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Cinema brasileiro perdeu espaço em 2014 e a culpa é dos filmes

Leandro Hassum em cena do filme "O Candidato Honesto", de Roberto Santucci, maior bilheteria do cinema nacional em 2014 e um dos cinco que passou da marca de 1 milhão de espectadores - Divulgação
Leandro Hassum em cena do filme "O Candidato Honesto", de Roberto Santucci, maior bilheteria do cinema nacional em 2014 e um dos cinco que passou da marca de 1 milhão de espectadores Imagem: Divulgação

Silvana Arantes

Do UOL, em São Paulo

19/12/2014 06h15

O cinema brasileiro perdeu espaço em 2014 e a culpa é dos filmes --ou de sua falta de competitividade. Ao menos essa é a avaliação de parte do setor cinematográfico para os resultados deste ano, que apontam encolhimento do longa nacional em seu mercado.

O público acumulado pelos filmes brasileiros do início deste ano até o último dia 3/12 é de 17,8 milhões de espectadores, o que representa 12,4% do total. Em 2013, foram 27,7 milhões de espectadores ou 18,6% do total. A participação na renda também caiu –de 16,9% para 11,5%. Enquanto em 2013 dez longas brasileiros ultrapassaram a marca de 1 milhão de espectadores, neste ano somente cinco atingiram esse resultado até agora. O número de lançamentos também mostra redução –105 (até 3/12) contra 129 em 2013.

É pouco provável que nas semanas que faltam para 2014 terminar haja mudança significativa desse cenário. Já em relação ao filme estrangeiro, a perspectiva é de que haja empate ou até aumento do desempenho neste ano em relação ao obtido no ano passado.

Mesmo assim, para Jorge Peregrino, presidente do Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas do Rio de Janeiro, a queda da performance do cinema brasileiro está dentro da normalidade. “O padrão é eternamente o mesmo e é igual a ibope de novela: se a novela é boa, sobe o ibope. Se é ruim ou o público não gosta, não tem jeito. O mercado como um todo vai crescer ou, no mínimo, empatar com 2013, e o share [participação] do filme brasileiro vai cair. Portanto, o desempenho do cinema brasileiro está dentro da mais absoluta normalidade.”

Dependência das comédias

O produtor André Carreira, da Camisa Listrada, que assina a produção do campeão nacional de bilheteria do ano (“O Candidato Honesto”, de Roberto Santucci, 2,2 milhões de espectadores) reconhece que, no panorama geral, “não foi um ano bom” para o cinema brasileiro.

“Alguns defendem que se trata da safra, que teve menos filmes competitivos. Isso com certeza é um fator, mas acredito que ainda dependemos muito dos sucessos das nossas comédias e filmes biográficos. Conseguir competir em outros gêneros, como o suspense, o policial e o infanto-juvenil, pode ser a chave para uma maior participação. Mas é realmente um desafio, pois esses filmes normalmente possuem um valor mais alto de produção, demandam um volume maior de financiamento, sem a garantia de êxito”, diz Carreira.

Para o crítico da Folha de S.Paulo Inácio Araujo, o sucesso das comédias brasileiras é um sintoma de debilidade do cinema. “O cinema brasileiro continua a buscar seu público. E a referência desse público amplo, hoje, é a estética dos programas da Globo ou os blockbusters americanos. Esses últimos não podemos imitar. Então o cinema imita, no que pode, a Globo. São essas comédias idiotas, com atores que se esforçam para imitar atores de teatro colegial, aquela luz esbranquiçada. O público responde bem a isso. Que dizer? Não é o cinema brasileiro que está doente. É o cinema (ao menos como o concebemos aqui).”

A reportagem do UOL procurou a Ancine (Agência Nacional do Cinema) para comentar os resultados do filme brasileiro em 2014. A assessoria da agência afirmou que, como os dados ainda são preliminares, apenas em janeiro de 2015 estará apta a avaliá-los.

Cartaz do filme "A Balada do Provisório" - Divulgação - Divulgação
Cartaz do filme "A Balada do Provisório", que teve uma das menores bilheterias do ano no Brasil
Imagem: Divulgação

Distribuição

O cineasta Felipe David Rodrigues, cujo longa “A Balada do Provisório”, realizado quase integralmente com recursos do próprio diretor e de sua equipe, foi lançado neste ano e figura entre os últimos colocados no ranking de público da Ancine, diz que é preciso repensar a distribuição de filmes brasileiros.

“O maior problema é a distribuição. A gente tem que pensar num outro jeito que não seja só fazer um filme e passar nos festivais ou ficar uma semana em cartaz ou ir para a internet. Acho que o Estado deveria intervir mais. O lucro, o dinheiro não pode ser a única preocupação. Acho que nem todo filme tem que dar lucro.”

O presidente do Sindicato das Distribuidoras concorda, mas pondera: “Concordo que falta distribuidora para tanto filme, mesmo sabendo-se que muitos deles são documentários ou são filmes que têm lançamento super-reduzido e não é correto colocar a culpa na distribuição”.

Quanto ao papel do lucro no negócio, Peregrino tem opinião diferente da de Rodrigues. “Queiramos ou não, as distribuidoras independentes não podem ficar comprando o risco o tempo todo. Um fracasso é complicado, dois balançam o barco e três fracassos seguidos podem dificultar a sobrevivência de uma distribuidora. Hoje, todo mundo quer participação na comissão de distribuição. Convenhamos que é um contrassenso você aumentar seu risco com uma remuneração mais baixa.”

Na opinião do cineasta Felipe David Rodrigues, há outro problema a ser solucionado, no que se refere ao desinteresse do grande público pelos filmes autorais. “As pessoas não são burras, elas são desinformadas. Todo mundo diz que as pessoas não querem ver ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ [de Glauber Rocha]. É mentira. Elas não querem ver porque isso não é oferecido no dia a dia. Na grande rede de TV que a gente tem, as pessoas não sabem quem foi Mario Peixoto, Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, porque os filmes desses cineastas não são exibidos”.