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Diretor acompanha dupla de forró para retomar tradição do cinema direto

Cena do filme "Aprendi a Jogar com Você", do diretor Murillo Salles - Divulgação
Cena do filme "Aprendi a Jogar com Você", do diretor Murillo Salles Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em Paulínia (SP)

25/07/2014 04h51

O cinema direto, feito sem roteiros, aportou no Festival de Paulínia na quarta-feira (23). “Aprendi a Jogar com Você”, novo filme de Murillo Salles (“Nunca Fomos Tão Felizes” e “Nome Próprio”), paga tributo a um cinema sem interrupções e com direção mínima.

Mas em vez do rock incendiário dos Rolling Stones em “Gimme Shelter”, um dos filmes expoentes da prática, dirigido pelos irmãos Albert e David Maysales em 1970, o foco aqui está na cena do forró e do sertanejo estilizado que sobrevive e se reproduz à margem do sistema tradicional.

Na tela, a história é real. O casal Duda e Milka Reis, que mora em Samambaia, periferia de Brasília, é um exemplo dessa experiência underground, na qual quem toca é quem produz, empresaria e distribui. De maneira alternativa, seus CDs são pirateados propositalmente e distribuídos em uma rede de camelôs.

“A questão é como as pessoas se viram para se dar conta”, conta Murillo, nesta quinta-feira (24), ao UOL. Ele pesquisou personagens durante quatro anos, em busca de histórias de brasileiros que precisam da “viração” e das traquinagens da vida para se dar bem.

“Não é um show de rock como ‘Gimme Shleter’, mas eu quis contar essa cena que acontece e reflete a criação de um desenvolvimento econômico singular. Quis fazer algo com aqueles que estão na faixa de Gaza mesmo. Eu cheguei a documentar a Gaby Amarantos no início da carreira, mas eu senti que ela ia crescer.  Então aquilo não me interessava”, explica.

Enquanto os filhos e os sobrinhos ajudam na gravação dos CDs caseiros, pai e mãe usam suas economias e se desdobram nos afazeres domésticos com a vida artística mambembe em bares.

A câmera se passa por invisível e flagra toda a malandragem de Duda para fazer o seu projeto vingar, além de mostrar os atritos do casal sem edições. “Sempre fui câmera nos meus filmes, mas, desta vez, não participei das filmagens. Acredito que dessa maneira a câmera se torna invisível, sutil”.

No papel de um pequeno capitalista, o Duda é o empresário que começou a fazer CDs de coletâneas, com versões de sucessos de Ivete Sangalo e Parangolé. Na exibição do filme, o público riu de suas táticas duvidosas, como quando ele explica que é bom manter atrito entre os integrantes da banda, porque, se alguma coisa der errada e o show prometido não acontecer, fica mais fácil arrumar uma briga e não pagar os músicos. Presente na coletiva, Duda riu dos comentários e se defendeu: “É do jogo”.

“Nasci aos 15 anos em Luziânia, em Goiás, quando fui para cidade e disse: agora quero ser patrão. Quando quis virar DJ, um pirateiro multiplicou meus CDs, e as coletâneas tocavam em Brasília toda. De R$ 100 por show, passei a ganhar R$ 60 mil por mês. O Leo [o câmera Leonardo Bitterncourt, que seguiu a família de Duda durante mais de um ano] me achou em Goiás, quando eu ainda estava tirando onda. O filme me pegou em uma transição, estava no restinho do meu sucesso. Na minha batalha por me tornar finalmente um empresário do ramo. E eu consegui”, contou.