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Filme sobre Cauby e clássico do cinema marginal foram destaques da Cine OP

Imagem do documentário "Cauby - Começaria tudo outra vez", que relembra a vida e obra do ícone da música nacional - Divulgação
Imagem do documentário "Cauby - Começaria tudo outra vez", que relembra a vida e obra do ícone da música nacional Imagem: Divulgação

Carlos Minuano

Do UOL, em Ouro Preto (MG)

02/06/2014 16h30

O documentário “Cauby - Começaria Tudo Outra Vez” e o clássico do cinema marginal “Copacabana Mon Amour” foram destaques da 9° Cine OP. A mostra de cinema de Ouro Preto se encerra nesta segunda (2), após seis dias de uma programação intensa de filmes, seminários e debates, em vários espaços da charmosa e histórica cidade mineira.

A exibição de “Cauby - Começaria Tudo Outra Vez” (2013), de Nelson Hoineff (“Alô, Alô Terezinha”), aconteceu em uma noite fria na praça Tiradentes, em frente ao Museu da Inconfidência. Mas a baixa temperatura não afastou o público, que interagiu o tempo todo e aplaudiu com gosto no final. 

“É um filme afetivo sobre um dos maiores cantores do planeta”, avisou o diretor carioca, antes da exibição. “É um recorte não completo”, define. Segundo ele, não configura uma biografia, mas se concentra em características particulares do cantor. “Ele desafia o tempo de todas as maneiras”.

As inúmeras plásticas e os esforços para que a voz permaneça como no início da carreira nos anos 60, para Hoineff, demostram uma imensa capacidade de renovação. “Ele tem 83 anos, mas é apreciado por todas as gerações, até adolescentes”, ressalta. 

Para ampliar o foco nesse traço, o diretor coloca também em destaque um jovem de 15 anos, fã de carteirinha de Cauby. A receita de Hoineff é simples: “Faço filmes sobre coisas de que eu gosto”, afirma.

Ele admite ser o mesmo critério usado em outros filmes que dirigiu, como em “Alô, Alô Terezinha”, em que repassa de forma bem humorada a trajetória do célebre apresentador Chacrinha, ou em “Caro Francis”, sobre o controverso jornalista Paulo Francis.

“Tem que divertir o espectador”, sublinha o diretor. “A ideia é que resultado fosse tão agradável quanto uma apresentação de Cauby”. Considerando a reação do público durante a gélida sessão em Ouro Preto, o filme parece ter atingido seu objetivo. “O documentário não pretende ser maior que o artista, meu desejo foi o de curtir o cantor, é ele quem brilha no filme”, argumenta Hoineff.

O longa, que deve estrear nos cinemas em dezembro, apresenta um mosaico de Cauby, composto por shows antigos e recentes, bastidores, além de depoimentos de artistas e amigos de diferentes circuitos da música brasileira, como Emílio Santiago (1946-2013), Agnaldo Rayol e Maria Bethânia.

Histórias curiosas também aparecem em entrevistas antigas resgatadas no filme. A Silvio Santos, Cauby conta o dia em que tentou não cantar “Conceição”. “Tive que cantar depois sob a mira de um revólver”, revela o cantor.

A canção aparece no filme em uma montagem que mistura apresentações de Cauby em diferentes fases. O documentário entra na intimidade do cantor, aborda assuntos delicados, mas revela um artista genuíno.

Sobre as experiências homossexuais na infância Cauby ameniza: “eram brincadeiras ingênuas”. Mas, quanto ao talento para a música, é incisivo: “Quando não canto por dinheiro, canto de graça”.

Cena do filme "Copacabana Mon Amour", de Rogério Sganzerla - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O cinema visceral de Rogério Sganzerla
Com foco na preservação, história e educação, a nona edição da Cine OP exibiu e homenageou filmes antológicos, de cortes mais  experimentais e ousados. A mostra resgatou obras proibidas e perdidas dos tempos da ditadura, dos cineastas Ricardo Miranda (1950-2014) e Rosemberg Filho, e apresentou filmes raros, como a versão restaurada do clássico “Copacabana Mon Amour”, do diretor catarinense Rogério Sganzerla (1946-2004), produzido por outro ícone do cinema marginal, Júlio Bressane.

O longa, filmado em janeiro de 1970, é considerado o precursor desse movimento de cineastas que ganhou o nome de "cinema marginal". A exibição no Cine Vila Rica, em Ouro Preto, foi sem duvida uma das sessões mais inspiradas da mostra. E teve a presença na plateia da protagonista Helena Ignez.

A atriz (e atualmente diretora) interpreta a loira oxigenada e alucinada Sônia Silk, que, com o irmão Vidimar (Otoniel Serra), transita por um Rio de Janeiro cheio de ‘fantasmas esfomeados’ – como são descritos no filme.

Em resumo, um balaio insano que envolve turistas, cafajestes, pais de santo, empresários e outros tipos numa obra cheia de signos políticos explosivos – sobretudo para a época.

Em plena ditadura militar no Brasil, a trupe de Sganzerla almejava com essa obra abrir novos caminhos e propostas para o cinema nacional.

“É o começo de tudo”, afirma Helena Ignez. “Deu inicio a um grande movimento, uma tentativa de fazer um cinema realmente brasileiro e engajado”. Além das experimentações narrativas, o filme conta com uma trilha belíssima e pouco conhecida composta por Gilberto Gil.

Ignez aproveita pra dizer que discorda do carimbo que o filme recebeu, de ‘cinema marginal’, categoria que, segundo ela, enquadra produções em geral muito mal feitas. “Copacabana é um filme cinemascope, com câmera na mão”, observa.

O longa “Copacabana” foi filmado durante 17 dias com uma câmera 35 mm e lente anamórfica, tecnologia que inovou tanto a filmagem quanto a exibiçãom por permitir abertura maior de imagem. “Nunca tinha sido feito no Brasil”, diz Ignez.

Além das canções de Gil, cânticos de candomblé, gritos e desespero embalam a incursão dos personagens por um Brasil profundo e trágico.

“Esse filme reflete o momento que vivíamos naqueles anos, ou seja, a pior das épocas, nossos amigos desaparecidos, um terror total”, descreve Ignez. “É um depoimento catártico de uma época, não realista, mas com grande força”.

Como já era de se esperar, apesar da proposta audaciosa e corajosa do filme, ele foi proibido e não teve lançamento comercial no Brasil. Apenas algumas exibições clandestinas no MAM do Rio, com o título de “Copacabana Exagerada” e “Copacabana Desvairada”.

A estreia de fato aconteceu em Londres, no mesmo período em que a trupe, composta por Sganzerla, Bressane e Ignez, deixa o país, após o encrudescimento da ditadura pós- AI-5. No Brasil, em 1996, a TV Cultura comprou e exibiu “Copacabana Mon Amour”. 

Cena do média-metragem "Poder dos Afetos", de Helena Ignez - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

“Poder dos Afetos”
Além de estar no elenco de algumas das melhores produções exibidas na Cine OP deste ano, Helena Ignez também dá o ar da graça na mostra como diretora, com sua ficção “Poder dos Afetos”, um media-metragem de 30 minutos, que tem Ney Matogrosso no elenco.

O filme, que estreou no Festival do Rio em 2013, segundo ela, já foi comparado pela crítica internacional a Glauber e Sganzerla. “Também há essa pergunta sobre quem é o brasileiro, mas de outra maneira, com mais cores e música”, observa Ignez.

Em breve, segundo ela, “Poder dos Afetos” deve se tornar o longa “Ralé”. “Estou captando, devo começar a filmar no segundo semestre”.