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Cinema internacional prestigiou produções de países como Filipinas e Grécia

Thiago Stivaletti

Do UOL, em São Paulo

23/12/2013 07h00

Há sempre um país da moda no circuito de festivais de cinema. Já foi China, Coreia, Taiwan, Turquia. Em 2013, foi a vez das Filipinas, que viu seu prestígio aumentar com uma safra de diretores que fazem filmes baratos, muito criativos e cujas histórias se alimentam dos mitos e costumes locais. Fora do planeta Hollywood, que bateu recorde de bilheteria em 2013, o cinema internacional chacoalhou o resto do mundo com alguns filmes que vão ficar na memória dos cinéfilos.

Depois dos diretores Brillante Mendoza ("Em Nome de Deus", "Lola") e Raya Martin ("Independência"), este foi o ano de Lav Diaz, cineasta filipino talentoso que realiza longas histórias intimistas --seus filmes podem durar de 7 a 11 horas. Depois de lançar seu último filme, "Norte - O Fim da História", no Festival de Cannes este ano, Lav foi presidente do júri no Festival de Locarno e ganhou retrospectiva de sua obra na Mostra de São Paulo. O evento ainda consagrou outros dois cineastas do país: John Torres, com "Lukas, O Estranho", e Juan Robles Lana, com "Bwakaw", indicado das Filipinas ao Oscar.

A Grécia é a prova de que momentos políticos conturbados podem ser benéficos para a arte. Passando pela pior crise financeira da sua história, o país tem produzido uma leva de filmes criativos que dão conta da crise através de personagens desesperados e famílias problemáticas. Nenhum infelizmente tem estreado nos cinemas por aqui, mas a Mostra de São Paulo exibiu uma boa leva dessa safra: "Miss Violence", premiado no Festival de Veneza; "Todos os Gatos São Brilhantes", sobre os protestos que tomaram conta do país; "A Filha" e "11 Encontros com Meu Pai", entre outros.

América Latina
A maior estrela do continente em 2013 nos festivais de fora foi o México. Duas produções do país saíram consagradas do Festival de Cannes. Uma delas foi o drama "La Jaula de Oro", de Diego Quemada, sobre três garotos pobres da Guatemala e um garoto indígena de Chiapas que passam por todo tipo de dificuldade para realizar o sonho de atravessar a fronteira e entrar nos Estados Unidos. "Jaula" também foi consagrado na Mostra de São Paulo: levou o Prêmio da Crítica e um Prêmio Especial do Júri.

Já "Heli", de Amat Escalante, é um oposto do brasileiro "Cidade de Deus": um retrato cru e impiedoso do narcotráfico nas periferias do México, com cenas violentíssimas como a de um rapaz sendo pendurado e torturado com um isqueiro. O filme ganhou o prêmio de melhor direção em Cannes.

Depois de brilhar em 2012 com "No", estrelado por Gael García Bernal e indicado ao Oscar de filme estrangeiro, o Chile fez bonito este ano com "Gloria", história de uma mulher de meia-idade de cabeça bem aberta que rendeu o Urso de Prata de melhor atriz para Paulina García no Festival de Berlim.

Menos forte que em anos anteriores, a Argentina ainda assim emplacou dois títulos com forte repercussão: os dramas "Habi - A Estrangeira", este coproduzido com o Brasil, e "Wakolda", que tentava uma vaga no Oscar, mas ficou de fora da lista divulgada nesta sexta-feira (20) pela Academia, como o brasileiro como "O Som ao Redor".

França
O cinema francês faturou 2013 com uma safra que há muito tempo não se via. "Amour", último filme do austríaco Michael Haneke ("Caché", "A Fita Branca"), é um drama seco sobre um casal de idosos isolados em seu apartamento e confrontados com a iminência da morte. Fez todo mundo chorar, faturou a Palma de Ouro em Cannes 2012 e ainda venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro.

