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Letícia Spiller encarna drag queen em filme para lutar contra preconceito

Ronaldo Pelli

Do UOL, em Barra do Piraí (RJ)

28/05/2013 05h00

Demorou mais de uma hora --ou mais de 20 anos-- para a ex-paquita Letícia Spiller se transformar na drag queen Rochanna. Ela faz uma participação especial no filme "O Casamento de Gorete", mas seu envolvimento no longa-metragem é muito maior, quase familiar. A atriz é também a produtora; seu filho, Pedro Novaes, faz um pequeno papel; e o seu marido, Lucas Loureiro, é o diretor de fotografia. Além disso, o diretor do filme, Paulo Vespúcio Garcia, foi seu primeiro professor de teatro, há mais de duas décadas.

"Esse filme é sobre um amor incondicional. É uma comédia sobre diferenças, porque somos todos diferentes", disse Letícia, que, no domingo (26) durante gravações em Barra do Piraí, no Rio, contou empolgada como defende a causa dos homossexuais, lembrando de suas participações em campanhas e desfiles. "Eu não me considero musa dos gays, mas fiz personagens que criaram uma identificação com o público LGBT, como a Babalu", contou Letícia, referindo-se à personagem da novela "Quatro por Quatro" (1994-95).

"O Casamento de Gorete" narra a história da radialista e também travesti interpretada pelo ator Rodrigo Sant'Anna (a Valéria do "Zorra Total"). Ela recebe uma herança do pai (interpretado por Ricardo Blat), com quem não falava desde criança, mas ele exige como condição que ela se case. Gorete, então, cria uma série de provas e competições para escolher o seu príncipe encantado, mas acaba reencontrando, no percurso, a grande paixão de infância, Bonitão, vivido pelo ator Carlos Bonow.

Filmagens no interior do Rio de Janeiro

  • Antonio Scorza/UOL

    A pequena cidade de Barra do Piraí, no sul fluminense, sediou no domingo as últimas filmagens de "O Casamento de Gorete", com direito a uma espécie de Parada Gay. O diretor Paulo Vespúcio contou que sua inspiração para a personagem foi um radialista de Rio Branco, no Acre. Rodrigo Sant'Anna, que interpreta Gorete, disse que a travesti tem mais drama que todos seus outros personagens. O ator ficou conhecido como a Valéria do humorístico "Zorra Total".

"É uma comédia para toda a família, com bastante humor, mas é um filme engraçado de forma profunda", tentou explicar a atriz. O filme, segundo ela, também usa elementos de gêneros sérios, como o melodrama, para logo depois fazer comédia novamente. É como uma mistura das produções de Renato Aragão com pitadas de tragédia exageradas, no estilo do cineasta espanhol Pedro Almodóvar.

Chegada dos 40 anos
Prestes a completar 40 anos, Letícia Spiller disse que não está preocupada com a idade, e que o momento mais difícil da sua vida foi na virada dos 20 para os 30, quando era muito questionada por ser associada a personagens sem grande profundidade. À época, decidiu radicalizar: fez uma peça com baixo apelo comercial, e raspou os invejados cabelos louros.

"Hoje já tenho maturidade para fazer concessões", disse, lembrando que tem amigos que não fazem qualquer tipo de trabalho mais "fácil", mas não os inveja. Ela contou que prefere tentar sempre se comunicar com o público, em uma peça, novela ou filme que consiga atingir mais gente e, assim, começar vagarosamente um diálogo sobre assuntos mais profundos. "Não tenho medo de sofrer preconceito por ser popular".

Ela se considera uma atriz versátil, que usa a profissão para exorcizar os próprios demônios. "Eu lido com a minha esquizofrenia no palco", disse, meio a sério, meio como brincadeira, lembrando logo em seguida o caso do avô paterno que saiu de casa e foi encontrado pelo pai de Letícia trabalhando em outra cidade, sem memória e usando outro nome.

Pela sua atuação, dentro e fora da telona, Letícia é considerada pelo diretor Paulo Vespúcio Garcia como uma das principais responsáveis pelo longa. "Letícia abre as portas desse filme. É o meu São Jorge", elogiou o cineasta, que começou a trabalhar com a atriz há 23 anos, assim que ela saiu do "Xou da Xuxa", no Teatro Villa-Lobos, no Leme, zona sul do Rio, bem perto de onde Letícia morava à época. "Não se ensina a loucura, a bipolaridade do ator. Apenas tentamos ensinar a relaxar para que esse processo seja natural. E Letícia já tinha isso".