Outros projetos

Este ano, DiCaprio estará também em "Os Lobos de Wall Street", de Martin Scorsese, baseado em fatos reais. Na quinta parceria entre o ator e o diretor, ele será Jordan Belfort, um corretor da Bolsa de Nova York envolvido num caso de fraude. Porém, como sempre, vai continuar dedicando grande parte de seu tempo ao ativismo ambiental e outras causas beneficentes: em 2010, ele doou mais de US$ 1 milhão para as vítimas do terremoto e, em 2011, outro US$ 1 milhão para a Wildlife Conservation Society.

Ele sabe que, na verdade, a sua iniciativa está ligada ao seu trabalho, mais especificamente a "O Grande Gatsby".

E conclui: "De certa forma, o livro previu a Crise de 1929, pois fala da opulência e da riqueza nos EUA, dessa ideia de que o futuro é infinito. Não podemos continuar consumindo desse jeito e achar que não há consequências. Os problemas estão aí, pipocando, mas parece que não aprendemos".

*Cindy Pearlman é jornalista freelancer em Chicago