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Dançarino do "Esquenta" encenou a própria execução em curta-metragem

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

23/04/2014 11h14Atualizada em 23/04/2014 15h03

O dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, encontrado morto nesta terça-feira (22) na comunidade Pavão-Pavãozinho, na zona sul do Rio de Janeiro, encenou a própria morte em um curta-metragem filmado de junho de 2013. No filme "Made in Brazil", que tem seis minutos e foi exibido em um festival em Nova York que revela novos talentos, DG interpreta ele mesmo sendo morto por policiais militares.

O diretor do curta, Wanderson Chan, disse ao UOL que conheceu DG quando buscava um jovem da comunidade para mostrar a realidade das favelas cariocas. "Um amigo disse que conhecia um dançarino do 'Esquenta' muito gente boa." Chan contou que também escolheu DG para o curta porque queria falar sobre a Copa do Mundo, e o jovem também tinha o sonho de ser jogador de futebol. "Ele chegou a jogar profissionalmente por um tempo", disse ele. Segundo o diretor, tudo o que acontece no curta é real, como a cena que mostra DG caminhando pela comunidade, quando é parado por um pastor evangélico. A única cena fictícia é a da execução.

Na vida real, DG foi encontrado morto dentro de uma escola municipal no morro Pavão-Pavãozinho, em Copacabana. A mãe, identificada como Maria de Fátima, disse que ele não morava na comunidade e havia ido até lá para visitar a filha. Segundo laudo do IML, a causa da morte foi "hemorragia interna decorrente de laceração pulmonar decorrente de ferimento transfixante do tórax. Ação pérfuro-contundente". O documento foi obtido pela emissora e exibido no "Jornal da Globo".

Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG do "Esquenta", encenou a própria morte no curta "Made in Brazil" - Reprodução/YouTube - Reprodução/YouTube
Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG do "Esquenta", encenou a própria morte no curta "Made in Brazil"
Imagem: Reprodução/YouTube
Em nota divulgada, a Polícia Civil informou que a análise do IML mostrou que as escoriações eram "compatíveis com morte ocasionada por queda". A mãe de DG contestou a versão: "Ele não caiu, ele estava machucado. Tinha marcas de chutes nas costas, nas costelas".

"[Policiais Militares] bateram nele e, quando viram que era um menino da 'Globo', tentaram esconder o corpo. Meu filho seria mais um Amarildo se não tivessem visto o corpo dele", afirmou. A família de Douglas acredita que ele tenha sido espancado por policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora).

Indignado, o cineasta Chan disse que acredita na versão da família e dos moradores. "Se eles dizem que ele não caiu, eu acredito. Chan conhecia aquele lugar como a palma da mão. Essa história está muito mal contada", afirmou. "Quando fiquei sabendo da morte dele, não acreditei. Claro que fiz um filme sabendo que isso acontece toda hora, mas nunca imaginei que fosse com alguém tão bom. Quando o conheci, tive a impressão de que ele era o cara mais feliz do mundo, que ganhava milhões." 

À reportagem, o diretor ainda contou que Douglas tinha um projeto de gravar um videoclipe com as crianças da comunidade. No vídeo, DG iria cantar e dançar. "Ele queria mostrar para as crianças da comunidade o trabalho dele, para que elas se inspirassem." 

Regina Casé, apresentadora do programa "Esquenta",  se manifestou por meio de sua conta do Facebook sobre a morte do dançarino: "Eu estou arrasada, e toda a família 'Esquenta' está devastada com essa notícia terrível. Uma tristeza imensa me provoca a morte do DG, um garoto alegre, esforçado, com vontade imensa de crescer. O que dizer num momento desses? Lamentar claro essa violência toda que só produz tragédias assim. Que só leva insegurança às populações mais pobres do país".

A morte de Douglas provocou protestos na comunidade, e houve confronto entre PMs e manifestantes. Os manifestantes fizeram barricadas de fogo --pelo menos um carro foi incendiado. Com isso, a avenida Nossa Senhora de Copacabana precisou ser interditada. O comércio local fechou as portas. Policiais militares do 23º Batalhão (Leblon) foram acionados para conter a revolta dos moradores. O principal foco de confronto se deu em um dos acessos à favela.