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Livre da namoradinha, Regina Duarte estreia suspense e teme novo rótulo

6.mai.2014 - Regina Duarte na sala de seu apartamento nos Jardins - James Cimino/UOL - James Cimino/UOL
Regina Duarte na sala de seu apartamento nos Jardins; atriz é fã de Björk e Lars von Trier
Imagem: James Cimino/UOL

James Cimino

Do UOL, em São Paulo

15/05/2014 09h09

Esqueçam-se da namoradinha do Brasil, das Helenas, da viúva Porcina. Quem for ao cinema para assistir “Gata Velha Ainda Mia”, suspense psicológico dirigido pelo estreante Rafael Primot, verá Regina Duarte desconstruída, descabelada, amarga, sedutora, ameaçadora e sem uma de suas principais marcas: o amplo e sonoro sorriso.

O longa-metragem marca uma nova fase na carreira da atriz que começou com sua interpretação de Clô Hayalla, em “O Astro” (2011), passando por Jaki da peça “Bem Vindo, Estranho” (2013) e, agora, com Glória Polk, uma escritora feminista que não publica nada há quase duas décadas e que, durante uma entrevista, trava um jogo de sedução e terror com a jornalista Carol, interpretada por Barbara Paz.

“Espero não ter que me livrar de outro rótulo como eu tive que fazer com a namoradinha, que me prendeu a um só papel. Porque essas três personagens são parentes. Então eu começo a criar um certo pânico de que só me deem papeis de mulheres sem freios, desequilibradas, aprisionadas por certos distúrbios psíquicos e pela carência. Elas estão envelhecendo e buscam a desforra da vida.”

O temor vem também pelo excesso de referências que a personagem tem. Todas propositais, segundo conta o diretor, sendo que algumas são textualmente citadas, como Norma Desmond (Gloria Swanson em “Crepúsculo dos Deuses”, de 1950), Annie Wilkes (Kathy Bates, em “Louca Obsessão”, de 1990) e Maggie (Elizabeth Taylor em “Gata em Teto de Zinco Quente”, de 1958).

Gravado em apenas sete dias, o filme, que foi escrito para ser uma peça, tem um roteiro e uma atmosfera claustrofóbica (o longa todo se passa no apartamento de Glória) que remetem a “A Malvada” (1950), “Quem Tem Medo de Virgínia Woolf” (1966), “O que Terá Acontecido a Baby Jane” (1962) e até a “Monster” (2003), cuja interpretação de Charlize Theron serviu de inspiração para Regina. “É um tipo de filme que eu gosto de ver”, diz Rafael Primot.

Velhice, Björk e Lars Von Trier

O filme não deixa de ser, em certo ponto, autobiográfico. Ao chegar ao apartamento da atriz, nos Jardins (zona oeste de São Paulo), é possível ter um déjà vu da cena em que a repórter chega à casa da escritora e observa os detalhes do ambiente enquanto espera a chegada de sua entrevistada.

Assim como Glória Polk, Regina é uma acumuladora de bibelôs e souvenires. Em sua sala há de tudo: fotos dos cinco netos, brinquedos, DVDs que vão da novela “Selva de Pedra”, estrelada por ela e Francisco Cuoco em 1972, à inglesa “Downton Abbey”.  Há também uma caixa de fotos de sua carreira com a etiqueta “material para fãs” e, entre diversas bonecas, uma da cantora islandesa Björk, de quem Regina se tornou fã após ver cinco vezes o filme “Dançando no Escuro”, de Lars Von Trier, a quem considera um “filósofo contemporâneo”. “Quando vou ver seus filmes, não vou para ver cinema, vou para ver uma tese.”

E, assim como Glória, Clô e Jaki, Regina Duarte, 67 anos de vida e 50 de carreira, também envelheceu. Ela diz que “teoricamente”, isso não assusta. Na prática, é diferente. “Dá um certo pânico, as juntas dão uma trincada na hora de abrir a mão. Não abre inteira, dói. Tem que fazer uns exercícios para azeitar o joelho. Mas tem um outro lado do envelhecimento que é maravilhoso. Porque você já viu vários filmes da vida. Te dá tranquilidade e segurança. Eu não preciso mais continuar diplomática para conseguir espaços e fazer o que eu quero, nem para dizer o que eu quero.”  

Dizer o que quer, significa, por exemplo, admitir que a "namoradinha do Brasil" atrapalhou sua carreira e que suas personagens pareciam adolescentes “fragilizadas pelo desequilíbrio hormonal”.

A atriz conta que a primeira vez que percebeu isso foi antes da novela “Fogo Sobre Terra” (1974/1975). Na época, pediu que Janete Clair lhe desse uma personagem diferente, uma mulher moderna e dona de seu nariz. O pedido foi atendido, mas a censura não gostou. Ordenou que mudasse porque aquela mulher “não condizia com a realidade das brasileiras”.

“De repente a personagem mudou. Ela, que era toda arrojada, decidida, combativa, passou a ter surtos. Ela tinha, na verdade, cegueiras psicológicas. Aí voltava a ser vulnerável, submissa. Não sabia que isso era culpa da censura. Agora olhando em retrospecto esse termo ‘cegueira psicológica’ me parece uma ironia da Janete com os censores.”