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Alçado a estrela, McConaughey diz que virada "foi sorte e estratégia"

Eduardo Graça

Do UOL, em Los Angeles (EUA)

05/11/2014 06h15

Um interlocutor mais maldoso reagiria de bate-pronto: mas quanta diferença um Oscar faz, hein Matthew McConaughey?

Protagonista de “Interestelar”, o aguardado filme de ficção-científica do diretor inglês Christopher Nolan (“Batman - O Cavaleiro das Trevas”; “A Origem”) que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (6), o ator de 45 anos completos esta semana, vencedor da estatueta de melhor ator este ano por “Clube de Compras Dallas”, casado com a modelo e atriz brasileira Camila Alves, 32, recebe a reportagem do UOL com um gravador a tiracolo. E a explicação: “Mil desculpas, mas andaram colocando aspas minhas de coisas que nunca falei e decidi que, a partir de agora, vou gravar todas as entrevistas, sem exceção”.

Para além do gravador, outras coisas chamam mais a atenção em McConaughey. O corpo delgado do ator já não aparece mais na tela grande com a periodicidade de, bem, seus dias de descamisados. Seus contratos, garantia-se, previam o número de vezes em que ele apareceria sem camisa. Pois 2014, para ele, será marcado como o ano em que o texano disse não para a continuação do megassucesso “Magic Mike”. No original, de 2012, ele encarnava Dallas, o veterano comandante de um clube para mulheres que não se fazia de rogado e mostrava seus dotes na hora do strip-tease.



Foram justamente “Mike” e “Clube de Compras”, uma sequência impressionante de filmes, além do seriado televisivo da HBO “True Detective”, que elevaram de forma decisiva o perfil de McConaughey em Hollywood. Pela ordem, “Killer Joe - Matador de Aluguel”, “Amor Bandido” e “O Lobo de Wall Street”, em que faz uma participação especialíssima, prepararam terreno para o protagonismo em um filme tão ambicioso quanto “Interstelar” –cujo orçamento é estimado em US$ 165 milhões, tem duração de duas horas e quarenta e nove minutos e é comparado, dentro da indústria do entretenimento americano, ao clássico “2001 - Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick.

Sorte e estratégia

“Foi sorte. E estratégia. As escolhas que fiz foram todas muito claras. Eu sabia exatamente o motivo pelo qual topei fazer cada um destes personagens, nestes projetos que você mencionou. Sei exatamente por que gosto de cada um destes personagens. Também sabia com precisão o que eu poderia trazer de original, de singular, para cada um deles”, afirma McConaughey.

Mas o ator admite que houve um componente de sorte neste momento de virada de sua carreira, pois os filmes, que eram pequenos e independentes para o padrão de Hollywood, acabaram “acontecendo”.

“Eu poderia ter sido notado pelas minhas atuações, mas se os filmes não tivessem acontecido, não estaríamos tendo esta conversa agora. Esta parte eu não sei explicar direito: os filmes aconteceram. E eu, junto com eles”, pondera.

Uma constante em todas estas histórias recentes que encarnou? “Honestamente, não me preocupei com os resultados. Zero. Meu foco foi, e continuou sendo nos trabalhos subsequentes, no processo. Encontrar algo no processo. Claro que eu quero ser visto, mas isso está lá longe. Sabe qual meu objetivo hoje em dia? No fim do filme, quando gritarem ‘acabamos!’, eu ter a certeza de que fiz o suficiente”, diz McConaughey, os olhos bem abertos, o corpo levemente jogado na direção do repórter.

Aventura espacial “familiar”

O ator vive em “Interestelar” o piloto Cooper, um ex-piloto da NASA relegado à vida rural depois de a agência espacial americana abandonar as incursões interplanetárias. Em um futuro próximo, a Terra parece condenada por conta da poluição e do aquecimento global e o pai viúvo de duas crianças se vê cooptado por um grupo de cientistas interessado em encontrar um novo lar para a humanidade.

Parece um projeto de Steven Spielberg, e ele era. O diretor acabou passando a história adiante, o roteiro foi recriado pelo irmão de Chris Nolan, Jonathan, e o diretor celebrado por peças cerebrais como a nietzschiana reinvenção de Batman decidiu assumir as rédeas de uma história de ficção científica traduzida pela equipe criativa –da qual faz parte a mulher de Nolan, a produtora Emma Thomas– como “uma carta de amor para minha filha”.

No centro da trama está a relação de Cooper com seus dois filhos, Murph, vivida na idade adulta por Jessica Chastain, e Tom (Casey Affleck). A chave para a conclusão do longo filme é dada através da conexão com Murph, que atravessa anos-luz e desafia os conhecimentos mais sofisticados de física quântica e cosmologia de vãos mortais.

Com efeitos especiais de tirar o fôlego de incautos e imagens belíssimas que justificam o formato Imax, “Interestelar” é a síntese do que se convencionou batizar de “blockbuster de arte”.

