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Doc sobre Carlos Imperial revela gênio mentiroso que revolucionou a MPB

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

08/04/2015 06h00

Ele fez os Beatles gravarem “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga. Rodou e deu entrevistas sobre um filme baseado em um conto do italiano Pier Paolo Pasolini. Trocou tabefes ao vivo com Erasmo Carlos em um programa da Rádio Bandeirantes. E, como se não bastasse tudo isso, deu em primeira mão a "notícia" de que o ator Mário Gomes estava em um hospital sofrendo com uma incidental cenoura enfiada no ânus.

Famosas, algumas com status de lenda urbana, as mentiras de Carlos Imperial entraram para a história e agora viraram filme: “Eu Sou Carlos Imperial" documentário que, por uma ironia que é a cara do biografado, estreia no festival “É Tudo Verdade”, no próximo domingo (12).

Cafajeste, cínico, mulherengo e grande marqueteiro, Carlos Eduardo da Corte Imperial ficou conhecido como o apresentador de TV que fecundou a Jovem Guarda e lançou nomes como Roberto Carlos, Elis Regina, Tim Maia e Wilson Simonal. Mas ele foi muito mais: ator, compositor, dramaturgo, jornalista, cineasta, político e mentor intelectual do estilo musical “Pilantragem” —embora negasse, afinal “intelectual não come ninguém”.

Com a câmera na mão, era um diretor instintivo, que dispensava roteiros, autroproclamava-se o "Orson Welles brasileiro" —um Orson bem mais pornográfico. É dele também a autoria (termo talvez um pouco "forte") da entonação clássica do anúncio das notas na apuração das escolas de samba, que até hoje persiste. Gênio exêntrico para uns, picareta oportunista para tantos outros. Assim era Imperial, (quase) sempre um sinônimo de sucesso.

“Ele era tudo isso, sim, um multitalentos, mas costumo defini-lo como um grande ficcionista. Um cara que criava histórias e personagens para ele e para outros artistas”, conta ao UOL Ricardo Calil, um dos diretores do doc. “Às vezes colava, às vezes, não. Ele inventou o Roberto Carlos como cantor de bossa nova, e não deu certo. Tentou fazer da Elis Regina uma cantora de rock, também não rolou. Dando certo ou não, era um criador em todos os sentidos. Admirava muito o Colonel Tom Parker, promotor do início da carreira do Elvis, que fazia tudo o que fosse necessário para ter sucesso."

Assista ao trailer de "Eu Sou Carlos Imperial"

Desafios de montagem

Baseado na biografia “Dez ! Nota Dez ! Eu Sou Carlos Imperial”, de Denilson Monteiro, o documentário reconstroi uma trajetória que teve início no fim dos anos 1950, quando o inciante produtor cultural decidiu se aproveitar da onda da brilhantina e das guitarras de Chuck Berry, criando em Copacabana o "Clube do Rock". Um espaço de efervescência para novos artistas que mais tarde viraria o mais concorrido programa musical da televisão, marco da introdução da cultura jovem no país.

Para corroborar a tese, o filme traz, entre cenas raras de filmes, programas de TV e imagens de arquivo, depoimentos de Roberto, Erasmo, Toni Tornado, Eduardo Araújo, Gerson King Combo e Paulo Silvino, entre outros. Cada qual com uma história excêntrica e engraçada para contar. 

Conseguir uma agenda com o “rei”, por sinal, foi o desafio número 1 da produção. Sem sucesso na empreitada, os diretores tiveram de utilizar trechos da entrevista feita para o filme anterior da dupla, o documentário “Uma Noite em 67”. Para o desafio número 2, uma tarefa (ainda) mais complexa: decifrar o que era mentira e verdade por trás da máscara de persona pública.

Segundo relatos do documentário, Imperial era um sujeito misógino: chegou a dormir com 20 “lebres” –forma como batizava suas seguidoras– e simplesmente deserdou o filho quando descobriu que seria avô. Ao mesmo tempo, tinha um lado extremamente conservador: nem podia ouvir falar em drogas. Bebida, só fosse Coca-Cola.

