Topo

30 anos de "Gremlins": Uma celebração da anarquia e da paixão pelo cinema

Roberto Sadovski

Do UOL, em São Paulo

08/06/2014 06h00

As três décadas que nos separam do lançamento de "Gremlins" parecem irrelevantes. Tirando uma ou outra evidência tecnológica e estética de que a aventura pertence aos anos 80, o filme continua eletrizante, divertido e levemente assustador. "Levemente" porque a intenção do diretor Joe Dante --aqui produzido por Steven Spielberg e trabalhando com um roteiro de Chris Columbus-- nunca foi fazer um filme de terror explícito. Com suas criaturas descontroladas e o carinho pelo cinema B, "Gremlins" é uma celebração da anarquia e da paixão pelo cinema.

Na primeira metade dos anos 80, misturar comédia e terror era um negócio mais e mais popular. Misturar risadas e sustos não era novidade --"A Família Addams" já fazia isso na TV duas décadas antes. Este equilíbrio era um contraponto a produções do gênero igualmente populares, como "Sexta-Feira 13", em que o medo vinha acompanhado de uma pilha de corpos. "A Hora do Pesadelo", também lançado em 1984, apostava em um humor negro extremo. A proposta de "Gremlins", no entanto, era outra.

Chris Columbus concebeu a história inspirado no barulho constante que ratos faziam na escuridão de seu loft, emprestando o nome do termo cunhado por soldados na Segunda Guerra Mundial que atribuiam a criaturinhas falhas mecânicas em aviões --Roald Dahl, autor de "Charlie e a Fábrica de Chocolate", batizou um livro povoado por monstros anárquicos exatamente como "The Gremlins". Steven Spielberg leu o roteiro e o comprou no ato, chamando Joe Dante para dirigir.

Até então, a carreira de Dante estava associada à mais bem sucedida cópia de "Tubarão" que o cinema havia concebido: "Piranha". Após dirigir "Grito de Horror", filme com lobisonens que também se apoiava em humor negro, ele trabalhou ao lado de Spielberg, George Miller e John Landis em "Além da Imaginação - O Filme". Nas mãos de outro diretor, o roteiro de "Gremlins" teria gerado uma aventura muito mais violenta e sombria. Dante limou as cenas mais pesadas e fez algo impensado: conferiu a seus monstros a personalidade de adolescentes bagunceiros que tocam o terror quando deixados sem supervisão.

Três regras fundamentais
Não sem que antes eles surjam como criaturinhas fofinhas e adoráveis. É assim que o inventor Rand Peltzer (Hoyt Axton) compra, numa viagem a São Francisco, um mogwai. Peludo e fofinho, ele é o presente de Natal de seu filho, Billy (Zack Galligan, por quem Spielberg brigou para colocar no filme). Batizado de Gizmo, o mogwai logo se mostra um companheiro ideal, contanto que Billy siga três regras fundamentais: nunca expôr Gizmo à luz do Sol, nunca deixá-lo se molhar e, o mais importante, nunca o alimentar após a meia-noite.

"O conceito era absurdo de ponta a ponta", disse Dante recentemente em uma celebração das três décadas do filme. "Mas se você acreditasse nas regras, acreditaria no filme". Acidentalmente molhado, Gizmo se multiplica em outros mogwai, estes com personalidade mais violenta. E alimentados após a meia-noite, as criaturinhas passam de bichos felpudos a monstros de dentes afiados, que na noite de Natal tocam o terror, cabendo a Billy, sua quase namorada Kate (Phoebe Cates) e a Gizmo a tarefa de salvar a cidade.

O perigo real dos gremlins, que matam e destroem em grande escala, encontrava um contraponto em cenas absurdas, que os colocam dançando break num bar, zombando de canções de Natal ou reunidos num cinema assistindo a "Branca de Neve e os Sete Anões". Ainda assim, o filme era uma experiência mais intensa do que as aventuras juvenis da época, fazendo com que vários pais saíssem da sessão com seus filhos apavorados --o clímax, com o monstro-chefe derretendo ao Sol, é mesmo de assustar!

Ao lado de "Indiana Jones e o Templo da Perdição", lançado no mesmo ano, "Gremlins" foi responsável pela criação da restrição PG-13 no cinema norte-americano: nada tão violento que só adultos posam assistir, nem tão inocente que a pivetada possa conferir sem medo.

"Gremlins", ao fim das contas, foi um sucesso. Com um orçamento de US$ 11 milhões --mais do que Spielberg estava disposto a gastar, por sinal--, ele fechou 1984 como o quarto filme de maior bilheteria. À sua frente, "Um Tira da Pesada", "Os Caça-Fantasmas" (que havia estreado no mesmo fim de semana e com a mesma pegada de humor e terror) e "Indiana Jones e o Templo da Perdição".

Como o dinheiro dá as ordens, logo "Gremlins" foi imitado por uma legião de filmes com criaturas anárquicas como "Critters", "Ghoulies", "Hobgoblins" e "Munchies". Nenhum, porém, chegou perto da perfeição dos monstros de Joe Dante.