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Diretor de "Amélie Poulain" diz que até hoje paga preço pelo sucesso

O diretor Jean-Pierre Jeunet - Samir Hussein/Getty Images
O diretor Jean-Pierre Jeunet Imagem: Samir Hussein/Getty Images

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio

11/04/2014 17h59

Após estourar no filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2001), revelando a atriz Audrey Tatou como protagonista, Jean-Pierre Jeunet, 60, disse que até hoje “paga o preço” pelo sucesso.

“Na França, eu estou acostumado ao espírito cínico. Lá, se alguém faz sucesso, te odeiam. Eu tive um grande sucesso com Amélie e, após isso, tive que pagar. As pessoas na França não gostam de sucesso e me senti tendo que pedir desculpas”, admitiu ao UOL Jeunet.

O diretor francês conversou com o UOL no Rio de Janeiro durante a quinta edição  do Festival Varilux de Cinema Francês, realizado entre 9 e 16 de abril em 45 cidades brasileiras.

Perguntado se sente-se incomodado por ser lembrado como aquele que dirigiu "Amélie Poulain" treze anos depois de sua estreia, Jeunet disse que ainda não, mas comentou que ficou surpreso pela grande proporção que o filme tomou. “Me sinto um sortudo. Foi um filme muito pessoal que teve um grande sucesso".

"Este é um sonho para todo criador. Sei que é apenas uma vez na vida, eu sabia disso quando fiz 'Amélie'. O sucesso foi aos poucos, passo a passo, não foi de um dia para o outro, ocorreu ao longo de seis meses. Acho que, se fosse tudo em um dia só, eu morreria”, riu.

Se tivesse a oportunidade de filmar de novo, Jeunet afirmou que mudaria apenas uma pequena parte do filme. “Nada é perfeito, quando o filme termina, está terminado e você começa já a pensar no próximo. Mas exceto uma tomada, eu gostaria de retirar a cena em que ela (Tatou) faz o Z de zorro. Não sei por quê nunca gostei dessa cena, queria cortá-la na edição, mas o meu editor não deixou na época”, lembrou.

Jeunet admitiu ser econômico e raramente deixar de fora da edição as cenas gravadas. “Prefiro antes trabalhar no papel, não é tão caro assim. Não sou do tipo de diretor que corta uma hora ou 40 minutos do filme. É a razão que nos meus DVDs nunca há cenas extras. Em geral uso tudo”, salientou.

Cena de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", de Jean-Pierre Jeunet - Divulgação - Divulgação
Audrey Tatou em cena de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", de Jean-Pierre Jeunet
Imagem: Divulgação

Audrey Tatou

Jean-Pierre Jeunet foi o responsável por revelar Audrey Tatou ao mundo do cinema. Ele conta que a primeira intenção era ter Emily Watson como protagonista, mas a atriz recusou o papel por razões pessoais. “Então tive que fazer um teste de elenco, me senti um pouco envergonhado por isso. Acho que Audrey foi a segunda atriz que encontrei. E, em 10 segundos, eu sabia que tinha Amélie. Eu estava quase chorando”, contou.

Para o diretor, não é fácil explicar a sensação que é a de descobrir um novo talento. “Eu tinha o espírito da Amélie na minha mente e, de repente, ela estava na minha frente. Era o que eu estava procurando, não sei, algo como uma mágica. Difícil explicar, foi instintivo”.

Para ele, é sempre um momento muito emocionante. “Quando no final você tem o ator certo, às vezes você vê dezenas de atores até encontrar. Quando a pessoa certa está na minha frente, meu coração dispara”, descreveu.

Trailer de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain"

“Uma Viagem Extraordinária”

Jeunet veio ao Brasil para a divulgação de seu novo filme “Uma Viagem Extraordinária” (L'Extravagant voyage du jeune et prodigieux T.S. Spivet), com Helena Bonham Carter, Judy Davis, Callum Keith Rennie e Kyle Catlet como protagonista.

