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"Pensar na morte é chato", diz Domingos de Oliveira ao revisitar o passado

O diretor Domingos de Oliveira e atriz Fernanda Montenegro chegaram ao Festival de Paulínia para apresentar o filme "Infância" ao público - Divulgação/FestivaldePaulínia
O diretor Domingos de Oliveira e atriz Fernanda Montenegro chegaram ao Festival de Paulínia para apresentar o filme "Infância" ao público Imagem: Divulgação/FestivaldePaulínia

Tiago Dias

Do UOL, em Paulínia (SP)

27/07/2014 20h42

Domingos De Oliveira é uma instituição do cinema e da dramaturgia. É dele a imagem eternizada de Leila Diniz em "Todas as Mulheres do Mundo" (1966), que se tornou um clássico nacional, ao lado de "Edu, Coração de Ouro" (1967). Aos 77 anos, ele não para de trabalhar. Diz que tem urgência em contar histórias, muitas vezes na raça, com o orçamento quase nulo. A fala vem relacionada à sua visão da morte. "Estou ficando velho -- o ficando é modesto, eu sei --, mas não consigo parar de ter histórias para contar. Não fico pensando na morte. Pensar na morte é chato, tenho que trabalhar", disse. 

Com dificuldade de locomoção e fala, Domingos subiu ao palco de Paulínia para apresentar sua mais nova confidência, o filme "Infância", baseado na peça de sua autoria, "Do Fundo do Lago Escuro", escrita há 35 anos. Em um papo com a imprensa, neste domingo, ele queria saber o que acharam do filme e fazia, a cada frase, associação ao grande prêmio do festival: R$ 300 mil para melhor filme. Gosta, ainda assim, de falar. Bate o pé direito lentamente, e aparentemente de maneira involuntária, como um metrônomo a marcar o tempo e a cadência da fala, por conta do Parkinson, "uma doença que não mata, mas incomoda muito", como ele mesmo comenta.
 
Irregular na concepção e montagem, "Infância" conquistou o público pela presença magnetizante de Fernanda Montenegro, a quem Domingos chama de "touro". A atriz é brilhante e é alma do filme. No papel de Dona Mocinha, matriarca da clã Oliveira, ela encarna uma senhora rígida e fã do político Carlos Lacerda, que mora com a família em um casarão em Botafogo, no Rio de Janeiro, nos anos 50. ""Tento falar da moral absurda da classe média, é mais risível do que ridículo, onde a mentira é lei e obrigação na educação dos filhos. E esses filhos estão no poder hoje", observa.
 
O filme é extramente pessoal ao revisitar os personagens da própria infância. Na peça, o próprio Domingos se vestia de mulher para viver a avó. No filme, ele conta a história e se reencontra com o Domingos dos anos 50. Há uma porção ficcional? "É uma linha tênue entre a lembrança e a fantasia. Não tem verdade. Estou prestes a lançar meu livro autobiográfico e eu aviso ao leitor que eu minto muito", avisa.
 
O cineasta pode não apresentar um filme à altura de sua importância, mas sua visão de cinema ainda é completamente relevante. A pecha de Woody Allen tupiniquim vem das safras de roteiros: foram cinco em seis anos ("Juventude", "Primeiro Dia de um Ano Qualquer", "Paixão e Acaso", "Todo Mundo Tem Problemas Sexuais" e "Infância") sempre com orçamento baixíssimo. "Não acho que que o orçamento seja limitador do filme, não acho mesmo, não dependo do dinheiro. Até 'Cidadão Kane', se fosse lançado hoje, seria recebido como 'é bom', mas também teria dificuldade de distribuição".
 
Ele ainda manda um recado para a indústria que o Brasil está gestando na área. "Essa indústria que está se formando, precisa tomar cuidado com isso. A arte é uma palavra conotada, tem que ser banida essas pessoas que falam de 'filmes de arte'. O filme tem que ser útil, tem que ajudar a viver. O filme que muda as pessoas, esse é o filme útil, esse é o objetivo da arte".