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"Jogos Vorazes: Em Chamas" troca ação por fidelidade ao texto original

Rodrigo Salem

Do UOL, em Los Angeles

14/11/2013 13h30

Se o primeiro "Jogos Vorazes" se destacou por não maneirar na violência física, mostrando de forma quase explícita a morte de vários adolescentes em combate, o segundo capítulo, "Em Chamas", troca a pancadaria e o sangue pela complexidade política.

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O diretor Francis Lawrence (“Eu Sou a Lenda”) pode não ser um cineasta conhecido pela originalidade visual ou pela discrição narrativa, mas ele acertou em um ponto ao assumir a série no lugar de Gary Ross: enfatizar no texto da escritora Suzanne Collins. "Jogos Vorazes: Em Chamas" é extremamente fiel ao livro, principalmente a seu espírito de guerra.

Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) e Peetta Mellark (Josh Hutcherson) estão no Distrito 12 depois da vitória incomum no primeiro capítulo. Mas a dupla continua sendo alvo do totalitário presidente Snow (Donald Sutherland), que exige a veracidade do romance do casal de lutadores para que a rebelião não se espalhe na nação de Panem. Para isso, impõe uma tour por todos os distritos como forma de propaganda do regime da Capital.

É quando "Em Chamas" ganha um peso político raro para um filme adolescente e distancia-se de vez de qualquer comparação com "Crepúsculo" --seria como colocar "O Senhor dos Anéis" lado a lado com "Willow". Katniss, levada com extremo profissionalismo por Jennifer Lawrence, que poderia muito bem ligar o automático após a estatueta de melhor atriz por "O Lado Bom da Vida", no último Oscar, é uma garota perturbada, uma heroína relutante, que não deseja virar uma mártir ou líder de uma revolução, mas não convive bem com as injustiças que observa na turnê programada de Snow.

Durante boa parte de "Em Chamas", não há ação. Não há como deixar de louvar a ousadia. Rebeldes apanham sem dó das "tropas imperiais" da Capital. Katniss e Peeta estão impotentes diante da maquinação governamental, mas sabem que as sementes que plantaram ao desafiar o regime fascista da capital no filme anterior estão se disseminando entre a população dos distritos. É o discurso dos rebeldes de "Star Wars" levado ao realismo mais brutal, com mortes de personagens importantes e traumas de pós-guerra --Katniss tem visões com adolescentes que precisou matar e pesadelos escabrosos.

Mas não há batalhas ou lutas corpo a corpo até quase os 30 minutos finais do longa, quando entra em cena o "Massacre Quaternário", uma categoria dos Jogos Vorazes que é acionada a cada 25 anos e consiste no seguinte: os vitoriosos das edições anteriores são colocados novamente na arena de combate.

Por incrível que pareça, é quando "Em Chamas" perde sua relevância estética e moral. De alegoria política sobre a fomentação de uma rebelião, o filme passa a ser novamente um (pequeno) punhado de situações (névoa ácida, babuínos assassinos) que exigem a cabeça dos jogadores. E é onde a fraqueza de Francis Lawrence reside. Apesar de demonstrar muito bem onde gastou os US$ 140 milhões de orçamento, o cineasta é um diretor de ação medíocre. Não há um momento no longa em que faça o dente trincar de tensão ou o queixo cair com uma sequência espetacular. Gary Ross, com sua tão criticada câmera tremida surrupiada de Paul Greengrass (“O Ultimato Bourne”), injetou mais vibração e veracidade aos combates no primeiro longa.

Mas o que importa é que “Em Chamas” ultrapassa sua vocação de “filme do meio”, onde nada acontece e serve de preparação para o último capítulo --no caso de “A Esperança”, a ganância do estúdio Lionsgate o dividiu em dois longas, previstos para estrear em 2014 e 2015. A produção transformou Katniss na personagem feminina mais importante da fantasia/ficção científica hollywoodiana desde a tenente Ripley de “Alien” e tem a audácia de finalizar quando a trama está, finalmente, passando a quinta marcha.