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Sem "censura", documentário sobre Cássia Eller refuta morte por overdose

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

27/01/2015 12h27

Companheira de Cássia Eller por 14 anos, hoje guardiã do legado da cantora, Maria Eugênia Vieira levantou apenas uma condição quando o diretor Paulo Henrique Fontenelle apresentou a ela, em 2010, o projeto de um possível filme. Na contramão de artistas “censores”, Cássia merecia uma versão fiel ao que era. Nada de omitir histórias como de homossexualidade, casos extraconjugais, abuso de drogas ou mesmo sobre a paternidade do filho Chicão, que ela fazia questão de esconder na época.

Sem filtros, o documentário “Cássia”, que entra em cartaz nesta quinta-feira (29), ainda tenta esclarecer uma informação truncada, que chegou a revoltar a família. Diferentemente do que a imprensa especulou na época, a cantora não morreu após sofrer uma overdose de cocaína em 2001. No documentário, amigos próximos negam que as três paradas cardíacas que ela sofreu em uma clínica no bairro de Laranjeiras, no Rio, tenham sido provocadas pelas drogas.

“Sempre houve muita desinformação. A notícia de que ela poderia ter morrido de overdose foi capa da ‘Veja’. Mas, por outro lado, o resultado do IML provando que o que ela teve foi um infarto não ganhou repercussão. E o que fica é a informação mais contundente”, diz ao UOL Maria Eugênia, que colaborou no projeto cedendo parte de um arquivo pessoal que mantém há mais de duas décadas. “O filme é legal porque toca nesse assunto das drogas e esclarece pontos que acho importantes. Mas não ficou nenhuma mágoa disso. Acho que é apenas a ignorância das pessoas mesmo.”

Repleto de fotos, entrevistas e vídeos raros, o filme foge da mera caricatura artística. O foco está na intimidade da artista, tida por muitos como a última grande voz feminina do Brasil. Depoimentos como o da amiga Zélia Duncan e do parceiro Nando Reis reforçam ainda mais a personalidade dúbia de Cássia: rebelde e intensa nos palcos, mas de uma timidez desconcertante na hora de dar entrevistas.



Também chama a atenção no filme a gradual transformação de roqueira a uma intérprete às raias da MPB, capaz de atingir um público amplo e de várias faixas etárias, rompendo velhos preconceitos de gênero. Antes da parceria bem-sucedida com Nando Reis, foi a vinda do filho, em 1993, o catalizador desse processo. Hoje com 21 anos, dando os primeiros passos na música, Chicão é um espelho da mãe. Introvertido, suou de nervoso e quase não conseguiu gravar a entrevista para o documentário.

“Eu queria mostrar exatamente isso. Toda essa evolução, todos esses lados e fases da vida dela. Não só as polêmicas, mas essa parcela pessoal, maternal, que as pessoas desconhecem”, conta o diretor Fontenelle, que levou o prêmio do público de melhor documentário na 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. No Festival do Rio, “Cássia” foi ainda exibido como "hors concours".

“Fico feliz com o sucesso. Acho que o fato de mostrar esse outro lado dela está sendo uma grande surpresa. Muitos vão lá para ouvir a música e acabam encontrando uma história de vida que é muito mais bonita que a da artista. Como pessoa, ela era muito mais fantástica”, diz Fontenelle, que precisou se virar na produção, sem o apoio de uma biografia oficial ou de um vasto repertório bibliográfico. Acervos de jornais, TVs e lembranças de amigos serviram como principal matéria-prima para o roteiro, que não teve interferência da família.

Aos neófitos na obra de Cássia, o documentário pode até causar certa estranheza, e logo de saída. A figura que usava moicano, que coçou o “saco” e pagou peitinho no Rock in Rio 3, começou a carreira de vestido longo e paetês, cantando números de cabaré na companhia teatral de Oswaldo Montenegro, em Brasília.

“Cassia Eller foi um dos melhores sustos que tomei na vida”, lembra Oswaldo ao UOL. “A Madalena Salles, flautista e assistente de direção da peça, pediu que ela cantasse alguma coisa ao violão. Quando ouvi aquela voz, que transformava qualquer coisa que cantasse numa música ‘dela’, foi um espanto imediato. Ali, já a escalei para cantar o tema do espetáculo e ser a principal solista. Fizemos uma temporada longa em Brasília e depois partimos para mais dois meses em Belo Horizonte.”