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"Cinema não pode ser só dinheiro", diz diretor de "Os Pobres Diabos"

Cena do filme "Os Pobres Diabos" - Divulgação
Cena do filme "Os Pobres Diabos" Imagem: Divulgação

Carlos Minuano

Do UOL, em Brasília

25/09/2013 10h59

Imbróglios e críticas à parte, a tradicional veia política do Festival de Brasília se mantém firme. A quantidade e a qualidade das discussões sobre o cinema brasileiro foram pontos altos da edição deste ano, e uma amostra disso foi o debate acalorado com o elenco e o diretor de "Os Pobre Diabos" durante o evento que terminou nesta terça-feira (24). O longa venceu a categoria de Júri Popular e o Prêmio TV Brasil – acumulando R$ 80 mil e passando a integrar a programação do canal.

Apesar da ausência de críticas ao festival, o diretor Rosemberg Cariry ressaltou de maneira emocionada, sua preocupação com o momento atual do cinema brasileiro, que, segundo ele, atravessa uma fase gravíssima de invisibilidade.

"Mais de 90% dos cineastas são exilados em seu próprio país. Cinema não pode ser só dinheiro", afirmou. "São produzidos cerca de 150 filmes por ano, pouco mais de 20 conseguem chegar ao mercado, e a maioria com lançamentos precários.

Outro nó apontado pelo diretor foi a questão do público. Segundo o cineasta, impera um modelo de 'shopping center' que atende à classe media alta. "Isso termina impondo uma ditadura do gosto", reclamou.

"Maioria de produtores que fazem cinema mais comercial termina se adaptando para atender a esse gosto, todos os recursos do audiovisual são usados para financiar um público de 2%, que assiste ao cinema brasileiro", disse.

O cineasta questionou o julgamento de valor do ponto de vista comercial, em detrimento ao capital simbólico da produção cinematográfica. "O que rendeu o filme 'Vidas Secas', em termos financeiros? E o que ele representou para o cinema nacional? Temos que pensar:que mercado é esse do cinema brasileiro?"

Nas marcianas caatingas do fim do mundo
O longa "Os Pobres Diabos" ganhou destaque no festival pelos transtornos que enfrentou nas exibições, mas também por seus inegáveis atributos. A trama narra as desventuras de uma trupe de circo decadente que perambula pelos confins do nordeste, ou nas 'marcianas caatingas do fim do mundo' – como prefere Rosemberg, até chegar a Aracati, no Ceará, onde tentam se instalar.

O filme, de baixo orçamento (R$ 1 milhão), e ainda sem distribuidora, foi rodado durante um mês na cidade cearense, com equipe enxuta. No elenco principal, Silvia Buarque, Chico Diaz, Gero Camilo e Everaldo Pontes.

A saga dos pobres diabos em busca de sobrevivência e amor é inspirado no universo mítico do circo e nos anti-heróis da literatura de cordel, importantes vertentes da cultura nordestina. Mas traz também um caldeirão temperado por outras referências. Fellini está por toda parte. Tanto nos loucos personagens quanto no roteiro, ou melhor dizendo, na bem-sucedida ausência (ou liberdade) dele.

Impossível também não lembrar de "Bye Bye Brasil" (de Cacá Diegues), premiada comédia da década de 1970, que conta a história de artistas mambembes que viajam pelos cafundós do país. De fato, o filme exerceu influência no elenco. A vulgar e mal-humorada Creuza, personagem vivido por Silvia Buarque, foi inspirado, segundo a atriz, na Salomé, papel de Beth Faria no filme.

"Virou minha musa aos 45 do segundo tempo, revi 'Bye Bye' dias antes de ir pro Ceará, foi a cereja do bolo, principalmente por uma certa melancolia, tem uma tristeza ali, uma desistência",observa a atriz.

A saga tragicômica dos pobres diabos do Gran Circo Teatro Americano, de Rosemberg Cariry, traz ainda em sua essência uma contundente metáfora da condição do artista brasileiro, que dialoga com as preocupações mais agudas do diretor, quanto ao destino do cinema nacional: arte para que, para quem, e como?