Topo

Com mais um personagem excêntrico, Depp diz que não quer entediar o público

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, de Veneza (Itália)

04/09/2015 10h43

“Isso não é álcool”, diz Johnny Depp, com uma garrafa que parecia ser de cerveja na mão, assim que entra na sala da entrevista coletiva. Ele veio a Veneza promover “Black Mass - Aliança do Crime”, de Scott Cooper, filme muito aguardado pelos fãs, mas apresentado fora da competição no festival. Na tela, Depp aparece envelhecido, careca e com lentes azuis para interpretar o mafioso Jimmy Whitey Bulger, um dos líderes do submundo de Boston, das décadas de 1970 e 1980, e um dos homens mais procurados do planeta na época.

Depp surgiu na sala usando uma nada discreta jaqueta verde, mais rechonchudo que de hábito (desleixo? o físico para um novo filme?) e com os cabelos jogados para trás. A voz meio pastosa, alguns risos fora de hora e as repostas meio titubeantes reforçavam que sua frase inicial era apenas uma piada. Ou seja: era Depp sendo Depp, um astro de Hollywood de primeira grandeza (a coletiva foi de longe a mais disputada por jornalistas até o momento), que não se importa tanto com o que possam pensar sobre ele.

Mas talvez ele devesse: com uma trajetória que há décadas vem apostando na repetição sistemática de tipos excêntricos, espalhafatosos, Depp tem enfrentado um enorme desgaste na carreira de alguns anos para cá. “Um ator tem a responsabilidade de mudar, dar coisas que o público não espera, surpreender”, justificou-se.

“Deve não entediar o público e nem fazer sempre as mesmas coisas. É o que eu tento fazer: buscar desafios o tempo todo”, disse o ator, sem se dar conta de que o excesso de desafios também pode se tornar, com o tempo, algo entediante ao público.

Maquiagem

O “desafio” desta vez parecia certeiro. Quando as primeiras imagens de Depp caracterizado como Bulger viralizaram na internet há alguns meses, “Black Mass” se tornou um dos filmes mais badalados de 2015. Os mais afoitos chegaram a dizer que seria a “atuação do ano”. Certamente eles não viram o filme.

Não que a atuação de Depp seja de todo ruim – é até melhor que a maioria das coisas que ele tem feito recentemente. E em duas ou talvez três cenas, ele consegue resultados bastante positivos –seu Bulger é mesmo assustador.

Mas na maior parte do filme, o personagem não consegue se impor. Em parte por culpa do próprio Depp –talvez seja tarde demais para ele se livrar dos vícios de interpretação que acumulou com tantos anos de “esquisitice”–, mas sobretudo pela equivocada maquiagem que ele estampa no rosto. Ela é tão absurdamente artificial que por vezes beira o ridículo, constantemente desviando a atenção do público, que esquece Depp e sua performance para reparar na estranheza do rosto da personagem (ele parece uma caricatura de como Leonardo DiCaprio talvez se pareça daqui há 20 anos).

Trailer de "Black Mass - Aliança do Crime"

Lado mau

O Whitey Bulger do filme é um criminoso terrível, sem honra, do tipo que diz aos desafetos que está tudo bem, para, um segundo depois, matá-los pelas costas. Porém, tem também um lado mais humanizado: é apegado ao irmão e à mãe e faz o tipo de vizinho que ajuda velhinhas a carregar suas compras.

“Ninguém se levanta, olha para o espelho e diz: ‘sou mau’”, disse Depp. “É preciso ser verdadeiro com os diferentes lados de um sujeito como ele: há o do trabalho sujo, mas tem também o do ‘homem de família’”. A certa altura, o ator foi indagado sobre como ele próprio lidava com o lado “maldoso” que cada um de nós traz dentro de si. Sorrindo, o bad boy respondeu: “Já o encontrei há muito tempo. Somos hoje velhos amigos”.

O longa segue a mesma linha de filmes de máfia desenvolvida nos anos 70 por cineastas como Martin Scorsese e Francis F. Coppola, só que dirigido por alguém sem o mesmo dom narrativo nem o mesmo talento visual.

O filme tem alguns momentos meio confusos –muitas vezes não se sabe distinguir um mafioso de sobrenome italiano do outro–, mas no geral é assistível, embora jamais seja “memorável”. 

O elenco conta ainda com Joel Edgerton (na pele de um agente do FBI, o verdadeiro protagonista do filme), Benedict Cumberbatch, Kevin Bacon e Dakota Johnson. Esta última, também presente em Veneza, foi equivocadamente apresentada pela mediadora como “Dakota Fanning” –mas as atenções estavam tão voltadas para Depp que pouca gente deve ter percebido a gafe.

Do lado de fora do Palácio do festival, vários fãs aguardavam pelo ídolo. Alguns já estavam ali desde bem cedo, esperando por uma selfie, um autógrafo ou talvez só um aceno do ator. “Não considero essas pessoas que fazem esses sacrifícios como minhas fãs. São, na verdade, os meus patrões”, disse o astro. “São eles que pagam pelos nossos filmes. É sempre muito tocante e caloroso [vê-los]. Agradeço muito a esses meus ‘chefes’”.