Cinquenta Tons... de Confusão, já que o filme-fenômeno não diz a que veio
Quando “Cinquenta Tons de Cinza”, que estreia nesta quinta (12), chega ao fim de forma abrupta, inesperada e totalmente sem sentido, nem dá para assustar. Afinal, foram quase duas horas com a mente repetindo a mesma pergunta: por quê?
Por que o trilhardário Christian Grey (Jamie Dornan) se interessou pela sem graça Anastasia Steele (Dakota Johnson)? Por que em nenhum momento o casal sugere alguma química? Por que tanto alarde quanto às preferências de Grey na alcova se, na hora da verdade, a coisa não inspira meio suspiro? Por que, em pleno século 21, o romance de preferência da dona de casa moderna (e, pode apostar, o filme vai faturar uns quatrilhões de dólares) ainda parece livreco barato comprado com o jornaleiro da esquina? Por quê???
Primeiro vamos tirar o plot da frente. Christian Grey, cheio da grana, solteiro e desejado pelo mulherio, se interessa por Anastasia Steele, formanda em Literatura, tímida e virgem. Os dois começam um relacionamento, ele revela que é dominador e procura uma submissa (isso é sexo, rapazes e moças!). Ela topa, meio que sim, meio que não. Existe um contrato como McGuffin no meio de tudo. Ela leva uns tapinhas, que primeiro não doem, depois sim. E é isso.
Leia crítica de Natalia Engler
Entre começo e fim, uma lista de perguntas sem respostas. Por exemplo, o que impulsiona o desejo de Christian, ou a abertura dada por Ana, ou por que ele é cheio de manias (só dorme sozinho, nunca sorri) e ela, cheia de neuras (mantém a família distante e os pretensos relacionamentos mais ainda). A família de ambos, por sinal, é apenas apêndice, desculpa para Marcia Gay Harden e companhia embolsarem um cheque.
E “Cinquenta Tons de Cinza” caminha assim, aos trancos, pontuando uma e outra DR com sexo. Sexo muito comportado, por sinal. Claro, para um filme mainstream-made-in-USA, a coisa é até ousada. Mas aqui podia passar fácil na “Sessão da Tarde”. E é aí que a coisa pega de verdade: embora seja inteiro construído na premissa de paixões incendiárias e sexo selvagem, o que pinta em cena é uma versão melhor produzida dos “Red Shoe Diaries”, a série softcore que o rei do gênero, Zalman King, tirou da cartola na TV dos anos 1990.
Grey, pelo plot sugerido no livro e seguido no filme, não teria o menor motivo para olhar duas vezes para Ana – a não ser pelo desejo de “corromper a pureza”. Mas não é essa sua pegada, e sim as atividades envolvendo chicotes, algemas, cordas e muito couro vermelho em seu “quarto de jogos”. É involuntariamente engraçado o sparring dos protagonistas e o desfile de clichês sexuais (gelo na boca, lábios mordidos, venda etc). O “ato final”, que revelaria o limite desse relacionamento, é praticamente um coito interrompido.
O que, então, salva os caraminguás que o senhor e a senhora pagaram para desfrutar “Cinquenta Tons de Cinza” no cinema?
Vamos lá. A diretora Sam Taylor-Johnson é elegante e nunca apela para a vulgaridade (ao contrário da autora dos livros, E.L. James, que não foge da sacanagem barata). O filme é bonito, produção esmerada, e dá vontade de viver no mundo de Christian Grey.
Ah, os atores. Jamie Dornan tem um papel ingrato, já que foi substituto de última hora e, honestamente, faz o que pode com um personagem unidimensional – em suas palavras, ele “é assim porque é assim”. Pior sorte teve Dakota Johnson. Ela tinha de agarrar Anastasia Steele e fazer dela memorável, como fez Rosamund Pike e sua Amazing Amy de “Garota Exemplar”, para ficar num exemplo recente. Mas não passou de mordidas no lábio e sorrisos marotos. Uma pena.
No fim, o livro atrapalhou o que poderia ser um filme sexy, mas adaptar literatura de quinta com tamanha fidelidade dá nisso. Poderia ser pior? Claro. Mas ainda teremos mais dois filmes para superar o primeiro. E para, talvez, responder a todos os por quês...
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