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Ator de "Invencível" diz que trairia sua pátria para não ser torturado

Eduardo Graça

Do UOL, em Nova York

14/01/2015 06h00

Em determinando momento de “Invencível” --segundo longa de Angelina Jolie, que estreia nesta quinta (15) em circuito nacional--, o militar Louis Zamperini, prisioneiro de um campo de trabalhos forçados japonês, recebe proposta tentadora do governo imperial: o ex-atleta olímpico que teve seu avião abatido durante a Segunda Guerra, ficou 47 dias à deriva no Oceano Pacífico e foi feito prisioneiro pelos japoneses, poderia trocar a prisão militar pelo conforto de um hotel em Tóquio, contanto que se tornasse garoto propaganda do inimigo.

Tal exercício de propaganda de guerra era inaceitável para o ex-atleta, competidor das Olimpíadas de 1936 na Berlim nazista. Por isso, Zamperini, que morreu aos 97 anos em julho de 2014, voltou para o inferno da prisão. O ator britânico Jack O’Connell, 24 anos, no entanto, faria tudo diferente. Intérprete de Zamperini e principal trunfo da cinebiografia orçada em US$ 65 milhões, ele declarou ao UOL não ter dúvidas sobre qual seria sua atitude diante da situação: desfrutaria do conforto dos covardes.

"Os tempos são outros, não? Sou um inglês filho de irlandeses em uma Europa unificada, não tenho grandes paixões nacionalistas. Muito menos compreendo o discurso patriótico. Passamos uma vida tentando entender o que significa ser cidadão de um determinado país, lutar uma guerra por eles. Odeio a frase comumente repetida de que a Segunda Guerra Mundial foi o 'último belo conflito', de nações com valores democráticos contra as principais defensoras do totalitarismo, mas talvez ela tenha algum sentido. De qualquer forma, o Louis tinha uma habilidade rara e admirável de ultrapassar seu próprio egoísmo, de não se concentrar apenas em seu corpo, de não deixar que sua mente se transforme em sua inimiga", diz o ator, usando montes de palavrões devidamente ignorados na tradução para o português.

Jack O'Connell

  • Reprodução

    Não tenho grandes paixões nacionalistas nem compreendo o discurso patriótico. Odeio a frase de que a Segunda Guerra Mundial foi o 'último belo conflito'.

    Jack O'Connell, que interpreta o heroi de guerra Louis Zamperini em "Invencível"

O uso de palavrões e de expressões de baixo calão, mescladas com um aparente genuíno interesse no interlocutor, foi a combinação que conquistou Angelina Jolie. A diretora sabia que, para o filme dar certo, a escalação do protagonista era o passo principal. E certamente ela estava a par do comentário de sir Michael Caine, com quem O’Connell trabalhou no suspense “Harry Brown” em 2009: “Jack O’Connell é a estrela do futuro”.

"No set, a Angie é a comandante, aquela que lidera pelo exemplo a ser seguido. Ela sempre chegava antes de todo mundo e sabia exatamente o que queria. Acho que tem muito a ver com a promessa que ela fez pro Louis, de apresentar um retrato fiel dele no filme. Havia, claramente, um investimento pessoal dela, de fazer algo que honrasse seu amigo", diz o ator. Jolie e Zamperini eram vizinhos e se tornaram amigos com a convivência.

Magnânino

Inspirado no best-seller “Invencível - Uma História de Sobrevivência, Resistência e Redenção”, de Laura Hillenbrand (a mesma autora de “Seabiscuit, a História do Cavalo que Conquistou a América às Vésperas da Segunda Guerra”, levada ao cinema por Steven Spielberg), “Invencível” gira em torno das muitas aventuras e desgraças de Zamperini e de sua impressionante capacidade de sair maior de cada um dos eventos cruciais de sua vida. Filho de imigrantes italianos, usou o atletismo para vencer as barreiras xenofóbicas na escola.

