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Karim Aïnouz leva a Berlim filme com personagens heroicos e vulneráveis

O diretor cearense Karim Aïnouz - Paulo Pinto/Estadão Conteúdo
O diretor cearense Karim Aïnouz Imagem: Paulo Pinto/Estadão Conteúdo

Gabriel Mestieri

Do UOL, em São Paulo

06/02/2014 09h06

Após seis anos sem um filme na disputa pelo Urso de Ouro, o Brasil está de volta à competição oficial do Festival de Berlim, que começa nesta quinta-feira (6), com o novo longa de Karim Aïnouz, "Praia do Futuro". Diretor de "O Céu de Suely" e "O Abismo Prateado", dois filmes que tratam do abandono sob a perspectiva de mulheres, o cineasta volta ao tema, dessa vez com personagens masculinos e com ares de super-heróis, ainda que vulneráveis.

Em "Praia do Futuro", o ator Wagner Moura ("Tropa de Elite") interpreta Donato, um heroico salva-vidas que trabalha na praia de mesmo nome, em Fortaleza (CE). Depois de não conseguir salvar uma vítima pela primeira vez na carreira, Donato conhece um amigo do afogado, o motoqueiro alemão Konrad (Clemens Schick), e parte em busca de uma nova vida no país europeu. Para trás, deixa o irmão, Ayrton (Jesuíta Barbosa), que o tinha como ícone. Oito anos depois, Ayrton parte para Alemanha em busca do irmão mais velho.

"Meu pai foi embora quando eu era recém-nascido. É um negócio que está presente na minha vida e não tem como me desfazer disso", diz Aïnouz, em entrevista ao UOL, sobre o fato de o tema ser recorrente em sua filmografia. "Todo mundo tem suas falhas trágicas e são elas que alimentam teu trabalho como artista. São perguntas que ficam te cercando e a cada trabalho você responde a ela de um jeito diferente", argumenta.

O diretor colocou dessa vez homens no centro da questão sob a justificativa de inovar a aventura. "Fiquei com muita vontade de fazer filme de outro universo, que falasse de homem, que falasse de corrida, de perigo, de moto, de gente que quebra a cara", diz. "Comecei a me repetir um pouco com personagens femininos e acho que cada filme tem que ser aventura nova, que faça o olho brilhar". Ainda assim, o filme não deixa de ser sensível. "A vulnerabilidade dos personagens dá delicadeza a ele", afirma.

Mais do que homens, os personagens de "Praia de Futuro" são quase super-heróis, graças a uma ideia de Felipe Bragança, corroteirista do filme ao lado do diretor, de associá-los às figuras de Aquaman (Donato), Speed Racer (Ayrton) e Motoqueiro Fantasma (Konrad). "É como uma outra camada que dá vida a universo visual do filme e que cria possibilidade de metáforas", afirma, sobre as referências.

Os heróis de Aïnouz, entretanto, têm vários pontos fracos. "Queria fazer filme sobre salva-vidas que fosse meio vulnerável, que não fosse o que a gente imagina, que fosse humano. Todo salva-vidas é super-herói humano", opina.

O diretor, que vive atualmente em Berlim, conta que o filme foi "gestado" enquanto viveu pela primeira vez na cidade, em 2004, após dirigir "Madame Satã", seu primeiro filme, e enquanto escrevia o roteiro de "Céu de Suely". "É um lugar que está tentando se entender, tentando entender qual seu futuro. Berlim tem um ambiente criativo muito bonito", diz.

Para ele, a história de dois irmãos que se reencontram é "muito parecida com a da cidade", cujas metades se reuniram depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, após quase três décadas de separação. "Com isso vem uma porção de coisas pessoais como qualquer filme tem", diz.

O fato de o cineasta nunca ter tido um irmão, segundo ele próprio, contribuiu para sua vontade "de falar de um assunto que é universal", mas que nunca viveu. "Cinema às vezes tem disso, de viver uma experiência. Nunca vou ter irmão. Já foi. Mas posso imaginar como seria isso", diz.

A "descoberta" de Jesuíta

Sobre o novo "ator-sensação" do cinema e da TV brasileira, Aïnouz conta que a "descoberta" de Jesuíta Barbosa ocorreu após pesquisa de elenco de dois anos feita por Armando Praça, diretor que trabalhou na produção do filme no Brasil.

"Era muito importante que fosse um ator cearense, por conta do jeito de falar, de se movimentar. Era importante que esse menino chegasse aqui já falando 'arretado'", conta. Após pré-seleção de 10 candidatos feita por Praça, Aïnouz foi a Fortaleza para a última etapa da escolha. "Quando o Jesuíta saiu da sala de testes era claro que tinha que ser ele. Ele tinha uma magia, um mistério, um negócio esquisito", diz.

Concorrentes

Coprodução Brasil-Alemanha, o longa, nas palavras do diretor, é um "filme brasileiro filmado fora do Brasil". No Festival de Berlim, onde terá sessão com tapete vermelho na segunda-feira (10), o filme enfrentará concorrentes de várias partes do mundo, mas sobretudo da Alemanha e da China. 

Destacam-se na disputa ao Urso de Ouro o filme "Boyhood", de Richard Linklater ("Antes do Amanhecer"), "The Grand Budapest Hotel", de Wes Anderson ("Moonrise Kingdom"), e "Aimer, boire et chanter", do veterano Alain Resnais. "É uma seleção bacana porque é arriscada. Tem apostas em nomes novos e em filmes de diretores que já vêm dirigindo há muito tempo, mas que estão pela primeira vez em competição", diz. "Acho que tem uma mistura com frescor", completa.

Prédio que fala

Além de "Praia do Futuro", Aïnouz tem outro projeto que participa do Festival de Berlim, o "Cathedrals of Culture". Com seis segmentos de 26 minutos cada, o projeto, idealizado por Win Wenders, é um documentário sobre prédios que se destacam pela arquitetura.

Aïnouz ficou responsável pelo Centro Pompidou. Rodado em 3D, formato com o qual até então o diretor tinha preconceito, o filme mostra o prédio como se fosse um personagem – inclusive com falas.

Após a experiência, o diretor diz que mudou de ideia sobre o 3D. "Os americanos pegaram o 3D como um plus para os filmes e foram estragando o negócio. Então eu tinha preconceito", argumenta. "É uma mídia nova, a gente tem que brincar com ela", completa.

O diretor, que pretende "brincar" outra vez com a nova técnica, diz que ainda não decidiu qual será seu próximo projeto. "Tem um com Wagner sobre um pastor evangélico, tem outro que estou desenvolvendo há alguns anos que se passa no Japão", revela. "Tenho vontades, mas não sei direito qual será o próximo", afirma.