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Roteirista "censurado" nos EUA diz que Brasil é menos puritano com filmes

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

12/09/2014 06h00

O roteirista brasileiro Mauricio Zacharias trabalha atualmente no lançamento de dois filmes em países diferentes, "O Amor é Estranho", nos Estados Unidos, e "Rio, Eu Te Amo", no Brasil. Há quase 20 anos morando em Nova York e com dois longas americanos no currículo, Zacharias nunca deixou de trabalhar em produções brasileiras, o que lhe dá experiência suficiente para comparar os dois países frente a filmes polêmicos.

Estrelado pelos veteranos Alfred Molina e John Lithgow, o drama gay "O Amor é Estranho" ganhou as páginas dos jornais nos EUA e Inglaterra não só para pelas boas críticas, mas por ter levado o carimbo "R" da associação que determina a classificação indicativa dos filmes, o que significa que o longa só pode ser visto por maiores de 17 anos, ou menores, desde que acompanhados de adultos.

Mauricio Zacharias - Andy Kropa/Invision/AP - Andy Kropa/Invision/AP
Mauricio Zacharias e o diretor Ira Sachs em lançamento do "O Amor é Estranho" em NY
Imagem: Andy Kropa/Invision/AP

O que surpreende é que o filme não contém cenas de sexo, nudez ou violência. A justificativa dada pelo órgão controlador, a MPAA (Motion Picture Association of America), é o uso de linguagem pesada. "Nunca entendi esses parâmetros, mas depois que eles informaram que era pela linguagem pesada, contamos seis palavrões ao todo. Há coisas como 'que p... é essa?' no meio de uma conversa. Não é nada demais, mas fica aí a dúvida se é por causa disso ou não", contou Zacharias, em entrevista ao UOL.

No filme, George (Molina) é um professor de uma igreja católica que perde o emprego depois que seu casamento com Ben (Lithgow) chega aos ouvidos da arquidiocese. O casal perde o apartamento em Nova York e é obrigado a viver em casas separadas, com parentes. Críticos americanos e ingleses acusam a MPAA de homofobia e dizem que a restrição dificilmente seria dada a um drama vivido por um casal hétero.

Já em negociações para estrear no Brasil em breve, Zacharias acredita que a classificação indicativa não será tão severa por aqui. Segundo ele, a mídia americana acostumou as pessoas a lidarem com a diversidade sexual desde cedo, mas ao mesmo tempo o puritanismo é bem mais presente nos EUA do que no Brasil. "O que aconteceu nos Estados Unidos é um exemplo do puritanismo americano, que o Brasil não tem. A censura do Brasil vai colocar 14 anos no máximo", acredita.

O roteirista afirma ainda que o filme pode ser comparado ao brasileiro "Hoje Eu Quero Voltar Sozinho", que trata da descoberta do amor entre dois meninos e que teve ampla aceitação no Brasil, onde fez mais de 150 mil espectadores. Assim como o "Amor é Estranho", o longa de Daniel Ribeiro também não tem cenas de sexo e ganhou classificação indicativa de 12 anos por aqui. "Enquanto o 'Hoje eu Quero' trata da descoberta do amor, o nosso fala do amor no fim da vida. Acho que os brasileiros aceitam bem esse tipo de situação".

Por outro lado, "Praia do Futuro", de Karim Aïnouz, que também tratava do amor gay, enfrentou problemas nos cinemas brasileiras. Por todo o país houve casos de pessoas saindo da sala nas cenas de sexo gay com Wagner Moura. Em João Pessoa, houve uma denúncia de que um cinema estaria avisando sobre as cenas de sexo na hora da venda dos ingressos.

Para Zacharias, que já trabalhou em parceria com Karim em "Madame Satã" e "O Céu de Suely", as pessoas não estão acostumadas com o sexo gay. "O Karim é um diretor da sensualidade e faz isso muito bem. Talvez isso ofenda algumas pessoas que não estejam acostumadas", afirmou ele. O fato de ter Wagner Moura nessas cenas também pode ter contribuído para a polêmica. "Talvez as pessoas esperem outra coisa dele".

Apesar de toda a discussão girar em torno da temática homossexual dos filmes, Zacharias salientou a importância de ir além disso. "O filme parte de um relacionamento gay para falar sobre o amor em três diferentes fases da vida. Esse é o segundo filme meu e do Ira [Sachs] que parte disso para falar de coisas maiores [O outro é 'Deixe a Luz Acesa']. Por não falarem de politica, eles acabam tendo um poder político forte. Sem que percebam, as pessoas acabam aceitando mais e conseguem enxergar um pouco além. Para mim, os filmes mais poderosos politicamente são os filmes não-políticos", disse.

A escolha por ir além do tema gay está na realidade desses casais nos Estados Unidos e também no Brasil. "Todo mundo está enfrentando uma batalha na vida para viver, para vencer, para chegar a algum lugar. O cara tem um namorado, mas precisa pagar o aluguel dele. Então, vamos em frente".