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Atriz e diretor de "Azul É a Cor Mais Quente" encaram polêmicas por filme

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

04/12/2013 14h13

Para viver a primeira protagonista da carreira, a atriz francesa Adèle Exarchopoulos ficou cinco meses longe da família, repetiu cenas à exaustão, viveu um sobe e desce de emoções, conheceu os próprios limites e, com 18 anos na época, fez cenas de sexo com outra mulher. Ela garante que a experiência, que ela classifica como "uma aventura humana", foi a melhor escola que poderia ter tido como atriz. Dirigido por Abdellatif Kechiche ("O Segredo do Grão", 2007), "Azul é a Cor Mais Quente" chega nesta sexta (6) aos cinemas brasileiros com a Palma de Ouro que recebeu em Cannes e muitas polêmicas envolvendo as protagonistas e integrantes da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis).

  • Apesar de polêmicas, Abdellatif Kechiche e Adèle Exarchopoulos promovem filme juntos

A relação entre o diretor e as protagonistas (Adèle e Léa Seydoux) parecia harmoniosa até o anúncio da Palma de Ouro, em maio deste ano. Nas primeiras entrevistas depois do festival de Cannes, Seydoux disse que se sentiu como uma prostituta no set quando teve que fingir orgasmo durante seis horas seguidas com três câmeras sobre elas. Chocado, o diretor disse que as afirmações fizeram com que se sentisse humilhado e desgraçado.

Quase cinco meses depois, Adèle, que chegou a afirmar que também se sentiu explorada, e o diretor vieram juntos ao Brasil para divulgar o filme. Os dois não se esquivaram de perguntas sobre a polêmica, mas Adèle parece mais confortável ao fazer uma reflexão sobre o assunto do que o diretor, que se manteve na defensiva --os jornalistas foram ainda alertados pela produção que ele estava cansado de responder se seu comportamento foi abusivo.

Inspirado na história em quadrinhos homônima de de Julie Maroh, "Azul É a Cor Mais Quente"", retrata as descobertas sexuais de Adèle (Exarchopoulos) e sua história de amor com Emma (Seydoux). Para captar a alma dos personagens e transmitir isso ao espectador, o diretor trabalhou quase o tempo todo com closes nos rostos das atrizes e fez com que elas repetissem muitas vezes algumas das cenas.

"Foi uma aventura humana. Fiquei cinco meses longe da minha família e, nesse tempo, construí a paixão da personagem. A câmera estava sempre muito próxima do nosso rosto. Era apenas você, sua carne e seus sentimentos lá expostos. É uma coisa que exige demais. Às vezes era bom porque ele [Kechiche] deixava a câmera rodar sem marcações, sem falas decoradas, como na vida, mas às vezes era difícil. Era um exercício de se abandonar. A três semanas do fim das filmagens, não sabíamos como seria o fim do filme", contou ela ao UOL

Nos quadrinhos de Maroh, a protagonista se chama Clementine, mas o diretor substituiu o nome por Adèle porque achava que ficaria mais natural, além de gostar do fato de o nome significar justiça em árabe. Naturalizado francês, Kechiche nasceu na Tunísia. 

Hoje com 20 anos, Adèle é do tipo que fala dos sentimentos com naturalidade, mas pensa e mede as palavras para responder se acredita que, mesmo com o belo resultado do filme, o diretor tenha cometido erros. "Talvez ele tenha cometido erros às vezes. Não é porque você grita ou humilha alguém que ela te dará mais. O resultado é o mesmo quando você é mais gentil, mas com coisas boas e imperfeições. O resultado está aí e eu nunca vi algo semelhante no cinema".

  • Reprodução

    História em quadrinhod de Julie Maroh que inspirou "Azul é a Cor Mais Quente"

Aclamado pela crítica

Mesmo com tantas controvérsias, o filme conseguiu agradar a maioria dos críticos, além de levar o principal prêmio europeu do cinema. Kechiche disse que não é possível fazer um balanço sobre o saldo final para o filme. "Não se trata de fazer um balanço. Só lamento que essa controvérsia tenha maculado o filme. Gostaria de falar de outros aspectos que ele carrega, como a liberdade e o amor. Uma atriz [Seydoux], com sua neurose, sujou o filme. A baixaria dela é inqualificável", diz ele.

Kechiche acredita que daqui um tempo, quando houver o distanciamento necessário, será possível fazer uma estudo sociológico do que aconteceu. "Mas eu já tenho uma pista. Pessoas que pensam que devem muito a outra, como é o caso da atriz em relação a mim, acham que precisam pisar para se libertar desse peso. Insisto em dizer que é isso que ela pensa e não o que acontece de fato".

Sexo entre mulheres

A polêmica envolvendo o filme não se encerra apenas no possível abuso de poder do diretor no set de filmagens. As cenas de sexo entre as protagonistas são alvo de crítica de alguns representantes da comunidade LGBT.

Kechiche foi acusado de lançar um olhar masculino sobre o amor entre duas mulheres. "O que é um olhar masculino? O que é um olhar correto? É perigoso dizer que fui machista quando justamente tive a intenção de banalizar o amor homossexual. Cada um tem um olhar sobre o amor. O problema é que algumas feministas acham que homens não têm o direito de falar sobre o amor de duas mulheres".

Adèle também acredita que o diretor conseguiu fazer com que o amor de duas mulheres não fosse o centro do filme. "Tudo o que acontece de ruim na vida de Adèle é a vida. Tínhamos inclusive filmado uma cena em que os pais dela descobrem que ela é lésbica e rompem com ela, mas a cena não foi usada para o filme ficar mais leve".

O diretor disse ainda que não pensou em como a comunidade gay receberia o filme porque não gosta de fazer distinção entre etnias e muito menos entre comunidades. "Não gosto de fazer diferença entre públicos. Queria que os espectadores se identificassem com Adèle, como eu me identifiquei. Queria chegar na alma do espectador".

Uma das cenas mais quentes entre as personagens tem aproximadamente seis minutos, mas Adèle garante que essa foi umas das coisas mais fáceis de fazer. "Minha primeira cena com Léa foi de sexo. Geralmente, as pessoas trocam aperto de mão quando se conhecem, nós tiramos a roupa", brincou ela. "As cenas de sexo eram engraçadas. É muito mais difícil lidar com os sentimentos. No sexo, tudo é uma questão de linguagem corporal", contou.

Para Adèle, o mais difícil foi saber que seus pais veriam o filme depois. "Para mim, era importante que eles vissem o que eu fiquei fazendo naqueles cinco meses, mas eu fiquei constrangida quando eles viram as cenas de sexo. Acho que meu pai foi a única pessoa que não falou comigo sobre isso, mas por respeito mesmo. Tenho sorte de ter os pais que tenho, que apoiam sem proteger demais".

Carreira no cinema

Veja momento em que filme vence a Palma de Ouro

A segurança com a qual a atriz fala de assuntos delicados chama a atenção, mas ela afirma que ganhar a Palma de Ouro também trouxe uma fragilidade. "Agora as pessoas e a imprensa esperam meu próximo filme para poder me julgar, mas o lado bom é que o prêmio trouxe legitimidade para o meu trabalho. Agora as pessoas me convidam para mais trabalhos".

Ela disse que iria para Hollywood se surgisse oportunidade de trabalho, mas que não é ingênua de tentar a sorte lá sem testes e sem um bom agente. Do futuro, ela só sabe que quer continuar atuando.