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Transexual de Eddie Redmayne conquista Veneza e já mira o Oscar

Eddie Redmayne em cena de "The Danish Girl" - Divulgação
Eddie Redmayne em cena de "The Danish Girl" Imagem: Divulgação

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, de Veneza (Itália)

05/09/2015 13h17

Veneza viu na manhã deste sábado (5) a primeira performance masculina com chances reais de prêmio. Não só o do festival, aliás, mas muito possivelmente também do Oscar do ano que vem. Eddie Redmayne comoveu o público e a crítica com sua delicada atuação na pele de um transexual, no drama "The Danish Girl", dirigido por Tom Hooper (de "O Discurso do Rei").

O longa conta a história de Lili Elbe, a primeira pessoa do mundo a passar por uma cirurgia de reconfiguração sexual. Ela nasceu Einar Weneger, em um vilarejo da Dinamarca, mas nos anos 1920 resolveu se submeter a um inédito procedimento cirúrgico para se tornar uma mulher, pelas mãos de um médico alemão afeito a experimentações.

A cirurgia contava com duas etapas: na primeira, tirava-se o pênis; na seguinte, configurava-se uma vagina. Lili sobreviveu (e muito bem) ao primeiro processo, mas sucumbiu na segunda parte, pouco depois de o doutor realizar seu sonho de finalmente “ser inteiramente ela mesma”, para usar o termo que a própria gostava de utilizar.

Circulam pela internet rumores de que a ideia original era colocar Nicole Kidman no papel, mas a produção pensou melhor e preferiu escolher um homem para o papel de trans. Na coletiva de imprensa, o diretor foi questionado sobre as razões de não ter escolhido um ator ou atriz trans para viver Einar. "O acesso de atores trans a papeis em filmes é ainda muito limitado. Eu fico feliz e torço muito quando eles conseguem trabalhar. Mas no caso do filme, escolhi Eddie porque ele tem um lado feminino que eu achei interessante explorar”, disse Hooper. "Foi uma escolha instintiva (...) já o conheço desde os tempos em que o nome dele não era uma ajuda tão grande para conseguir dinheiro para produzir um filme", acrescentou.

Melhor para Redmayne, que mergulhou fundo no universo da transsexualidade e poderá repetir no ano que vem o feito raro dos dois Oscars de melhor ator em anos consecutivos, que até hoje foi realizado apenas por Spencer Tracy, nos anos 1930, e por Tom Hanks, nos 1990.

Extremamente aplaudido assim que entrou na sala de imprensa, Redmayne mostrou certa timidez. Um repórter o elogiou efusivamente. Redmayne agradeceu, ficou vermelho, olhou para o teto e desconversou: “É o melhor roteiro que já li na minha vida. Achei muito tocante, sobretudo porque era sobre uma pessoa trazendo uma outra para lutar pela vida”, disse, referindo-se ao apoio que Einar recebeu da mulher, Gerda.

"Entrei em contato com muitas pessoas do mundo trans e fiquei muito impressionado com a generosidade, a bondade deles. Eles me deram abertura para eu fazer perguntas sobre qualquer assunto que eu quisesse. Foi uma educação para mim", disse o ator.

Se ganhar desta vez, será uma vitória bem mais merecida que a do ano passado. Em "A Teoria de Tudo", a atuação de Redmayne não consistia em muita coisa além de simplesmente imitar o personagem real que interpretava, o cientista Stephen Hawking. Era uma atuação perfeccionista, meticulosa até, mas dramaticamente pobre, no sentido em que era amparada basicamente no esforço do mimetismo.

Claro, imitar bem é, sim, uma arte, mas uma performance é certamente mais rica quando traz alguma coisa de peculiar, de nova, de autêntica vinda do próprio ator. E, desta vez, ele parece ter percebido isso. Em "The Danish Girl", Redmayne pode até ter se inspirado em transexuais que encontrou, mas há ele inclui algo de claramente autêntico á sua criação. “O que nos guiou foi que Eddie não imitasse uma mulher, mas que deixasse vir à tona algo que estava em seu interior”, disse o diretor. No filme, o ator tem uma certa maneira, por exemplo, de piscar os olhos ou tremer os lábios em momentos de tensão que são muito peculiares (mas nem tanto assim os seus sorrisos; neles, vê-se que Redmayne ainda não abandonou Hawking por completo).

Tão bem quanto ele está sua companheira de cena, a atriz sueca Alicia Vikander, extraordinária, que interpreta a artista plástica Gerda Weneger. Ela era o motor por trás da transformação de Lili – não fosse por ela, talvez Einar jamais tivesse optado por se abrir ao seu verdadeiro "eu" e morresse frustrado, sob o signo do gênero masculino. É curioso que, no começo, Lili surge como uma espécie de “performance” artística concebida por Gerda; era uma pesonagem que Einar interpretava, em festas e outras ocasiões sociais. Mas Einar logo descobre que Lili não era uma personagem vivido por ele, mas sim o oposto: no fundo, ele sempre foi aquela mulher, e o filme retrata a sua luta é em trazê-la completamente à tona. "Para mim, o filme é sobre o amor, sim, mas não só [o de Gerda por Einer]. É também sobre alguém descobrir o amor por si mesmo", disse a atriz.

O filme é sensível, por vezes tocante, mas sofre da mesma falta de ousadia formal de outros longas do cineasta. Hooper tem um certo gosto pela simbologia óbvia – no começo do filme, ele foca uma árvore seca no meio de vegetação frondosa, como que traçando um paralelo dessa imagem com a personagem que está para apresentar; mais adiante, a analogia com Lili se dá por meio de uma echarpe voando pela força do vento... Há quem goste deste tipo de metáfora meio sem imaginação, mas o filme frustra também em um outro nível: não nos fornece informações para termos um retrato mais completo de Lili. Não se aprofunda, por exemplo, em explicar o tipo de prazer que ela sente ao se vestir de mulher (se passa pelo campo sexual, ou se fica apenas no estético, se tem a ver com gostar de ser admirada,  etc.). Mas em termos de mensagem, é uma obra muito bonita.

"O filme é sobre inclusão, mas feita por meio do amor. Vivemos um mundo dividido, com questões sérias como a dos refugiados atualmente na Europa (...) A paixão, o amor, são as únicas chaves para a inclusão", completou Hooper.