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Na Serra Gaúcha, Selton Mello encerra filmagem de longa 'sobre sonhadores'

Flávia Guerra

Do UOL, em Cotiporã (RS)

31/05/2015 11h03

Em vez das belas paisagens o Vale dos Vinhedos, uma das regiões mais famosas do Rio Grande do Sul, o cenário ocupado pela equipe de "O Filme da Minha Vida", novo longa de Selton Mello, era a Casa Vermelha, um casarão de madeira típico transformado em um cabaré de época, onde o jovem protagonista Tony, personagem vivido por Johnny Massaro, perde a virgindade com Camelia (Martha Nowill). 

Decisiva, a cena era uma das últimas que a equipe rodava depois de quase dois meses de filmagens na região. 
 
“É um cenário especial. E esta é uma cena delicada, que tem a o encantamento do momento, mas também tem humor, pois Tony é tímido. A Camelia é uma cortesã diferente, que tem interesses diversos e que adora geografia. A cena brinca com a situação toda”, comenta Selton, em um dos poucos intervalos da filmagem do longa baseado no livro Um Pai de Cinema, do escritor chileno Antonio Skármeta, que conta a conta a história de Tony, um jovem professor de francês que, ao retornar à Remanso, sua cidade natal, tem a notícia de que o pai deixou a família. 
 
Com saudade da França e dos amigos, Nicholas (interpretado  pelo ator francês Vincent Cassel) supostamente teria voltado para seu país.  
 
"Tony passa a dar aulas de francês para alunos pouco mais jovens do que ele. E acaba se encantando por duas irmãs (uma delas é Bruna Linzmeyer). Ele é inexperiente, nunca esteve com uma garota. O filme mostra este processo de descoberta da vida e da figura do próprio pai", explica o diretor.
 
De volta à cena, quase a portas fechadas, em um quarto de decoração belle époque e com clima intimista, o tom dos diálogos é bem humorado. “Você é professor de que? Geografia? Adoro geografia. Sei todas as capitais dos países de cor...”, brinca a personagem de Martha enquanto despe Tony. E ele, desajeitado, começa a perguntar as capitais para ela, que vai respondendo uma a uma.  Mais detalhes desta cena é melhor não contar e deixar o mistério para a estreia do longa, em 2016.
 
Certo é que "O Filme da Minha Vida" terá o mesmo lirismo e o mesmo equilíbrio entre humor e drama do filme anterior, "O Palhaço" (2010), que foi visto por mais de 1,5 milhão de pessoas nos cinemas. “É um rito de passagem para a vida adulta, mas também sobre os sonhos de cada um dos personagens. Se já não houvesse o filme do Bernardo Bertolucci, poderia se chamar "Os Sonhadores", pois todos os personagens têm seus sonhos. Tony tem o sonho de reencontrar o pai, outro quer conhecer Acapulco, outro quer conhecer a família...”, comenta Selton.
 
Quem concorda com a definição de Selton é Antonio Skármeta, que fez uma ponta no filme e acompanhou a entrevista com o diretor. “Foi aqui, naquela mesa, que Skármeta rodou sua cena. Ele faz um monólogo que ele mesmo escreveu, sobre um ciclista que disputa uma corrida com a morte. E eu, como Paco, personagem que faço na história, ouço tudo”, revela Selton.
 
Como surgiu o convite
 
Foi o escritor Antonio Skármeta quem quis que o brasileiro levasse seu livro para o cinema. Autor de outras obras que renderam filmes premiados, como "Ardente Paciência", que se tornou "O Carteiro e o Poeta" sob direção de Michael Radford, indicado a vários Oscar; "O Baile da Vitória", que virou "A dançarina e o ladrão", dirigido por Fernando Trueba, além da peça "O plebiscito", que Pablo Larraín transformou no longa "No" (indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro), Skármeta leu trechos de Um Pai de Cinema para o público brasileiro de uma feira de livros e contou que gostaria que virasse um filme dirigido por um brasileiro. 
 
Foi o bastante para que um amigo seu ligasse para a produtora Vania Catani, da Bananeira Filmes, e sugerisse que Selton dirigisse o longa.  “Selton estava buscando a história de seu terceiro longa. A ideia era fazer um filme que tivesse a mesma pegada que "O Palhaço", com o equilíbrio entre a capacidade de ser popular e com o cuidado artístico. Quando li o livro, achei que tinha tudo a ver”, conta Vania. “É uma história lírica, que desde a avó até o neto podem assistir, mas não é para um espectador comum, que vê e logo esquece, e sim para quem tem uma relação mais profunda com o filme”, completa a produtora.
 
Para Vania, o desafio de produção de "O Filme da Minha Vida" é ainda maior que de "O Palhaço". “É um filme de época, com sete semanas de filmagens, com muito deslocamento pelas cidades em que a história se passa, além de uma equipe de 150 pessoas. Há ainda o desafio de filmar no interior do Rio Grande do Sul, distante da nossa base no Rio.  Enfim, muito mais complexo do que "O Palhaço", mas está sendo recompensador”, conclui a produtora.
 
Skármeta concorda com as escolhas da equipe brasileira. "Eu queria que fosse um filme brasileiro, rodado aqui, para por para funcionar a energia criativa latino-americana. E estou muito feliz com o que vi", declarou o escritor ao UOL, logo antes de deixar Bento Gonçalves, onde a equipe do filme está instalada. "Resgatar a América Latina profunda é tarefa dos artistas. Esta paisagem espetacular que tem o Rio Grande do Sul vai ajudar a contar melhor as emoções que têm os personagens", concluiu o escritor.