"12 Anos" é "melhor filme" sobre escravatura por falta de concorrência
Os Estados Unidos são governados por um presidente negro (Barack Obama). São a terra de dois dos maiores líderes afro-descendentes de que se tem notícia: Martin Luther King e Malcolm X. Têm artistas e entertainers do porte de Spike Lee, Oprah Winfrey, Beyoncé e Denzel Washington. Mas não consegue se resolver com sua história de intolerância racial.
Foi preciso que um cineasta inglês atravessasse o Atlântico para que a trajetória do norte-americano Solomon Northup --homem nascido livre, mas transformado em escravo-- pudesse ser contada. "12 Anos de Escravidão" só saiu do papel depois que um grupo de britânicos resolveu combater a incapacidade que o cinema dos Estados Unidos tem quando o assunto é a escravatura.
Os Estados Unidos fazem longa-metragens há cem anos e até hoje não haviam conseguido realizar um trabalho de excelência sobre o assunto. E o problema não é apenas qualidade, mas quantidade. Poucos filmes americanos têm a escravidão como tema central.
As listas de produções, melhores ou não, sobre o assunto geralmente circulam a partir de um universo de 15 a 20 títulos, entre eles "Raízes" (uma série de TV), "Mandingo", "Tempo de Glória", "Bem Amada" e até "Django Livre", abrindo inclusive várias exceções para longas que apenas tocam no tema, sem se dedicar exatamente a ele, como o recente "Lincoln", de Steven Spielberg, e o clássico "...E o Vento Levou", de Victor Fleming.
Trailer legendado de "12 Anos de Escravidão"
O diretor Steve McQueen não apenas tomou a iniciativa de se lançar sobre o assunto como se aproveitou de uma vergonhosa lacuna na filmografia americana. Nem cineastas conhecidos por abraçar a questão étnica, como Spike Lee ou John Singleton, se aventuraram sobre o assunto, preferindo temas mais atuais. Os elogios rasgados a "12 Anos de Escravidão", que vem sendo classificado como o melhor filme já feito sobre o assunto, têm sua pertinência, embora o longa seja o mais convencional de um cineasta formal e tematicamente ousado, para o bem ou para o mal.
Os três atores indicados ao Oscar 2014 estão bastante corretos, mas não guardam grandes cenas. Michael Fassbender é o que empresta mais nuances para seu senhor de escravos, enquanto Chiwetel Ejiofor não faz muito para dar mais corpo ao drama de seu Solomon. A jovem Lupita N'Yongo reproduz um estilo de interpretação no estilo "força da natureza" que funciona muito bem, mas não é nenhuma novidade. Sarah Paulson, por exemplo, não foi lembrada por nenhum prêmio de críticos, mas está tão bem quanto qualquer um do elenco. O ponto realmente negativo é a entrada de Brad Pitt em cena, com um personagem óbvio e didático.
O longa é um trabalho sério, tecnicamente e plasticamente muito bem realizado, envolvendo vários talentos, mas o impacto do filme deixa bastante a desejar para quem teve a experiência de assistir aos folhetins escravagistas que a teledramaturgia brasileira produziu. As famosas cenas de violência só são melhor filmadas, mas seu conteúdo não guarda grandes diferenças do que vimos em "A Escrava Isaura" ou "A Força de um Desejo".
Embora seja um bom filme, "12 Anos de Escravidão" só se tornou "o melhor filme sobre a escravatura" porque não tem concorrentes a altura. Nada produzido até agora teve a mesma relevância, um primeiro time de realizadores envolvido ou aclamação crítica.
Num ano com condições normais de temperatura e pressão, dificilmente perderia o Oscar, mas seus principais rivais têm crescido e a caravana dos ingleses, embora ainda guarde muitas chances, pode voltar para casa sem a coroa pela ousadia de contar uma história americana.
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