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Vindos da Broadway, atores de "Jersey Boys" exaltam lado musical de Clint

Eduardo Graça

Do UOL, em Nova York (EUA)

26/06/2014 06h00

Em seus mais de 40 anos de carreira como diretor, Clint Eastwood havia se aventurado no gênero musical apenas para contar a história do saxofonista de jazz Charlie Parker, no premiado "Bird" (1988), e em um episódio da série de documentários para a TV "The Blues" (2003). Agora, o "eterno durão" do cinema americano se volta para o pop e o rock com  "Jersey Boys: Em Busca da Música", que estreia nesta quinta (26).

O filme é uma adaptação do musical "Jersey Boys" da Broadway, que está em cartaz há dez anos.Tanto o espetáculo quanto o filme contam a história do Four Seasons, grupo musical formado nos anos 1960 que lançou o cantor Frankie Valli para o estrelato, ao lado de Nick Massi, Bob Gaudio e Tommy DeVito, os garotos de New Jersey do título. E as semelhanças com o musical não param na história: diferentemente do que costuma acontecer em Hollywood, Eastwood resolveu recrutar para seu filme três atores que já haviam passado pelo palco no espetáculo da Broadway: John Lloyd Young, no papel de Valli; Michael Lomenda, como Massi. e Erich Bergen, na pele de Gaudio. Só Vincent Piazza (DeVito) não participou de nenhuma das versões da peça.

Pode parecer estranho para alguns o diretor de "Os Imperdoáveis" e "Menina de Ouro" resolver comandar um musical sobre um grupo pop, mas, para os protagonistas do longa, isso foi muito natural. "Ele também é o diretor de 'Bird'! E fez de 'Jersey Boys' a biografia de uma banda, não a simples transposição de um musical do palco para o cinema", diz Lloyd Young.

Bergen, por sua vez, relembra outro aspecto que liga o diretor ao universo musical: "Clint é um fã ardoroso de jazz. Mas nem ele, nem nós, os atores, consideramos 'Jersey Boys' um típico musical de Hollywood. A gente nem usa a palavra musical. É um drama, centrado em um grupo pop".

Em entrevista ao UOL, os intérpretes de Valli e Gaudio comentam como se adaptaram dos palcos para o set, falam sobre a visão de Eastwood para o filme e relembram momentos com o diretor.

UOL - O interesse de Clint Eastwood por música em geral os ajudou a construir os personagens?

Erich Bergen - Ajudou muito, Clint é um fã ardoroso de jazz. Mas nem ele, nem nós, os atores, consideramos “Jersey Boy” um típico musical de Hollywood. A gente nem usa a palavra musical. É um drama, centrado em um grupo pop. Não é “Grease: Nos Tempos da Brilhantina”. Muito menos “Alô, Dolly!”. O que tínhamos de ter, introjetado em nosso sangue, era uma certa musicalidade. Nas palavras de Clint: sermos musicais.

John Lloyd Young - Isso me lembra que, em uma ocasião, tínhamos de filmar uma cena passada no apartamento de Frankie, na 5ª Avenida, ele já vivendo as glórias do sucesso. Havia um piano no set, e, entre uma cena e outra, silêncio quase total, porque era apenas um curto intervalo. Comecei a ouvir esta melodia vinda dos teclados. E eu sentia que conhecia aquela música, mas não conseguia identificá-la. Eu me virei, e lá estava o senhor Eastwood, no piano, sozinho, tocando sua própria composição para “Sobre Meninos e Lobos”. Quer um diretor mais musical do que este?

Ainda assim há o estranhamento de ver o nome do diretor de “Os Imperdoáveis”, “Menina de Ouro” e “Cartas de Iwo Jima” dirigindo um filme baseado em um musical da Broadway...

Lloyd Young - Mas ele também é o diretor de “Bird”! E fez de “Jersey Boys” a biografia de uma banda, não a simples transposição de um musical do palco para o cinema. Vejo “Bird” como a biografia de Charlie Parker por meio de Forrester Whitaker. Ou seja, Clint fez, ali, a biografia cinematográfica de uma banda de um homem só –e que homem!. Agora ele resolveu fazer de um grupo de música pop. Quer outros elementos eastwoodianos presentes em “Jersey Boys”? Os meandros da Costa Leste em “Sobre Meninos e Lobos”, o companheirismo entre amigos em “Iwo Jima” ou em “Bronco Billy”, que é também uma homenagem, aliás, à música country. Para mim, ele é a única pessoa que poderia dirigir este filme, justamente por conta de seu currículo. Para mim, o único porém das filmagens é que seriam 40 dias, que acabaram terminando dois dias antes, e não tivemos mais tempo para desfrutar da companhia dele. Ele estava radiante, muito feliz de fazer o filme.

Quais as principais diferenças na atuação do musical e do flme?

Bergen - O cachê! (risos)

Lloyd Young - Verdade (rindo). E o roteiro é bem similar ao do musical. Quando começamos a filmar, eu me pegava me beliscando, porque são quase as mesmas falas. No entanto, um é completamente diferente do outro. A principal mudança é que, no cinema, a interpretação é mais sutil. No teatro, a pessoa sentada na última fileira precisa ver e ouvir você da mesma maneira que a primeira. Você entra na mente destes quatro personagens de uma forma muito mais imediata. É como uma viagem, especialmente para quem viu o musical, pelos bastidores, pela cabeça destes quatro músicos.

Trailer legandado de "Jersey Boys: Em Busca da Música"

E cantar na frente da câmera, é muito diferente do que no palco?