A aventura fantástica é uma adaptação do livro “O Mundo Explicado por T.S. Spivet”, de Reif Larsen, que conta a história do pequeno menino de apenas 10 anos, T.S. Spivet, que vive num rancho isolado de Montana, nos Estados Unidos. O garoto superdotado é apaixonado por ciência e inventa a máquina de movimento perpétuo, garantindo-lhe um prêmio muito prestigioso. Sem dizer nada à família, ele parte sozinho para buscar sua recompensa e atravessa os EUA num trem de carga.

Jeunet viu na obra literária o mesmo espírito que busca em seus filmes e logo imaginou fazer o longa em 3D. Outra surpresa foi encontrar a mais nova revelação, o pequeno ator Kyle Catlet, para protagonizar T.S Spivet.

“Kyle Catlet é um vencedor mundial de artes marciais e fala cinco línguas, é tão inteligente. Era capaz de chorar só ao meu comando, mesmo fazendo quatro tomadas, ele conseguia chorar. É excepcional e queria saber de tudo no set de filmagem, toda a técnica. Ele era, de fato, o TS Spivet”, comentou.

Liberdade para filmar

O filme foi rodado grande parte no Canadá durante 15 semanas, em 2012. Apesar de ser uma história tipicamente americana, Jeunet admite que optou por filmar fora dos EUA. “Algo muito importante para mim é a liberdade e, para manter a minha liberdade, fiz uma coprodução franco-canadense. É um filme francês filmado em Montreal de uma história americana”.

O seu objetivo era aproveitar o potencial de gravar em 3D para explorar cenas mais lentas. “Estudei muito 3D antes de filmar e funciona bem com filmes mais lentos, eles não ficam legais com filmes rápidos e de ação, o que é muito o caso de filmes americanos. Queria algo mais lento e contemplativo”.

No entanto, o diretor francês afirma que apesar desta ter sido sua primeira experiência com 3D, será também a última. “É muito decepcionante porque muitos cinemas exibem o filme em péssimas condições, com óculos ruins. Eu aconselho ver o filme em 3D de verdade, é muito melhor. É também muito caro e complicado filmar. Sem contar que fazem hoje conversões ruins para o 3D”, criticou.

Jeunet, como um típico francês, se diz exigente e quer ter o controle de todo o processo de filmagem, inclusive na hora da edição. Ele afirma ser muito rígido  na finalização de suas obras. “Quero ter liberdade na hora da edição, ter o poder da decisão, sou completamente responsável pelo meu filme, nunca fiz nenhuma concessão. Mas no final, você nunca consegue mesmo evitar os americanos”, disse.

Filme como uma pintura

Fazer um filme, em sua opinião, é como se fosse o ofício de um pintor. “É uma pintura. Meus filmes são vendidos para o mundo todo e não é por acaso, são muito visuais e emocionam. São com cores especiais, me sinto como um pintor. Dizem que meus filmes são diferentes, não são normais. Mas eu, como pessoa, sou muito normal e chato”, brincou.

Apesar de já ter dirigido “Alien, a Ressurreição” (1997), Jeunet prefere optar por filmes mais distantes do mainstream da indústria cinematográfica americana. “Já fiz um grande filme de Hollywood, foi uma experiência interessante, mas prefiro ter liberdade e escrever as minhas próprias histórias”, ressaltou.

Depois de “Uma Viagem Extraordinária”, que deve estrear em maio no Brasil, os fãs de Jeunet terão que esperar pelo menos três anos para ver seu próximo filme. Ele já está em fase inicial de preparação do roteiro, mas ainda não revela detalhes da história.

“Estou começando a pensar em fazer filmes não tão caros. Em geral, meus filmes são muito caros e tem sido difícil conseguir recursos. Acho que posso fazer coisas lindas, mas mais baratas. O mais difícil é encontrar uma boa história. Se encontrar alguma história boa no Brasil, por que não filmar aqui?”, indagou.

Para ele, “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles, está entre os seus 10 filmes favoritos. “É uma obra de arte, pela forma de narrativa, beleza dos enquadramentos e os atores são incríveis”, disse.