Quando seu avião caiu no Pacífico, ele passou mais de um mês e meio sem água ou comida até ser capturado pelos japoneses. Enfrentou o campo de trabalhos forçados por dois anos e, símbolo de comportamento heroico, fez questão de apoiar publicamente as políticas de reaproximação de Tóquio após a rendição.

"Eu tive a sorte de conhecê-lo. Ele era um testamento vivo daquela época, um homem que passou pela Grande Depressão, um veterano da Segunda Guerra Mundial, e uma pessoa que se doou para mim. Não posso jamais esquecer disso, este que é o maior papel da minha carreira até agora", diz o ator.

Trailer de "Invencível"

O’Connell mantém, ao mesmo tempo, a atitude desafiadora de quem parece não estar nem aí para as convenções --inclusive para tratar de nacionalismo em plena Hollywood-- e de ser um poço de humildade, ciente, no entanto, de que está começando a colher os louros por interpretações elogiadas em produções como “Starred Up”, um drama barra-pesada centrado no encontro entre pai e filho no sistema carcerário britânico.

"Em ‘Invencível’, tive a certeza de que não estou completamente consciente de todas as minhas habilidades profissionais. Ainda estou descobrindo o tipo de ator que eu sou. Desculpe, Angie (risos)! Mas acho que esta descoberta foi parte do desafio e do prazer de encarnar o Louis. Aliás, foi muita sorte minha ela ter visto algo similar ao Louis em mim", diz.

A busca pelo Zamperini ideal fez Jolie considerar centenas de candidatos. Mas a atriz e cineasta conta que encontrou em O’Connell outra dicotomia que parece defini-lo e que o aproxima de Zamperini: a bravura, o desejo de se jogar projeto adentro, sem rédeas, e uma gritante doçura no trato com o outro. 

Desde seu primeiro papel dramático no cinema --lá se vão oito anos, como um adolescente skinhead no filme “This Is England”--, o ator britânico foi responsável por cenas memoráveis, similares às que Angelina imaginava para seu filme, como os embates de Zamperini com o sargento Mutushiro Watanabe, seu algoz em “Invencível”, vivido pelo pop star japonês Miyavi, em sua estreia no cinema.

Jack O´Connell 2

  • Divulgação

    Avisei que não conversaria no set com o Miyavi [foto], para manter o estranhamento entre os dois. Mas ninguém me avisou que o pobre rapaz estava estreando! Coitado!

    Idem, explicando por que ignorou seu antagonista em "Invencível"

"Avisei logo no início que não conversaria no set com o Miyavi, para manter o estranhamento entre os dois, necessário para eu construir o personagem. Mas ninguém me avisou que o pobre rapaz estava fazendo sua estreia no cinema! Coitado! Acho que ele entendeu quando conversamos no fim das filmagens e expliquei a situação toda. Nossa interação, no filme, se limitou às cenas de enfrentamento físico e psicológico que interpretamos, especialmente quando eu o agradecia, entre um take e outro, por ter me batido nas cenas de tortura física sem usar sua força total", diz.

O’Connell encarnou Zamperini da juventude ao amadurecimento forçado no Japão. Do despertar do atleta olímpico à violência física da desnutrição e da tortura. As cenas em que aparece com outros dois militares, em um bote à míngua no Pacífico, são impressionantes.

"Eu tive de fazer o Louis em diferentes momentos da vida dele. Do atleta ao prisioneiro de campo de concentração, macérrimo. Filmamos primeiro a segunda parte, então emagreci e depois fui ganhar músculos. Mas tive apenas nove dias para a transformação, foi bem intenso, passei a morar na academia de ginástica e a comer muita proteína, diz.

Visto como nova promessa do cinema, os próximos projetos de O'Connell já estão engatilhados: “Tulip Fever”, ao lado de Judi Dench e Christopher Waltz; “Money Monster”, o novo filme de Jodie Foster, com George Clooney e Julia Roberts; e será o protagonista de “O Homem que Matou Dom Quixote”, de Terry Gilliam, ao lado de John Hurt.