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Filme da Mostra de SP revela drama de "anti-craque" que decide se aposentar

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

22/10/2014 06h30

A história de Sergio “Patón” Bonasiolle, ex-capitão do nanico Club Atlético Talleres, é comum no universo boleiro. Longe dos holofotes, jogando na pouco glamurosa Série C argentina, o protagonista de “El Cinco” precisa driblar um drama que aflige todo atleta experiente. Especialmente os que, como ele, não conseguiram acumular fama nem dinheiro: o que fazer depois da aposentadoria?

Dirigido por Adrián Biniez, o drama com toques de comédia foi destaque no festival de Veneza deste ano. É uma das atrações da Mostra Internacional de São Paulo. Estrelado pelo casal Esteban Lamothe e Julieta Zylberberg, anota toques fictícios à trajetória real do volante “carregador de piano”, amigo pessoal do diretor.

Na trama, após ser expulso em uma partida e, assim, decidir pendurar as chuteiras, Patón, de 35 anos, tenta de tudo para se adaptar à nova realidade. Incentivado pela companheira Ale, ele volta a estudar, faz bicos de dedetizador e tem frequentes e pouco proveitosas ideias de negócios de lavanderia a boutique de lingerie, sempre sob os olhares desconfiados de amigos, família e dirigentes.

“Para mim, essa é a história do jogador de classe operária”, conta ao UOL por telefone Biniez, torcedor fanático do Talleres. “É o caso de 95% dos jogadores do mundo. Estamos acostumados aos craques, às estrelas, mas a maioria é como qualquer outro trabalhador. E é isso que me interessa, porque é algo muito passional. A coisa amadora, de quem faz não por dinheiro, mas apenas porque gosta e lhe fascina. É uma paixão muito bonita.”

Para contar a história não oficial do “anti-craque” de pavio curto, estilo Dunga, Adrian voltou às origens. Hoje radicado no Uruguai, o diretor e roteirista nasceu e cresceu a quatro quadras da sede do clube alvirubro, em Remedios de Escalada, região metropolitana de Buenos Aires. Além de filmar nas ruas do bairro, com cenas reais de partidas no acanhado estádio do Talleres, ele escalou amigos de infância na figuração e em papéis menores.

“O filme mostra a história real do jogador real, que também foi capitão, da vida dele. Mas também tem muitas experiências minhas ali. Coisas que vivi, muito pessoais. Não acho que o filme tenha uma mensagem. Simplesmente senti a necessidade de registrar aquele lugar e aquele tempo. Acabou se transformando em um grande trabalho documental.”

Inspirações

Segundo Biniez, que se inspirou no britânico “United” (2011) e no clássico argentino “El Crack” (1960), o grande desafio dos filmes sobre futebol é o mais óbvio: fazer a bola rolar diante das câmeras. Nos ainda poucos representantes do gênero, essa regra nem sempre é clara.

“É muito difícil. Tentar fazer algo que, ao mesmo tempo, pareça real, mas que não pareça com o que é visto na televisão.  Mas acho que conseguimos no filme. E, na verdade, foi o mais divertido também. Não havia nada muito coreografado. Não sabíamos como íamos filmar muita coisa. Saiu como saiu.”

Se filmar a dinâmica intrincada de uma partida ensinou uma nova perspectiva estética ao diretor, o mesmo não pode ser dito sobre o amigo Patón, a quem descreve como um “trombador”. Um Rocky Balboa sem grife nem lições edificantes à humanidade.

“Patón é um cinco muito, muito rústico. Zero habilidade. É uma besta. Não tem nada de arte. Uma afronta ao futebol brasileiro (risos)", brinca. Mas não foi exatamente essa garra, tipicamente platina, o que mais faltou ao futebol brasileiro na última Copa do Mundo? "Não, não acho. Vocês, na verdade, não jogaram como deveriam ter jogado, como brasileiros. Jogaram uma coisa aí, e que deu errado.”