Bergen - Aí foi exatamente igual, porque Clint quis que cantássemos ao vivo. Foi tudo registrado ao vivo. Mas fizemos de trás para a frente.

Como assim?

Bergen - Cantamos ao vivo, a banda off-camera, o espectador não vê os músicos, mas nós estamos cantando ao vivo, Clint filmando. Aí, o que ele não gostava, exatamente como se faz no processo de edição com o diálogo, ele limpava depois, com os técnicos de som.

Lloyd Young - Clint encarou as cenas cantadas como se fossem diálogos. Foram filmadas e editadas do mesmo jeito. Não teve dublagem.

Bergen - Ele queria que a gente fizesse um som mais cru mesmo, típico dos primeiros anos do rock, sem grandes invencionices, e com o som não tão limpo. Ele quis ser fiel à época nos mínimos detalhes e com a energia de apresentações ao vivo.

Frankie Valli e Bob Gaudio são produtores executivos do musical e do filme. Os dois participaram ativamente do processo de filmagem?

Lloyd Young - Não. Eles foram fundamentais na criação do musical, e nós trabalhamos com eles bem de perto. Mas o espetáculo estreou em 2004 de forma experimental em San Diego e depois, em 2005, na Broadway. Ou seja, está em cartaz há dez anos! Há até produções em Singapura. Virou algo vivo, independente da presença deles. Os dois foram ao set, mas não deram dicas de direção ao Clint. Ou de atuação para mim. Quando comecei as filmagens, já havia vivido Frankie mais de 1.300 vezes nos palcos americanos.

Como foi seu primeiro encontro com Frankie Valli?

Lloyd Young - Antes de encontrá-lo, eu marquei um encontro com o Bob (Gaudio). Tinha na minha cabeça que o amigo poderia me dar uma impressão menos idealizada do Frankie do que ele próprio, por razões óbvias. Tive um longo almoço com Bob todo centrado em Frankie. Duas semanas depois nos encontramos em um estúdio, e ele era a única audiência para me ver encarnando o próprio num simulacro de palco. Posso dizer que todos os outros encontros foram bem mais agradáveis do que aquele.

Bergen - Comigo foi no teste de elenco. E eu confesso que fiquei encafifado: "por que é que este cara quer ver dezenas de atores, alguns terríveis, encarnando um personagem criado a partir dele próprio, por horas a fio?"

Lloyd Young - Mas, no set, vendo Erich, eu disse para o Clint que havia ficado muito feliz com a escalação dele para o filme, já que, de todos os outros atores que haviam encarnado o Gaudio, muitos deles ao meu lado, Erich era, para mim, o mais próximo da criatura de carne e osso. E Clint me respondeu: eu consultei Gaudio quando estava fechando o elenco, e esta foi justamente minha pergunta –"quem era o ator das muitas produções do musical mais parecido com você?" E ele disse de pronto: "Erich Bergen".

Bergen - Poxa, fico feliz.

O que mais interessa a vocês sobre o período em que se passa o filme?

Bergen - Os anos 1960, especialmente o começo, pré-Vietnã, são o último resquício de inocência dos EUA, ainda repleto de influência dos anos 1950. Há o orgulho de ter vencido a guerra "certa", de ter enfrentado o nazi-fascismo. E a música do Four Seasons reflete este momento. É pop, que pode até ser profundo, mas é pop de verdade, é fácil, é bonito, é direto, fica na sua cabeça.

Lloyd Young - Quando você ouve os Beach Boys, que estavam se formando em circunstâncias bem similares, na mesma época, na Califórnia, você ouve bem a praia. Com os Beatles, há os sentimentos universais de amor e paz mesclados no pop. Com o Four Seasons, você fecha os olhos e ouve o som dos trabalhadores, da gente comum de Nova Jersey, da América suburbana.

Bergen - As músicas deles que estão no musical jamais saem da cabeça. Você pode até odiá-las depois de cantá-las por mais de mil apresentações e não conseguir se separar delas quando chega em casa para dormir, mas jamais ignorar a perfeição estética. Esses caras eram geniais!

Se há um padrão em adaptações do palco para filmes hollywoodianos é a substituição dos atores de teatro por estrelas de cinema. Foi uma surpresa para vocês quando Clint os selecionou?

Bergen - Eu ainda nem acredito que isso aconteceu.

Lloyd Young - E a resposta é simples: a maioria de Hollywood não é igual a Clint Eastwood. Nem trabalha tão rapidamente como ele. Nem é tão fã de teatro como ele. Ele queria fazer um filme com números musicais na mesma velocidade de outros projetos dele. E percebeu rapidamente que facilitaria muito contar com atores que já sabiam os textos, as posições, a psicologia dos personagens, de cor e salteado.

Bergen - O normal, nestes casos, são três meses de ensaio. Tivemos quatro dias. O coreógrafo e o diretor musical são os mesmos do musical.

Lloyd Young - E Clint vetou ensaios ou trabalho nos fins de semana, que eram sagrados. Frase dele: “Não acredito em atores cansados”. Claro, também há um outro fator que não podemos esquecer: os Four Seasons não são figuras facilmente reconhecíveis pelo público de hoje em dia como os Beatles, por exemplo. É mais fácil acreditar que eu seja Valli, que Erich seja Bergen. Se o filme for um sucesso, claro, vai ser difícil este efeito continuar, passaremos a ser mais conhecidos. Mas, pelo menos, no primeiro momento é mais uma razão para se fazer o filme sem grandes estrelas.