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Nicole Puzzi vê "50 Tons" e diz: "É feito para virgens e mulheres velhas"

Nicole Puzzi e cena de "Cinquenta Tons de Cinza" - Gina Stocco/Divulgação e Divulgação
Nicole Puzzi e cena de "Cinquenta Tons de Cinza" Imagem: Gina Stocco/Divulgação e Divulgação

James Cimino

Do UOL, em São Paulo

06/03/2015 06h00

Usando um mini short jeans, a atriz Nicole Puzzi, 56 anos, uma das musas da pornochanchada dos anos 1970 e 1980, quebrou sua rotina para ir com a reportagem do UOL assistir ao filme "Cinquenta Tons de Cinza" nesta quarta-feira (4), em um cinema de São Paulo.

Ela, que não gosta de filmes eróticos nem de filmes românticos, classificou o longa inspirado no best seller homônimo (e que, nesta semana, faturou US$ 502 milhões em bilheteria), como um "continho de fadas com pretensões sexuais" e disse que ele foi feito "para pessoas virgens ou para mulheres velhas que nunca tiveram orgasmo". "Prefiro terror. Adoro 'The Walking Dead' e 'American Horror Story'", disse a atriz.

Fora o fato de ter participado de muitos filmes considerados eróticos na época da censura, Nicole Puzzi, que hoje apresenta o programa "Pornolândia" no Canal Brasil, é uma pessoa muito articulada, observadora e conhecedora dos arquétipos da literatura.

Durante a sessão, fez muitas anotações em um caderninho para, depois do filme, comentar suas impressões sobre ele. "As pessoas acham que porque você é atriz, loira, bonita e fez filmes eróticos, você é uma pessoa vazia. Mas eu tenho um QI alto e leio muito", afirmou sem modéstia alguma.

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  • James Cimino/UOL

    Tem muita pornochanchada que dá de dez a zero nesse filme. Porque esse filme é um continho de fadas, de princesa. Com alguma pretensão sexual

    Nicole Puzzi

Embora tenha achado o longa uma perda de tempo, viu na experiência um aspecto positivo. O filme a fez concluir que jamais lerá o livro. "Ainda tenho muitos livros para ler na minha vida. Eu ainda não li os clássicos alemães e quero ler todos eles. Na minha idade, não tenho mais tempo para perder com coisas que não gosto." Leia abaixo e entrevista.

UOL - O que você achou do filme?

Nicole Puzzi - Tem muita pornochanchada que dá de dez a zero nesse filme. Porque esse filme é um continho de fadas, de princesa. Com alguma pretensão sexual. Por que pretensão? Porque ele é um filme cheio de pudor ao mostrar a nudez, as cenas de sexo. É um filme que sente vergonha da sexualidade. Neste conto de fadas tem a princesa, virgem, pura; o príncipe, virgem de sentimentos; aí tem o cavalo branco, que primeiro é o helicóptero, depois o carro e depois o planador; tem que carregar no colo; tem a torre, que é o apartamento dele; e a torre do martírio, que é aquele quarto. Eu acho que isso minimaliza o filme de uma maneira... Eu não li o livro e não vou ler por causa do filme. Não vou perder meu tempo lendo isso. Depois que eu vi esse filme, cheguei à conclusão de que eu perdi duas horas da minha vida. (risos)

Você acha que esse filme foi feito para pessoas que têm vergonha da própria sexualidade?

É um filme comercial demais. Óbvio demais! O que mais escrevi nas minhas anotações foi a palavra "óbvio". Saindo do campo da pornochanchada, ele perde muito para "O Último Tango em Paris". Porque "O Último Tango..." te envolvia. Não era só a época. Se aquele filme tivesse sido feito hoje da mesma forma que foi feito naquela época você iria se envolver também. Porque era um filme sedutor... Claro, tinha o Marlon Brando... Mas "Cinquenta Tons de Cinza" é uma água com açúcar. Quando a nudez vai aparecer, ela põe a perna, não aparece o sexo, não aparece nada. É tão raso, que não tem muito a comentar. Acho que ele foi feito para pessoas virgens ou para mulheres velhas que nunca tiveram um orgasmo.

Mais ou menos o que a Madonna falou do livro...

Eu não li o livro. E, aliás, ainda tenho muitos livros para ler na minha vida e eu ainda não li os clássicos alemães e quero ler todos eles. Na minha idade, não tenho mais tempo para perder com coisas que não gosto. Queria assistir ao filme? Queria, porque acho interessante me manter antenada, mas perdi meu tempo.

O que tanto você anotou durante a sessão?

Primeira coisa que anotei foi: "Que puta música é 'I Put a Spell on You'!" [canção que faz parte da trilha sonora].

Com a Annie Lennox...

Isso! Estava tentando lembrar o nome da cantora. Aliás, a trilha é a melhor coisa do filme. Mas o diálogo é muito pobre. Aquele diálogo no escritório, no início do filme, aliás, em todos os lugares...

Você acha que as pornochanchadas tinham diálogos mais profundos?

