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"Que Horas Ela Volta?" traz importância do direito das domésticas, diz Casé

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

07/08/2015 11h31

No últimos anos, o Brasil vem assistindo a uma revolução na realidade das empregadas domésticas. A garantia de direitos trabalhistas, reforçada com a PEC das domésticas, de 2013, tem aumentado a segurança dessas profissionais e caminhado para por fim a uma relação quase escravocrata, à qual eram muitas vezes submetidas. No meio dessa importante mudança, chega o novo filme de Anna Muylaert, "Que Horas Ela Volta?", que abre o Festival de Gramado, nesta sexta (7), fora da competição. A exibição é a primeira no Brasil depois de prêmios em Sundance e no Festival de Berlim.

Para viver a empregada Val, Muylaert ("Durval Discos e "Proibido Fumar") escalou alguém que entende do assunto: a atriz e apresentadora Regina Casé, que conversou com o UOL sobre a importância do filme para o atual momento do país e sobre sua atuação. A personagem de Casé é como muitas mulheres que foram obrigadas a deixar os filhos no nordeste para conseguir um emprego melhor na cidade grande.

"Trabalhando em favelas e periferias [como no programa global 'Central da Periferia'], conheci muitas pessoas como a Val. E mais ainda, ter viajando tantos anos pelo Brasil mais profundo, descobri os lugares mais ermos onde nascem, crescem", conta a atriz e apresentadora, em entrevista ao UOL.

Val mora há muitos anos na casa dos patrões em São Paulo, onde também estabeleceu uma relação maternal com o filho deles, Fabinho, interpretado por Michel Joelsas (conhecido como o garoto de "O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias", hoje com 20 anos). Ela só começa a ter noção real de sua condição com a chegada da filha, Jéssica (Camila Márdila), que decide morar com a mãe para prestar vestibular em São Paulo. A jovem passa a questionar o papel da mãe como "cidadã de segunda classe" naquele ambiente, que parece só afetuoso, mas que também carrega muita opressão. 

Regina Casé

  • Se o filme passasse e não tivesse saído a PEC, as pessoas iam dizer: gente, como é que não tem? O filme demonstra como isso é uma coisa recente. É a mesma coisa que a gente sente quando vê aqueles filmes que a mulher ainda não votava e a gente tem um estranhamento

    Regina Casé

Para Casé, "Que Horas Ela Volta?"  trata dessa relação tão arcaica, que por muito tempo foi naturalizada. "Se o filme passasse e não tivesse saído a PEC, as pessoas iam dizer: 'gente, como é que não tem?' O filme demonstra como isso é uma coisa recente. É a mesma coisa que a gente sente quando vê aqueles filmes em que a mulher ainda não votava, e a gente tem um estranhamento".

As estatísticas provam que a mudança é recente, mas real: em 1992, era de 22,8% a porcentagem de empregadas domésticas que dormiam na casa dos patrões. Em 2014, o número caiu para apenas 2%.

A química e boa atuação de Casé e Mardila fizeram com que as duas dividissem o prêmio de melhor atriz no Festival de Sundance, derrotando concorrentes como Nicole Kidman. O filme também foi premiado pelo público no Festival de Berlim deste ano.

Para Casé, que teve que conciliar as filmagens com as férias do "Esquenta", em 2014, o sucesso e a beleza do filme estão em apresentar muitas nuances dessa relação entre funcionária e patrões, não só a de opressão. "Esse não é um filme esquemático, que mostra essa relação de patrão e empregado. Ele tem tantas nuances. Pra mãe, também é muito difícil ver que o filho tem uma ligação mais forte com a empregada do que com ela". 

A apresentadora acredita que, justamente por haver esse ambiente nebuloso de afeto e opressão, é necessária uma maior regulação dos direitos do trabalhador. "O afeto sempre correu por meandros tenebrosos. Às vezes, é afeto mesmo, mas às vezes, o que parece que é afeto é mais opressão, exploração. Quando os direitos não são garantidos, cria-se uma atmosfera muito nebulosa, onde apesar de haver afeto, essas coisas se confundem de uma maneira muito ruim". 

Mesmo tratando de um assunto tão sério, ainda será possível dar risadas com a protagonista, como já acontece com os telespectadores que acompanham Casé semanalmente. "Acho que, em alguns casos, como no nosso filme, você até consegue provocar mais reflexão e emoção com a comédia".

Mesmo não sendo uma comédia com ares de blockbuster, a atriz acredita que o filme terá um bom alcance e atingirá quem precisa ser atingido, como a classe de trabalhadores domésticos "Essas pessoas começaram a ir ao cinema recentemente e elas preferem filmes nacionais. Adoram que seja em português e que não tenha legenda. Isso é um bom sinal que fortalece o mercado cinematográfico", diz.

Trailer de "Que Horas Ela Volta?"

Fora da competição
Uma pré-estreia do filme marcada para o dia 11 de agosto em São Paulo tirou "Que Horas Ela Volta?" da competição do Festival de Gramado. Isso porque, de acordo com as normas do evento, os filmes em competição não poderão ser exibidos comercialmente ou realizar sessões de pré-estreia até o dia da premiação, que este ano acontece em 15 de agosto de 2015. 

Mesmo com a baixa, a exibição do filme no primeiro dia do festival foi mantida porque, segundo a assessoria de imprensa do evento, tirar o filme "seria uma frustração para o público que já adquiriu ingressos para ver o longa". A estreia em circuito nacional está marcada para 27 de agosto.