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Documentário com Irandhir e Criolo foca tentativa de salvar cais no Recife

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

25/11/2014 12h36

Você não precisa morar em Recife para ter visto, nos último meses, nas redes sociais, uma enxurrada de posts com a hashtag "#OcupeEstelita". Trata-se de um movimento popular que tenta impedir que no local onde fica o cais José Estelita, ponto histórico marcado pelo abandono na capital pernambucana, sejam construídas torres de alto padrão.

Com adesão da população e apoio de artistas, o movimento, que existe há pelo menos três anos, cresceu nos últimos meses e agora ganhou o documentário em curta-metragem "Recife, Cidade Roubada", de 13min38, que resume os argumentos de quem tenta preservar o local (assista ao vídeo acima).

"Queríamos fazer um filme que traduzisse a fonte de toda a discórdia e reunisse os principais argumentos. Com isso, o espectador que não sabe o que é o movimento também pode se engajar e participar", diz Pedro Severien, cineasta pernambucano que faz parte do documentário. Marcelo Pedroso, premiado no Festival de Brasília deste ano como melhor diretor pelo filme "Brasil S/A", também integra o time de cineastas ao lado de Leon Sampaio, Ernesto de Carvalho e Luís Henrique Leal.

Entenda o caso
Em 2008, o terreno do cais José Estelita, que pertencia à União, foi leiloado para um grupo de construtoras, que planeja erguer um condomínio de alto padrão, com 12 torres. O Ocupe Estelita e outros movimentos sociais alegam que a decisão é contrária à vontade da população, além de privilegiar um grupo de maior poder aquisitivo da cidade. Desde então, uma série de ocupações vem ocorrendo no local pedindo um projeto mais democrático. 

O filme é narrado pelo ator Irandhir Santos, outro nome do cinema pernambucano, conhecido principalmente por ter vivio o personagem Zelão na novela "Meu Pedacinho de Chão" (Globo). "Irandhir ganhou projeção nacional pelo seu trabalho, mas [a participação dele no documentário] é interessante por conta do seu envolvimento político com a questão", diz Marcelo Pedroso. 

Segundo o diretor, o filme foi feito de maneira independente, e todos que aparecem nele participaram de maneira voluntária. Um dos entrevistados, Kleber Mendonça Filho, diretor de "O Som ao Redor", fala como as Torres Gêmeas, outro condomínio de alto padrão construído no centro de Recife, podem ser vistas como prévia do que acontecerá no cais José Estelita. Já o rapper paulistano Criolo contribui para a trilha do documentário com a música "Sangue no Cais".

Antes do filme, outros artistas já haviam demonstrado apoio ao movimento, como Clarice Falcão, Otto, Leandra Leal, Ney Matogrosso, Marcelo Jeneci e Karina Buhr, que posaram para fotos com cartazes que traziam hashtag "#OcupeEstelita"

Ocupações

Ao longo dos últimos três anos, como o nome do movimento já diz, o cais passou por uma série de ocupações que tiveram apoio de parte da classe média da cidade. A principal delas, realizada em maio deste ano, deu origem a uma ordem judicial de reintegração de posse que foi executada pela Polícia Militar, o que resultou em um violento confronto entre apoiadores do movimento e policiais.

estelita - Guga matos/JC Imagem/Estadão Conteúdo - Guga matos/JC Imagem/Estadão Conteúdo
Foto tirada durante o conflito entre policiais e manifestantes ocorrido em junho deste ano, no cumprimento da ação de reintegração de posse do cais José Estelita
Imagem: Guga matos/JC Imagem/Estadão Conteúdo

"O movimento foi um norte para jovens de classe média acostumados a um certo conforto. Morar em comunidade foi um referencial político. A reintegração de posse foi um choque para todo o mundo. As pessoas guardam muitas marcas desse processo", disse Leon.

A pressão popular fez com que a prefeitura da cidade e o Projeto Novo Recife, responsável pela construção do condomínio de alto padrão, alterassem os planos. A principal mudança foi na altura das 12 torres, que passaram de 117 metros cada, para uma altura escalonada, com edifícios entre 12 e 40 andares. Segundo o projeto, a construção agora "segue os parâmetros elencados pelo poder público junto às expectativas sociais". Consultado por meio de sua assessoria de imprensa, o Projeto Novo Recife informou que não vai se manifestar sobre o filme. 

Doc Ocupe Estelita

  • O projeto passou por uma reforma que o deixou um pouco menos absurdo, mas a natureza do empreendimento continua a mesma. Aquilo precisa ser repensado à luz da coletividade e não à luz do interesse de meia dúzia de pessoas

    Marcelo Pedroso
"O projeto passou por uma reforma que o deixou um pouco menos absurdo, mas a natureza do empreendimento continua a mesma. Aquilo precisa ser repensado à luz da coletividade e não à luz do interesse de meia dúzia de pessoas. O erro do Novo Recife é de princípios", disse Pedroso. O cineasta acredita que, em várias capitais brasileiras, há planos para que se criem "ilhas de luxo", que só beneficiam a elite.

Em "Recife, Cidade Roubada", o movimento não defende a remodelação do projeto, mas um outro destino para o cais, que deveria ser decidido pelo poder público. "O poder público deve ter melhores condições de dizer o que é melhor para a cidade", diz Pedroso. Nesta quarta-feira (26), haverá uma exibição em Recife do documentário, na mostra "Edifício Recife", às 17h, na Rua do Bom Jesus, 237, bairro do Recife.