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Em 2014, Oscar decidiu premiar o filme mais importante, mas não o melhor

Geopolítica dramática: Lupita nasceu no México, cresceu no Quênia e se graduou nos EUA - Reprodução/Variety
Geopolítica dramática: Lupita nasceu no México, cresceu no Quênia e se graduou nos EUA Imagem: Reprodução/Variety

Roberto Sadovski

03/03/2014 07h00

"Parabéns a Lupita Nyong'o em sua vitória no Oscar. Você é o Orgulho da África." Uhuru Kenyatta, presidente do Quênia, correu para o Twitter quando sua conterrânea ganhou a estatueta por "12 Anos de Escravidão". Isso mostra o alcance que o filme de Steve McQueen tem em um mundo que supostamente ainda abriga mais de 20 milhões de escravos.

O século 21 ainda precisa alcançar a utopia sonhada por Gene Roddenberry em "Jornada nas Estrelas". Se o alcance global do Oscar de melhor filme para "12 Anos de Escravidão" ajudar a jogar uma luz nessa questão, bom para todos. Certo?

O problema é que estamos falando de cinema, e não de geopolítica. O Oscar decidiu premiar o filme mais "importante", e não o melhor filme.

"Gravidade" fechou a noite com seis estatuetas. Todas técnicas. E uma importantíssima, para o diretor Alfonso Cuarón. Ele é o primeiro diretor latino americano a ganhar um Oscar, mas isso não é importante: o que vale aqui é o legado que Alfonso deixa com "Gravidade", os avanços na engenharia de fazer filmes, aliado a uma narrativa enxuta.

"Gravidade" não é um "filme sobre coisas", não quer jogar luz em cima de polêmicas, não tem nenhuma pretensão em ser... importante. "Gravidade" é cinema. O melhor cinema produzido no planeta ano passado.

A cerimônia do Oscar, então, foi marcada pela balança de "12 Anos de Escravidão" e "Gravidade". "O Lobo de Wall Street" saiu da festa sem nenhum prêmio. "Trapaça", há alguns meses alçado a grande favorito, o que entraria em meio à disputa espaço X escravidão, também não levou nada.

É a natureza da fera, e em nada diminui os méritos de David O. Russell e sua trupe cada vez mais volumosa de atores incríveis.

Comandando a cerimônia, Ellen DeGeneres demorou a engatar. Abusou do humor "somos todos bons companheiros" ao aparecer em meio aos convidados à exaustão. Pediu pizza (Brad Pitt devorando uma fatia é uma imagem para guardar), contou piadas sem graça e engatou uma segunda marcha quando tirou a "selfie" mais compartilhada da história, com Bradley Cooper, Meryl Streep, Kevin Spacey e Jared Leto sorrindo como se estivessem no meio de um churrasco da firma. Daí ela relaxou e a festa não engastou até o fim.

A indústria aproveita o Oscar para lamber a cria mais lucrativa. A Disney faturou horrores com o ótimo "Frozen - Uma Aventura Congelante", que ficou com o prêmio de melhor animação, batendo "Vidas ao Vento", de Hayao Miyazaki, um drama seríssimo, polêmico, sensível, ousado e um pouco além do que é percebido como animação pela Academia conservadora.

Mas "Frozen" é uma vitória total, batendo US$ 1 bilhão nas bilheterias usando a fórmula eterna da Disney: princesas, canções (também levou com a emocionante "Let It Go"). Se a zebra surgiu na cerimônia foi em categorias menos festejadas, como melhor documentário (o "Ato de Matar", excepcional, perdeu para "A Um Passo do Estrelato") e curta de animação ("Mr. Hublot" passou a perna no camundongo Mickey e seu "Get a Horse!"). De resto, foi o que estava em alta nas bolsas de aposta.

O que não é de todo ruim. Jared Leto fez um discurso emocionante ao receber a estatueta por "Clube de Compras Dallas", aproveitando o pódio para chamar a atenção do mundo para os conflitos na Ucrânia e Venezuela (nada de Brasil e black blocs na mistura). Cate Blanchett foi divertida e eloquente como sempre, destacando o poder das mulheres no cinema e agradecendo ao elefante na sala, Woody Allen - aparentemente a polêmica em torno do diretor não arranhou as chances da atriz.

Matthew McConaughey é o caso da "volta por cima" que o cinema adora.

  • Lucy Nicholson/Reuters

    Oscar de melhor ator pontua reinvenção da carreira de Matthew McConaughey. de "Clube de Compras Dallas"

Lançado por Richard Linklater em "Jovens, Loucos e Rebeldes", cooptado por Spielberg ("Amistad") e Zemeckis ("Contato"), elevado à categoria de protagonista em "Tempo de Matar", ele caiu na vala da comédia romântica e parecia destinado ao esquecimento se não fosse um replanejamento de carreira brilhante.

Trocou cheques gordos por filmes menores e melhores ("O Poder e a Lei", "Killer Joe", "Magic Mike", "Amor Bandido") e pavimentou o caminho para Clube de Compras Dallas. A maior prova de sua nova direção? Ele está na HBO com a série "True Detectives", e já está fazendo barulho!

E Lupita Nyong'o? Brilhante trabalho em "12 Anos de Escravidão", em cartaz no não tão brilhante "Sem Escalas" (com Liam Neeson), o futuro uma página em branco. Que seja mais Jennifer Lawrence e menos Mira Sorvino.