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DiCaprio e Scorsese fazem humor com degradação em "O Lobo de Wall Street"

Gabriel Mestieri

Do UOL, em São Paulo

23/01/2014 18h12

No ano em que fez 26 anos, Jordan Belfort, personagem interpretado por Leonardo DiCaprio em "O Lobo de Wall Street", ficou muito "irritado". Isso porque, no período de 365 dias anteriores, ele ganhou apenas US$ 49 milhões de dólares, ficando a US$ 3 milhões de poder dizer que faturou US$ 1 milhão a cada uma das 52 semanas do ano.

A declaração demonstra bem a extravagância do protagonista do novo filme de Martin Scorsese ("Taxi Driver", "Touro Indomável"), que estreia nesta sexta-feira (24) nos cinemas brasileiros. Com uma das performances mais ousadas de sua carreira, DiCaprio interpreta um ensandecido investidor do mercado financeiro que não tem pudores em enganar as pessoas para garantir a si mesmo um estilo de vida de dar inveja a um rock star.

Logo no início do filme, Belfort aprende de um superior (Matthew McConaughey) como se dar bem no negócio. Em um mundo onde nada existe de verdade, afinal o dinheiro negociado pelos grandes bancos de investimento mundo afora é virtual, ganha quem vender melhor seu produto --no caso, a promessa de enriquecimento a investidores com grana real.

Inalar doses cavalares de cocaína e se masturbar bastante também ajuda, ainda segundo o ótimo personagem de McConaughey, que faz uma breve mas deliciosa aparição no começo do longa.

Belfort aprende rápido e, após ser demitido da firma onde começou a carreira durante a crise da "segunda-feira negra" de 1987, passa a trabalhar em uma corretora que opera fora do pregão oficial, vendendo a pessoas de baixa e média renda ações de empresas de fundo de quintal.

Como opera pelas beiradas do mercado financeiro, a empresa é o local ideal para Belfort se aperfeiçoar ainda mais na arte de vender ilusões e juntar as economias necessárias para fundar sua própria empresa. Com a Stratton Oakmont, Belfort transfere para o coração de Wall Street o esquema que montou na periferia da indústria. Para isso, alia-se a Donnie Azoff (Jonah Hill, de "É o Fim") e mais uma meia dúzia de pequenos criminosos.

A cabelereira que havia sido parceira de Belfort até então (Cristin Milioti) também não serve mais para ser a mulher do protagonista e é substituída pela deslumbrante Naomi (Margot Robbie, de "Questão de Tempo").

A sucessão de cenas de sexo com prostitutas, sadomasoquismo, consumo excessivo de drogas e diversão com a degradação humana (Belfort arremessa anões um alvo e dá dinheiro a uma funcionária para que raspe o cabelo durante o expediente, no melhor estilo "Pânico") fazem com que o conteúdo de "O Lobo de Wall Street" seja um mais pesados vistos em filmes de Scorsese, embora a impressão ao sair da sala não seja essa.

Um tom humorístico permeia todo o longa, fazendo com que o espectador sinta mais empatia (e até uma ponta de inveja) do que nojo pelas ações do personagem de DiCaprio. Fazer o espectador se divertir, para Scorsese, parece ser mais importante do que julgar e apontar o dedo, o que acabou gerando questionamentos de que o diretor fez um filme que vangloria as atitudes do anti-herói, ou de que ele teria se deixado enganar pelo Belfort real, autor do livro que foi adaptado por Terence Winter (que já foi roteirista de "Família Soprano" e criou "Boardwalk Empire") para as telas. Nada seria mais chato, entretanto, que um "Lobo", sisudo, acompanhado por uma moral da história.

Afinal, como seria possível tentar contar sem humor e com tom moralista a história de um investidor de Wall Street que inala cocaína da bunda de uma prostituta, xinga agentes do FBI após tentar, sem sucesso, suborná-los, e rasteja pelo chão para tentar chegar a sua Ferrari branca após uma intoxicação por calmantes?

"O Lobo de Wall Street" é sobre um investidor do mercado financeiro, mas poderia ser um filme de gângster, caso os personagens usassem armas.

Todos os elementos que fizeram de Scorsese uma referência em filmes de máfia --como "Os Bons Companheiros" (1990) e "Cassino" (1995)-- estão presentes em "Lobo". Há um anti-herói hedonista movido a drogas, uma esposa troféu que inevitavelmente acabará brigando feio com o protagonista, além de agentes do FBI sempre à espreita.

Até mesmo as expressões de DiCaprio, cuja sintonia com Scorsese melhora a cada filme e permite que ele tenha total liberdade para atuar, lembram as de Ray Liotta em "Os Bons Companheiros" (1990). Talvez até pela semelhança entre os personagens, é impossível não se lembrar do acelerado e suado traficante mafioso interpretado por Liotta ao ver DiCaprio retomando a força após despejar um frasco de cocaína no nariz, inspirado por uma cena de Popeye que passava na TV.