"Azul é a Cor Mais Quente", também vencedor da Palma de Ouro em Cannes que conta a história da paixão entre duas jovens, foi o filme mais polêmico do ano mundo afora. A cena de sexo explícito causou protestos de feministas de vários países, que acusaram o diretor, o franco-tunisiano Abdellatif Kechiche, de exploração do corpo feminino. O mais curioso foi ter levado o prêmio em Cannes das mãos de Steven Spielberg, um cineasta nada chegado a sexo em seus filmes --gravou apenas uma cena do gênero em "Munique" (2005).

Outros destaques franceses:

- "Um Estranho no Lago", de Alain Guiraudie: bela mistura de suspense criminal e romance gay
- "Camille Claudel 1915", do sempre radical Bruno Dumont, que pôs Juliette Binoche para contracenar com pacientes de um manicômio de verdade ao encarnar a escultora que foi mulher do célebre Auguste Rodin
- "Renoir", de Gilles Bourdos, filme de bela fotografia que retrata a relação do pintor Auguste Renoir com uma de suas musas, na lista por uma vaga ao Oscar de filme estrangeiro.
- "O Passado", novo filme do iraniano Ashghar Farhadi (de "A Separação") rodado na França, e "Grand Central", de Rebecca Zlotowski, ambos estreiam em breve no Brasil.

Mais Europa
O cinema italiano não tem mais a força que teve nos anos de 1960, mas ainda surpreende com alguns longas. Neste ano, Marco Bellocchio discutiu a crise de valores no país através da questão da eutanásia no comovente "A Bela que Dorme"; e o jovem Paolo Sorrentino discutiu a banalização da cultura na era Berlusconi com o divertido "A Grande Beleza". E ainda teve o pequeno "Salvo", premiado na Semana de Crítica de Cannes, uma releitura original do filme de gângster à italiana.

Na Dinamarca, expoente do "Dogma 95", Thomas Vinterberg voltou com seu filme de maior repercussão desde "Festa de Família", o drama intenso "A Caça" sobre pedofilia e os erros do julgamento humano que rendeu a Mads Mikkelsen a Palma de melhor ator em Cannes. O mesmo Mikkelsen estrelou "O Amante da Rainha", sobre um triângulo amoroso em torno do insano rei Cristiano 7º da Dinamarca no século 18, indicado ao Oscar de filme estrangeiro.

Com um cinema em ascensão desde o início dos anos 2000, a Romênia faturou o Urso de Ouro no Festival de Berlim 2013 com o fortíssimo drama familiar "Instinto Materno", de Calin Peter Netzer. O filme foi exibido na Mostra de São Paulo e estreia em breve no Brasil.

Ásia
O país que mais passa por transformações políticas e econômicas no mundo hoje continua produzindo um cinema forte. Dois dos maiores cineastas da China estrearam obras fortes em 2013.

"Um Toque de Pecado": Depois de premiado no Festival de Veneza com "Em Busca da Vida", o chinês Jia Zhang-Ke, habituado a dramas contundentes sobre personagens à deriva numa China em transformação, desta vez encarnou Quentin Tarantino. Seu último filme, que estreou há alguns dias no Brasil, conta quatro histórias regadas a muito sangue e violência, tiradas de notícias de jornal. Um filme surpreendente a cada cena.

"O Grande Mestre": Wong Kar Wai conquistou uma legião de fãs no Brasil com filmes de imagens deslumbrantes e requintadas como "Amor à Flor da Pele" e "2046 - Os Segredos do Amor". Ele abriu o Festival de Berlim este ano com este filme de artes marciais de coreografias espetaculares sobre a vida de Ip Man, um dos grandes mentores de Bruce Lee. O filme foi exibido na Mostra de São Paulo e estreia por aqui no primeiro semestre de 2014.

Entre outros destaques asiáticos estão "Lições de Harmonia", do Cazaquistão, premiado em Berlim e vencedor do Prêmio do Júri Internacional da Mostra de São Paulo; o iraniano "Pardé - Cortinas Fechadas", do sempre combativo Jafar Panahi, que vive em prisão domiciliar a decreto do severo regime iraniano; e o israelense "The Congress", de Ari Folman (de "Valsa com Bashir"), a animação mais original do ano, meditando sobre o futuro do cinema sem atores.