Não, mas a proposta da pornochanchada não era ter diálogo profundo. Era diversão. Era o sexo. Era de passar algumas mensagens na época da ditadura... Por exemplo, eu fiz um filme chamado "Possuídas pelo Pecado" bem na época da censura, e não se podia mostrar o sexo, os peitos, a bunda inteira. Esse filme foi chamado de pornochanchada, mas era um drama. A cena que eu tenho com o David Cardoso era uma cena em que eu faço uma virgem e o David Cardoso tira minha virgindade. Era mil vezes mais bonita e mais sensual que esse filme. E não é que se tinha vergonha de mostrar o corpo. É que não podia. É diferente... É um filme que se autocensura. E esse filme foi feito em 1974. Eu era menor de idade. O David não sabia. Falsifiquei documento na época da ditadura para fazer esse filme.

Você pegou o David Cardoso?

Nicole - Reprodução - Reprodução
Nicole Puzzi no filme "Volúpia ao Prazer", de 1981
Imagem: Reprodução
Não, porque a gente era muito amigo. Eu só saí com quem eu quis. E até hoje sou assim. Só saio com quem eu quero, sendo bom ou sendo ruim... Mas poderia... Agora, voltando ao "Cinquenta Tons", é um filme em que as pessoas querem ver sacanagem, mas tem que ser "sacanagem chique". Então ver um filme internacional, é chique. E elas [espectadoras] se acham intelectuais porque leram o livro. Como se ler um livro como esse fosse ser intelectual, fosse acrescentar... Talvez acrescente na vida sexual de uma pessoa com dificuldades sexuais. Pessoas que não têm coragem de assistir a um filme pornográfico mesmo. Aí lê o livro, se sente intelectual, vem, assiste a esse filme e se acha um expert em sexo.

O que mais você achou óbvio no filme?

Ah, o trabalho dele é óbvio, o trabalho dela é mais óbvio ainda... Quer dizer, ela trabalha em um lugar onde vende a corda com que ele vai amarrá-la depois. E se ela trabalhasse em uma hamburgueria? Ele ia chicotear um pedaço de carne? Eu não acho isso criativo... O pai dela morreu quando ela era criança. Óbvio que o pai dela morreu quando ela era criança, por isso ela se interessou por aquele homem que, a princípio, é um homem poderoso e forte.

O filme mostra que ele é filho de uma viciada...

Ele é um filho da p... literalmente, né?

Você acha que é uma forma de justificar o fetiche dele? Ele não parece um dominador sexual. Em geral, pessoas que têm esse fetiche, não perguntam tanto, não pedem tanta permissão quanto ele...

Sim, o filme tenta justificar isso por meio de uma explicação banal e rasa.

O filme não admite em nenhum momento que ele pode estar fazendo aquilo por prazer...

Aí que entra a questão do pudor e do preconceito. No meu programa ["Pornolândia", no ar no Canal Brasil] eu já entrevistei prostitutas, já entrevistei sadomasoquista, enfim, pessoas que têm um tipo de sexualidade bastante alternativa, vamos dizer... Pessoas que têm uma sexualidade que eu não teria, porque não quero. Embora em alguns casos eu até tenha achado bacana. Mas essas pessoas são bem resolvidas. Então eu vi uma menina que tinha uma relação de submissão tão forte e tão incrível, tão profunda, que eu quase falei pra ela: "Menina, para com isso!" Mas aí eu perguntei se ela era feliz. E ela disse que sim. Então, ela estava nessa relação de submissão com outra mulher porque ela queria. Conversei com uma dominatrix que disse a mesma coisa. Ela faz porque ela gosta. Aí você chega à conclusão de que o filme é preconceituoso. Ele faz aquilo porque é um filho da p..., literalmente, porque foi abandonado...

Teve gente que escreveu que esse filme era sobre um cara que foi abusado e que hoje abusava e, assim, disseminava a misoginia e o abuso contra mulheres se utilizando de seu poder econômico.

Acho que na sexualidade vale o que você quiser. Eu se um homem me der um tapa, eu dou uma cadeirada nele. Eu não gosto, para mim não serve. Mas se você quer ser sado ou masoquista, ok! Vale tudo desde que seja consensual e entre pessoas adultas. Saiu disso, aí já partimos para a criminalidade. Então, eu acho que o filme presta um desserviço. "Por que eu sou mau?" Mas ele não é mau. "Eu sou assim porque passei por isso..." Não é. Ele é mal resolvido. Mas nem todo o mundo que é sadomasoquista é mal resolvido. Nem todo o mundo que tem uma sexualidade diferenciada é mau. Acho que ele precisaria de uma terapia, talvez sair com um rapaz para ver se não é a dele... Aí o filme diz, de forma bem simplista, que ele só é assim porque não encontrou o amor. Ela é a princesa da Disney, que vai ajudar o príncipe, e eles vão ser felizes para sempre. Aliás, ela tem nome de princesa, Anastasia...

E ele se chama Christian, que é cristão em inglês, cheio de culpa...

Sim! E tem a bruxa má, que foi a amiga que o subjugou na adolescência e que o colocou nessa situação toda... Mas eu ficaria com o José [personagem coadjuvante que estuda com Anastasia e está apaixonado por ela], que deve ter o p... maior que o dele.