“Esse é o grande barato. Não dá pra colar uma etiqueta, definir se ele era liberal, conservador, de direita ou de esquerda. Já diz muito o fato de ele ter sido preso na ditadura militar, não por ser um cara de esquerda, mas por mandar uma foto sentado na privada para o militares, e, anos depois, ser eleito vereador citando essa galhofa como se fosse um mérito dele. Era um cara inclassificável”, resume o codiretor Ricardo Calil.

"Se botassem um roteirista de ficção para escrever, ele diria que aquilo não poderia ser real. Também nos preocupamos em não criar juízo de valor. Deixamos os julgamentos e conclusões para quem quiser fazer."

Nem tudo é verdade

Segundo os diretores, também não foi fácil escolher o que deixar de fora nos 30 anos de uma vida intensa e sempre recheada de mulheres. Boas lorotas tiveram de ser limadas na edição, principalmente as do lado dramatúrgico. “Ele montou uma peça era uma vez no Carnaval. Queria achar um travesti que tivesse biotipo de mulher, para causar confusão nos espectadores. E a gente conseguiu encontrar essa protagonista, a Claudia Celeste, que deu o depoimento. Iríamos colocar sem revelar a identidade masculina, mas acabou ficando de fora.”

Outra pegadinha, esta presente na versão final, é a história da música “A Praça”, composta por Imperial e famosa na voz de Ronnie Von.  Para torná-la sucesso, o "rei da pilantragem" inventou que ela teria sido feita por um desconhecido músico do interior mineiro. Na época, chegou até a ir à praça interiorana, para mostrar à imprensa a origem da história. Edson, o suposto compositor, é um dos entrevistados no filme.

“Ele é uma das mentiras que a gente inventou (risos)”, adianta Calil. “Tem outras, mas não posso falar agora. Vamos contando depois.”

As mentiras marqueteiras de Carlos Imperial mostradas no filme

“A Praça”
Segundo ele, a música, lançada sem muito estardalhaço, havia sido composta por um misterioso compositor do interior mineiro, que vivia pacatamente na praça tocando violão. Uma farsa para alavancá-la nas paradas. Deu certo.
 
Domínio público x domínio Imperial
Imperial tinha o hábito de se apropriar de músicas de domínio público e assinar como se fossem suas. Entre elas, os sucessos “Meu Limão, Meu Limoeiro”, feita a partir de um pot-pourri de Eduardo Araújo, que se recusou a assiná-la, e “O Coelhinho”, gravada pelas irmãs Célia e Celma.

Cenoura enfiada em Mário Gomes
O famoso boato de que Mário Gomes, então um galã em ascendência, dera entrada em um hospital do Rio no fim dos anos 1970 com uma cenoura enfiada no ânus foi plantada por Carlos Imperial no jornal “Luta Democrática”. A história teve origem em um entrevero entre os dois, após o lançamento do filme "O Sexo das Bonecas", cujo pôster trazia um desenho de Gomes travestido de mulher.

Beatles fãs de Luiz Gonzaga
Carlos Imperial participou de uma gravação em que o grupo Renato e Seus Blue Caps apresentou uma versão roqueira e improvisada de “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga. Para promover seu programa de rádio, disse que havia descoberto uma rara versão dos Beatles para o clássico da música brasileira. Até hoje muita gente acredita.

"Mulheres, Mulheres"
Esperto, ele encontrou um jeito original de promover o filme, lançado em 1981. Disse a quatro ventos que o longa erótico era baseado em um conto do cineasta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini. Em uma entrevista à apresentadora Marília Gabriela, mostrada no documentário, Imperial diz que resolveu mudar a narrativa porque não conseguiria interpretar fidedignamente o personagem homossexual da história.

Alvejado pela ditadura
Imperial chegou a ser preso durante a ditadura militar, depois de mandar um cartão de natal aos militares com uma foto sua sentado no vaso sanitário, reproduzindo a escultura “O Pensador”, do francês Auguste Rodin. Depois de sair da cadeira, jurava que havia sido torturado, levado um tiro no joelho e tido os dentes arrancados. Tudo mentira.