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Fraco, "50 Tons" fará sucesso apelando para fantasias femininas comuns

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

11/02/2015 07h00

"Cinquenta Tons de Cinza", que estreia nesta quinta (12), é, sim, um filme fraco. O que não significa que não será muito bem-sucedido, assim como o best-seller de E.L. James, em que se baseia. E James é a culpada tanto pelas fraquezas do filme como por seu provável sucesso, já que o longa é bastante fiel ao material original.

Todos os pontos fracos do filme já estavam no livro, a começar pela premissa: a inocente e sem-graça universitária Anastasia Steele (Dakota Johnson) chama a atenção do jovem e atraente milionário Christian Grey (Jamie Dornan). Mas, para complicar as coisas, ele é um cara "traumatizado", que não se rende ao romance, e adepto do sadomasoquismo.

Estamos no campo dos contos de fadas, ainda que em uma versão um pouco mais picante, recheada de fantasias comuns a muitas mulheres: a de chamar a atenção de um homem supostamente mais interessante do que elas; a de ser especial, por fazer com que o sujeito se apaixone como não se apaixonou por outras mulheres; e a de "consertar" um cara traumatizado. E isso vai garantir uma bilheteria milionária ao filme.

E não se engane. O que realmente importa aqui é o romance, não o sexo, e é por isso que Grey encarna uma versão aperfeiçoada do príncipe encantado, o homem que sempre surpreende sua amada, seja apresentando-a como namorada à família --mesmo depois de dizer que não curte "flores e bombons"--, convidando-a para dançar ou com um romântico passeio de planador nas primeiras horas da manhã. Como um "plus", ele ainda é um deus do sexo, mesmo que pouco ortodoxo, capaz de provocar na virginal Anastasia orgasmos intensos, em poucos minutos.

Mesmo com tantos clichês --que dizem muito sobre a maneira infantilizada com que a indústria do entretenimento trata as mulheres--, é fácil imaginar que é sobre este tipo de coisa que a dona de casa fantasia quando fecha os olhos, deitada ao lado do marido sem-graça. Ou a mulher "moderna", bem-sucedida profissional e financeiramente, para quem ainda falta o homem "perfeito" –ou que pode ficar perfeito com apenas algumas modificações.

Para quem compra a ideia –número que deve facilmente chegar a milhões--, o conselho é: se não leu o livro, veja apenas o filme.

É fato que ainda há nele resquícios de diálogos que soam como piada, de tão pouco naturais, e que entraram no filme quase iguais ao livro –na segunda vez em que Ana e Grey se encontram, ele resolve fazer compras na loja de materiais de construção onde ela trabalha e pede uma sugestão do que levar: "'Macacões', respondo, e sei que já perdi o controle do que sai da minha boca. Ele ergue uma sobrancelha, achando graça de novo. 'Você não ia querer estragar sua roupa'. Faço um gesto vago na direção da sua calça. 'Eu sempre poderia tirá-las'. Ele dá um sorriso afetado".

Também estão presentes tiques irritantes de E.L. James, como a frequência absurda com que Ana morde os lábios e a forma como a personagem ofega e sussurra o tempo todo quando está perto de Grey.

Mesmo assim, é visível o esforço da diretora Sam Taylor-Johnson em dar ritmo à história e em buscar um trabalho verossímil dos atores, dentro dos limites do texto de James, que assina o roteiro ao lado de Kelly Marcel ("Walt nos Bastidores de Mary Poppins"). A diretora também tem a seu favor o fato de que seria difícil transpor para a tela algumas das piores partes do livro: a narração em primeira pessoa de Ana, que faz comentários infantiloides por todo o romance, além das conversas imaginárias que trava com seu inconsciente e com sua "deusa interior".

Sexo

Nas cenas de sexo, a ausência dos comentários da personagem são um verdadeiro alívio --ler trechos como "Ele paira em cima de mim. Eu me retorço de desejo" é de doer. O que não significa que o resultado seja digno de nota.

Poucas (apenas quatro em duas horas) e rápidas, as cenas de sexo podem até parecer mais "picantes" do que o normal, por envolverem gravatas, palmadas, chicotes ou cordas, mas perdem feio em termos de erotismo e ousadia para filmes europeus como "Azul É a Cor Mais Quente", para citar um exemplo recente.

O que não é de se estranhar, pois estamos em Hollywood, e é sabido que a produção fez de tudo para garantir a classificação "R", que permite menores de 17 anos acompanhados de um responsável. O que estranha, na verdade, é um filme cujo principal público são as mulheres ter mais nudez feminina do que masculina.

Os seios de Dakota Johnson balançam com desenvoltura em frente à câmera em várias cenas, e vemos até um pouco de pelos púbicos. Do outro lado, o público feminino é brindado apenas com tomadas das costas nuas de Jamie Dornan e raras aparições de seu bumbum –o que já deve fazer muita gente suspirar, pois o ator talvez seja o maior motivo para elas irem ao cinema.

O público merecia mais. E não só em termos de sexo. Mas isso não deve ser um problema para a bilheteria.