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Diretor de "Irmã Dulce" diz que ela fazia há 50 anos o que papa faz hoje

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

27/11/2014 15h26

Uma mulher de 1,50 m de altura e pouco mais de 40 kg quase ofuscou a visita do papa João Paulo 2º a Salvador, em julho de 1980. Ao ser chamada ao palco para cumprimentar o pontífice, Irmão Dulce foi ovacionada pela multidão como se fosse um ícone  pop. Conhecida como o Anjo Bom da Bahia, a beata chega aos cinemas de todo o país nesta quinta (28) com sua cinebiografia, "Irmã Dulce" --no Nordeste, o filme estreou no último dia 13.

A adoração de muitos brasileiros pela freira franzina e tocadora de acordeon, interpretada na fase adulta por Bianca Comparato e Regina Braga, é consequência de seu trabalho social, que começou na década de 1930, quando Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, seu nome de batismo, decidiu seguir a vida religiosa para se dedicar aos pobres e doentes.

É o encontro da menina com a pobreza aguda do Nordeste na década de 1930 que serviu de ponto de partida para o diretor Vicente Amorim ("Caminho das Nuvens"), que diz nunca ter se deparado com uma figura como a da freira. "Ainda pequena, ela foi apresentada à miséria, mas um tipo de miséria que não existe mais no Brasil atualmente, que talvez só possa ser vista hoje em países como o Haiti", disse Amorim em encontro com a imprensa, em um hotel de São Paulo.

No final da década de 1930, Irmã Dulce desobedeceu a ordem de ficar enclausurada no convento onde vivia para passar as madrugadas recolhendo doentes pelas ruas de Salvador. Ela chegou a invadir cinco casas abandonadas na ilha do Rato, que faz parte da cidade, para abrigar os enfermos. Expulsa de todas, ela passou uma década peregrinando até transformar o galinheiro do convento em uma enfermaria. O espaço é hoje o Hospital Santo Antônio, uma das maiores instituições públicas de saúde do país.

Repreendida pela Igreja

O filme mostra Irmã Dulce sendo repreendida pela sua ousadia e até mesmo ameaçada de não poder mais servir à Igreja. Na década de 1940, era inconcebível a ideia de uma mulher, ainda mais sendo freira, passar as noites pelas ruas. 

Amorim, no entanto, garante que não houve qualquer interferência da Igreja Católica no filme. "Eu fiz o filme que eu quis. E olha que a Igreja não está especialmente boazinha no filme." Para o diretor, há "ventos novos" trazidos pelo papa Francisco. "O que a Irmã Dulce fazia há 50 anos, o papa prega hoje. Esse realinhamento, abertura e tolerância, ela já vivia naquela época."

Acima da religião

Apesar de ter contado com a ajuda de freis para retratar ritos e costumes da Igreja, Vicente Amorim diz que o que o atraiu ao projeto é que a beata foi, acima de tudo, uma mulher extraordinária. "Claro que ela era freira, claro que era católica, mas não saberia fazer um filme de proselitismo religioso. Se tivesse tentado, o filme não serviria para isso e não tocaria as pessoas."

O diretor diz que ficou surpreso ao descobrir que a freira era muito esperta e bem humorada e que até "dava uns dribles" nos políticos para conseguir o que queria. "Você se sente próximo dela e não de uma santa em um alta."

Canonização

Em 2011, Irmã Dulce foi beatificada pelo papa Bento 16 após um milagre em seu nome ter sido aceito pela Igreja Católica. A graça validada ocorreu em 10 de janeiro de 2001, em uma cidade do interior do Nordeste, em que uma mulher, que sofria com um sangramento incontrolável pós-parto, curou-se de maneira inexplicável para os médicos. 

Além de reconhecer o milagre, a beatificação faz com que Irmã Dulce fosse reconhecida como uma figura heroica. Em breve, ela também pode ser canonizada e ganhar o status de santa, mas, para isso, precisa ter mais um milagre confirmado.

O filme pode dar um empurrão no processo, já que o papa Francisco assistiu ao longa na última semana, na Cinemateca do Vaticano, ao lado de 53 convidados. O DVD com o filme foi entregue para o pontífice pelas mãos do arcebispo de Aparecida e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Raymundo Damasceno.