Crua e sem estereótipos, "Trilogia do Cárcere" mostra dramas em presídios
As mazelas das cadeias brasileiras --que recentemente ganharam destaque por conta da barbárie entre detentos no Maranhão-- viraram tema de três filmes, que já acumulam prêmios no Brasil e no exterior. Crua e sem estereótipos, a "Trilogia do Cárcere", filmada pelo ex-agente penitenciário Aly Muritiba, mostra em diferentes perspectivas dramas do cotidiano em presídios pelo país.
Cena do filme "A Gente" (2014)
Depois de conhecer por dentro o sistema prisional do Paraná, o então agente decidiu se tornar cineasta e mostrar o que viu bem de perto. Nos três filmes ele constrói um retrato bem sucedido de um cenário invariavelmente péssimo em todo o país. O caminho que escolheu para isso foi o do cinema em estado bruto. "Apostei na secura das imagens e em personagens bem delineados", afirmou Aly Muritiba em entrevista ao UOL.
Para reforçar a opção estética e a ênfase no simples, ele dispensou efeitos básicos e trilha sonora. "Seria dispersivo", explicou. A fórmula parece ter dado certo. Feito com baixo orçamento --R$ 40 mil--, o curta "A Fábrica" (2011), que abre a "Trilogia do Cárcere", viajou o mundo inteiro e participou de mais de uma centena de festivais em todos os continentes.
No total foram 62 prêmios e esteve ainda entre curtas pré-selecionados para o Oscar de 2013. Híbrido de ficção e documentário, o filme mostra a delicada e arriscada condição dos familiares dos detentos. "Sabia que tinha um bom filme, mas não imaginava que faria tanto sucesso", comemorou o diretor.
O segundo curta, "O Pátio" (2013), seguiu caminho semelhante. Com orçamento zero --segundo ele, só uns trocados do próprio bolso e de amigos-- e com uma única câmera parada, registrou a convivência entre os presos. No lugar da esperada violência, o diretor destaca a amizade e a esperança que podem sobrepor-se às adversidades. No Brasil foi o grande vencedor do Festival É Tudo Verdade, e lá fora representou o país na Semana da Crítica, mostra paralela do Festival de Cannes.
A tríade badalada de Muritiba encerra com o longa "A Gente", também de 2013, mas que deve chegar aos cinemas até maio deste ano. O filme, que custou R$ 50 mil, mostra a vida real sem retoques de um grupo de agentes penitenciários. Com calibre para fazer barulho, o filme já começou a se destacar em festivais.
A primeira exibição foi no Festival do Rio do ano passado, mas já passou também pelo Olhar de Cinema (Festival Internacional de Curitiba) e foi premiado no Dok Leipzig (festival de documentários na Alemanha). O longa também integra a programação da 17ª Mostra Tiradentes, voltado à produção de novos diretores, que acontece no final deste mês na cidade mineira.
A trilogia de Aly Muritiba caiu nas graças da crítica por sua linguagem simples e direta, mas ao mesmo tempo cheia de arquétipos, traço que garante a comunicação com diferentes públicos. Com foco em dramas pessoais e no cotidiano, cada filme expõe um ângulo diferente da mesma questão: prisioneiros empilhados em condições miseráveis e carências extremas.
"É apenas uma minoria que não presta"
O acaso e a paixão parecem ter norteado a sinuosa trajetória do baiano Aly Muritiba. Ele passou por São Paulo, se formou em história, apaixonou-se por uma paranaense e se mudou com ela para Curitiba. Em 2006, desempregado e sem opções, ingressou no sistema carcerário. "Foi o primeiro concurso público que apareceu. Não acredito que alguém tenha vontade de trabalhar como agente penitenciário".
Seis meses depois de começar a trabalhar nos presídios passou a estudar cinema e a filmar curtas-metragens. Permaneceu no cargo durante sete anos (dois em licença não remunerada para filmar). Muritiba contou que a ideia de fazer a trilogia veio do choque que sentiu ao perceber os contrastes latentes entre a realidade que vivia nas prisões e a imagem superficial que assistia até então no cinema.
"Quando comecei a conhecer as coisas por dentro, mantendo contato com presos, familiares e outros agentes penitenciários, começou a me chatear a grande quantidade de estereótipos em filmes brasileiros sobre o tema", afirmou Muritiba. O que mais incomodava o emergente diretor baiano radicado em Curitiba era o tratamento dado aos agentes, em geral, representados como vilões. "Na realidade é apenas uma minoria que não presta".
Foi então que decidiu fazer um filme sobre os agentes, mas faltavam recursos e mais intimidade com os personagens. Os dois primeiros filmes foram uma espécie de preparação para o longa que fecha a "Trilogia do Cárcere" e que colocou o cinema curitibano no badalado circuito da produção cinematográfica nacional.
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