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Real drama do Oscar não é a falta de diversidade, mas a perda de relevância

Ana Maria Bahiana

Do UOL, em Los Angeles

19/02/2015 07h00

A controvérsia sobre a falta de mulheres e negros entre os indicados ao Oscar 2015 pode ser o assunto mais comentado publicamente nesta temporada-ouro mas, internamente, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood está preocupada com questões maiores, que incluem o problema da diversidade e da inclusão, mas vão bem além.

Depois de ouvir tanto acadêmicos votantes quanto funcionários em posições-chave na Academia, ficou bem claro que a questão que vem tirando o sossego da entidade que promove o maior prêmio de cinema do mundo é algo de fato aterrorizante: até quando o Oscar será relevante?

“Existe muito receio, muito questionamento”, disse um funcionário que, como todos os demais procurados para esta matéria, falou em condição de anonimato. “Será que as novas gerações ainda se interessam pelo Oscar? Será que o Oscar ainda representa alguma coisa para eles?”

De fato, em seus quase 90 anos de vida o Oscar conseguiu enfrentar e vencer as ameaças de várias novidades: a TV, que a cerimônia abraçou em 1953; o videocassete e depois o DVD, que se transformaram em ferramentas de marketing; as ondulações do gosto do público, a geração "sexo, drogas e rock 'n' roll" dos anos 1970, a explosão do cinema independente dos anos 1990, etc. 

A festa em si pouco mudou ao longo de tudo isso: as mesmas mais de três horas de duração, os mesmos discursos, as montagens comemorativas, os números musicais. E até bem recentemente, ninguém se angustiava com isso, muito pelo contrário. Era uma fórmula de sucesso, o programa de TV não esportivo mais visto dos Estados Unidos, com dezenas de milhões de espectadores e uma receita de mais de 95 milhões de dólares em anúncios, uma rica compensação dividida entre a rede ABC, que transmite o Oscar e o licencia mundialmente, e a Academia.

O problema é que esses milhões (43 milhões em 2014, para ser preciso) não chegam perto dos 55 milhões de espectadores que o Oscar já teve em 1998. E a cada ano a festa tem uma erosão de espectadores exatamente no segmento mais cobiçado, a plateia entre 18 e 49 anos.

“Isso tem muito a ver com os longas que são lançados a cada ano”, comenta um executivo de marketing, membro ativo da Academia. “Filmes populares atraem mais audiência, claro. Nós somos tão bons nisso quanto os títulos que temos para escolher a cada ano. Mas os filmes são apenas parte da equação. O lado positivo é que o Oscar se presta às midias sociais. Ellen [DeGeneres, anfitriã do Oscar 2014] demonstrou isso muito bem, ela compreende como as redes sociais operam. Não é a toa que tivemos a melhor audiência em dez anos”, acrescenta.

A iniciativa de abrir a categoria de melhor filme para além de cinco indicados foi uma manobra para possibilitar a inclusão desses filmes populares entre os escolhidos. Melhor filme é a única categoria para a qual todos os seis mil acadêmicos votam na fase das indicações.

A manobra foi tão clara que até os próprios acadêmicos a chamam de “medida Christopher Nolan” - uma brecha para ver se filmes pop com ambições maiores, como os de Nolan, cairiam nas graças do Oscar. Até o momento isso não aconteceu, mas a presença do altamente popular "Gravidade" no ano passado demonstrou bem a questão: sete Oscar, Ellen DeGeneres e mídias sociais foram os ingredientes da maior audiência da última década.

E não é apenas a questão da popularidade que dá dor de cabeça na Academia. Uma queda de popularidade, interesse e relevância pode significar uma diminuição da rentabilidade da marca “Oscar”, exatamente num momento em que a Academia dá seu passo mais ambicioso: a criação do Museu do Cinema, um projeto bilionário com a meta de ser o espaço definitivo da sétima arte, com inauguração prevista para 2017.

“É uma situação complicada”, diz um produtor e membro da Academia. “O Oscar precisa manter sua posição de prestígio mas também precisa ser popular, relevante e rentável. Ele  tem sido tudo isso há tanto tempo que a possibilidade de não ser mais é apavorante”, alerta ele.

Essa é a moldura na qual a Academia debate a questão da diversidade e da inclusão. Um objetivo importante da presidente Cheryl Boone Isaacs – mulher e negra, com décadas de experiência em marketing corporativo – é a renovação dos quadros da Academia, com maior inclusão de mulheres , de jovens e de profissionais de todas as etnias e culturas. Sua ordem tem sido de ir em busca desses novos acadêmicos agressivamente.

“Ela sabe que a mudança da Academia tem que ser feita de dentro para fora”, diz uma roteirista e produtora. “Uma Academia mais diversa vai retratar melhor o momento da indústria e do mercado. Mas a verdade é que a indústria ainda é um clube dominado por homens brancos. Em nossos sindicatos temos trabalhado muito para mudar esse perfil, mas ainda é uma situação dificílima”, conclui.

De fato: um estudo do Centro de Estudos da Mulher em Cinema e Televisão apontou números estarrecedores: em 2014, diretoras assinaram apenas 7% dos filmes lançados; papéis femininos apareceram em apenas 30% dos filmes; papéis femininos de destaque, como protagonista, estão em somente 15% dos filmes; personagens negros apareceram em 14% dos filmes, latinos em 5% e asiáticos em 3%.

“Como eu disse, somos tão bons quanto os filmes que estão competindo”, diz o executivo. “É a indústria como um todo que tem de mudar para acompanhar o que está acontecendo ao seu redor.”