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Festival de Toronto começa nesta quinta com filme brasileiro na programação

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

04/09/2014 05h00

Com o filme "Obra", o diretor estreante Gregório Graziosi é a única produção brasileira a participar do Festival de Toronto, que começa nesta quinta-feira (4) e segue até o dia 14 de setembro no Canadá. Em meio à correria dos últimos preparativos para o embarque, ele encontrou uma brecha para falar com o UOL. "Estava comprando uma gravata", disse, rindo, ao atender o telefone no meio da rua. 

Apesar de já ter levado curtas para festivais como Cannes e Locarno, ele comemora a participação em um grandes festival internacional. E, pouco antes de atender à reportagem, ele também havia recebido a notícia de que "Obra" está selecionado para a competição do Festival do Rio, que começa no final deste mês. "Estar no festival de ponta nacional e outro internacional é um belo começo para meu filme. Uma oportunidade de chamar a atenção e colocá-lo em cartaz".

Enredo sombrio

"Obra" terá três exibições no Festival de Toronto, nos dias 7, 9 e 13. Na trama, Irandhir Santos ("O Som ao Redor") é um arquiteto que descobre um cemitério clandestino em um terreno onde planeja uma grande obra. O terreno pertence a sua família e a descoberta afeta seu dia a dia, a maneira como se relaciona com a cidade e até sua saúde.

São Paulo aparece como mais um personagem, que, muitas vezes oprime o arquiteto e o deixa sem horizontes. O filme usa como locações a Igreja da Consolação, o Edifício Eiffel, a Estação Pinacoteca e o Largo da Batata. Apesar de ser uma produção com uma identidade paulistana, Graziosi acredita que o que os personagens sentem é universal.

Em tempos de consolidar os diferentes gêneros no cinema brasileiro, o diretor diz que o filme é um suspense de arte. "O filme tem vários elementos do gênero de suspense, mas não vem solucionar um crime e sim trazer uma questão moral". No meio desse universo sombrio de corpos numa cidade que não se relaciona bem com sua história, está um personagem iluminado, a esposa grávida do arquiteto, vivida por Lola Peploe. "Ela é muito bonita e tem muita graça, leveza e um brilho pessoal muito forte. Ela funciona como uma espécie de oásis para o personagem".

A atriz é filha de Mark Peploe, roteirista do clássico "Profissão: Repórter", de Michelangelo Antonioni. Segundo a revista "Variety", o filme de Graziosi também tem um quê de Antonioni e isso não é mera coincidência. "Mark e a Lola viram meu curta sobre o Monumento às Bandeiras no Festival de Locarno e gostaram muito. Sempre me interessou como Antonioni fazia os personagens se relacionarem com os espaços, mesmo sem palavras. Acho que o meu filme pode ser encarado como uma homenagem ao cinema de Antonioni".

Assista ao teaser de "Obra"

Elenco de ponta

Para seu primeiro longa-metragem, Gregório quis trabalhar com os dois atores que mais admira hoje no cinema brasileiro. Além de Irandhir, Julio Andrade entra como antagonista da história. Gaziosi não é o único diretor que admira os dois, que, juntos, contabilizam mais de 20 filmes nos últimos cinco anos. "O Irandhir aparece nesse longa de uma maneira muito diferente do que em seus trabalhos anteriores. Atua de uma maneira muito física, quase sem palavras". Diretor e ator se conheceram no set de "Permanência", de Leonardo Lacca, que também foi selecionado para o Festival do Rio.

Já a relação com Júlio Andrade começou há mais tempo, quando o ator participou do curta "Mira" (2010), trabalho de conclusão do diretor para o curso de cinema da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), em São Paulo. Para Graziosi, Andrade também tem uma capacidade incrível de atuar sem palavras, mas, diferentemente de Irandhir, sua força está no olhar. "Sempre digo que o Júlio consegue derrubar uma pessoa só com o olhar".

Pé no cinema pernambucano

Mesmo formado em São Paulo e levando a capital paulista para as telas, Graziosi tem uma forte ligação com realizadores pernambucanos, que acabou conhecendo pelos festivais do Brasil e do mundo. Da amizade com Daniel Aragão, saiu o roteiro de "Boa Sorte, Meu Amor". Também é bastante próximo de Kleber Mendonça Filho ("O Som ao Redor"), além dos já citados Leonardo Lacca e Irandhir Santos. "Os pernambucanos funcionam como uma espécie de clã e têm um cinema de muita qualidade. Costumam falar que quem tem amigo não faz filme ruim. São muito críticos, não têm muitas papas nas línguas".

Apostando na sinceridade pernambucana, convidou Kleber Mendonça Filho para ver um dos primeiros cortes de "Obra". "Ele me disse coisas que só fui entender meses depois. Disse que eu deveria apresentar primeiro o personagem e depois o problema, fez um apontamento de cinema clássico. Esses caras acabam sendo uma espécie de padrinho da gente. O Kleber entende muito mais de cinema que eu, mas eu chego lá".

Empolgado por em breve poder mostrar o filme no Festival do Rio, Gregório ainda adianta que o filme já foi selecionado para outro festival europeu, mas que ainda não pode revelar o nome.