“Mas provavelmente seria bom se pudéssemos encapsular o que Nolan faz em apenas uma palavra”, diz McConaughey. “O fato é que hoje em dia nenhum diretor filma como ele. Não há nenhuma outra assinatura que cause a sensação de que você verá, na tela, um evento específico”, completa o ator, cujo próximo título será “The Sea of Trees”, sob a batuta de Gus Van Sant, um drama filmado parcialmente no Japão, com orçamento seis vezes menor do que “Interestelar”.

“Mas com ‘Interstelar’ eu garanto a você não ser a mesma coisa, de modo algum, ver o filme mais tarde em casa. Não há outro diretor que, como Nolan, inclua elementos a serem filmados que fazem com que você precise ir ao cinema para experimentar aquela criação artística. A dedicação artística dele faz com que o produto final pareça uma obra ainda maior, ainda mais importante. E Nolan nunca fez nada tão ambicioso, em escala e em conteúdo, embora, como já falamos, este seja também seu filme mais íntimo”, diz o ator.

Trailer legendado de "Interestelar"

Sotaque

McConaughey diz que Nolan foi fundamental na hora de se descobrir quem era, afinal, seu Cooper. “A primeira imagem que ele me deu foi a do brigadeiro americano Chuck Yeager, o primeiro piloto a ultrapassar, comprovadamente, a barreira do som. Mas também conversamos, intimamente, sobre o que significa ser pai para nós dois. A importância da família, nossos valores mais caros”, conta ele, que é pai de três filhos. “Diariamente, conversávamos sobre os mais variados tópicos, quase sempre concordávamos, às vezes discutíamos, mas nunca brigávamos. Saí desta experiência sabendo quem este Cooper era, um pouco o que criei na minha cabeça, um pouco o da do Chris”.

Uma das características mais marcantes do personagem é o sotaque forte, que pede legenda mesmo para os que têm inglês como língua-mãe. Ao sotaque rural da fronteira da Louisiana com o Texas, onde o ator cresceu, se juntou uma “imagem que fiz em minha cabeça dele falando dentro de um uniforme de astronauta”. O estranhamento aumenta quando ele embarca na viagem ao lado de seus colegas vividos por Anne Hathaway e Wes Bentley. Completam o elenco, com maior ou menor nível de aproveitamento pelo diretor, John Lithgow, Michael Caine e Topher Grace.

“O sotaque surgiu da ideia do Yeager, de que você precisa estar sempre no comando, mas de modo calmo, suave. A maneira como você fala dá o tom de como a tripulação se sentirá. Pense num piloto comunicando, com calma, da turbulência que vão enfrentar. Ou bem você se sente seguro ou, dependendo do tom de voz dele, você desconfia, você se assusta. Logo percebemos que Cooper se sentia mais em casa, mais à vontade, na nave espacial do que na fazenda”, diz McConaughey.

McConaughey - Gabriel Reis e Dilson Silva/AgNews - Gabriel Reis e Dilson Silva/AgNews
Matthew McConaughey e Camila Alves passeiam com seus três filhos, Levi, Vida e Livingston, nas ruas de Belo Horizonte (MG), no Natal de 2013
Imagem: Gabriel Reis e Dilson Silva/AgNews

Família brasileira

Na entrevista coletiva que deslanchou o lançamento do filme para a imprensa internacional, o ator disse que as belas imagens da Terra vistas do espaço o fizeram pensar em como o distanciamento –do país, da família, do planeta– às vezes proporcionam uma mudança de ângulo fundamental para se entender a fundo cenários ou instituições presentes no âmago de nossas existências.

Ele passou a entender melhor os EUA, conta, depois de constituir uma família binacional. “Eu passei a olhar para o lado ‘estamos sempre abertos a fazer negócios’ da América de uma maneira muito mais clara. Passei a me alimentar do caos brasileiro. A entender a diferença entre os ritmos. A dar importância para a ginga do gari nas ruas brasileiras. Uma das minhas melhores memórias do Brasil é ser atendido de uma maneira galante igualmente em um restaurante cinco estrelas e em uma biboca nos cafundós de uma aldeia de pescadores. O orgulho dos brasileiros, de serem brasileiros, em todos os níveis sociais, me emociona”.

A conversa com o UOL se deu um dia antes do segundo turno entre Dilma Rousseff e Aécio Neves. E com o tempo regulamentar quase estourado, o ator resolve fazer uso do gravador inusitado e questiona o repórter sobre o legado dos protestos do ano passado. Ele quer entender o quão crucial para os resultados do dia seguinte terão sido as manifestações democráticas de 2013. O repórter responde que provavelmente nem um filme de quase três horas, e dirigido por Christopher Nolan, conseguiria responder à questão do ator dublê de repórter. E os dois gravadores param de trabalhar em exata sincronia.